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Por que há tão poucos professores homens na Educação Infantil?

Homens na educação infantil: foto em preto e branco mostra um homem sentado em uma cadeira, e crianças de costas o observando.

Pare e pense: quantos homens trabalham na escola ou creche do seu filho? Destes, quantos são formados em Pedagogia e exercem o cargo de professor? Afinal, por que há tão poucos homens na educação infantil? A presença maioritária das mulheres nesse segmento é sintomática da distinção de gênero na divisão de tarefas e papéis sociais. E impacta diretamente a estruturação dos perfis de alguns nichos de atuação.

Para Cristina Nogueira Barelli, coordenadora do curso de Pedagogia do Instituto Singularidades, este é mais um indício de como a sociedade atribui à mulher a responsabilidade pelos cuidados com a criança. “Na educação infantil, há uma tradição de ‘maternagem’, que é, social e culturalmente, associada à mulher. Isso vem mudando gradativamente.”

“Educar um bebê vai muito além de trocar fraldas”

Aprendizado e diversidade

Segundo ela, algumas escolas já se preocupam em equilibrar essa disparidade entre mulheres e homens. Com intuito de oferecer às crianças um círculo de convivência e aprendizado com mais diversidade. Afinal, a resolução dessa questão começa por entender que a educação infantil é algo muito diferente de maternagem.

Apesar de ter em si algumas rotinas de cuidado e carinho, educar um bebê ou uma criança é oferecer as bases de construção do indivíduo em um ambiente seguro permeado de aprendizados. E vai muito além, portanto, de trocar fraldas.

“Tanto a presença masculina quanto a feminina são importantes no desenvolvimento da criança”

Homens e mulheres na educação infantil

Para tematizar essas nuances do assunto e os tabus da presença masculina dentro da sala de aula, o Singularidades coloca como obrigatório que todos os alunos vivenciem o contato com as crianças.

“O nosso estágio tem início desde o primeiro semestre. E a proposta pedagógica é que todos os alunos estagiem na Educação Infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental. Com isso, os nossos alunos, homens e mulheres, vivenciam a realidade da Educação Infantil atual”, conta ela. A profissional ainda ressalta que todos os preconceitos sofridos são trazidos para discussão e problematização posterior.

“É importante que essa realidade seja discutida na formação inicial. E que possamos quebrar barreiras, estigmas e preconceitos no decorrer do curso. Tanto a presença masculina quanto a feminina são importantes no desenvolvimento da criança. Esse convívio deve estar presente na vida escolar”, defende Cristina.

De onde vem o preconceito?

Cristina ressalta que mães, pais e cuidadores costumam reproduzir – mesmo que inconscientemente – tabus construídos socialmente sobre quem deve tomar conta dos filhos quando estão na escola ou na creche.

O que é androfobia?

O fenômeno tem nome: Androfobia, temor ao sexo masculino. Durante muito tempo, a educação foi responsabilidade da mulher, já que esta era possuidora de “dons naturais para cuidar”, tornando a educação infantil uma vocação, e não uma profissão.
(Fonte: “Relações de Gênero e Trabalho Docente na Educação Infantil: Um Estudo de Professores em Creche”, tese de Deborah Thomé Sayão para a Universidade Federal de Santa Catarina)

“Ainda há muitos estigmas sobre a presença do professor do sexo masculino que, muitas vezes, são colocados pelos próprios pais”

Neste caso, seria necessário que a escola fizesse um trabalho com a comunidade para desmistificar a questão. O paulistano Giulio Proietti é uma exceção dessa realidade de forma ainda mais acentuada. Pois não só é professor na escola Teia de Aprendizagens, onde trabalha com crianças do quarto e quinto anos, como desistiu da carreira de advogado para fazer o que faz.

Ele tem formação em Direito e atualmente cursa o terceiro ano de Pedagogia na Universidade de São Paulo (USP), onde notou que a presença feminina já ultrapassa os 80%. Segundo Giulio, um dos primeiros pontos a levar em consideração para compreender o porquê desse desequilíbrio é a própria distribuição social do trabalho.

A desvalorização da profissão

“Vivemos em um mundo machista e paternalista, no qual prega-se que apenas os homens são de alguma forma suficientemente dignos e capazes de ocupar cargos em grandes empresas nas áreas dos referidos ‘grandes cursos’. Para que possam ser os provedores de suas famílias”, comenta, referindo-se ao motivo de as mulheres ocuparem cargos considerados menos importantes.

“Ser educador se torna extremamente desinteressante e até mesmo profissionalmente vergonhoso em nossa sociedade, em decorrência dos baixos salários e do não reconhecimento”

“Eu já fui questionado de forma machista e materialista por parentes, amigos e amigas sobre minha escolha de trocar uma carreira como advogado pela de educador. Chegaram perguntas do tipo: ‘você não vai morrer de fome?’ ou ‘vai ser professorinha de criança?'”, conta Giulio.

A visão da mulher como cuidadora nata

O sistema patriarcal é responsável por excluir a mulher de determinadas funções. Além de jornadas mais extensas e mal remuneradas. Porém, por outro lado, também limita o homem a carreiras vistas como estritamente masculinas e alimenta uma visão equivocada e socialmente compartilhada de que algumas profissões são naturalmente “mais femininas”.

Segundo o último Censo da Educação Básica, na educação infantil e nos anos iniciais, a participação das mulheres está, em média, em torno de 90%; nos anos finais e ensino médio, esse percentual cai para valores aproximados de 69% e 60% respectivamente. Já a participação dos homens progride de percentuais abaixo de 4% na educação infantil para percentuais em torno de 40% no ensino médio.

O pedagogo Elias Fonseca pesquisou essa questão para seu primeiro projeto de conclusão de curso na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com o tema “A imagem do pedagogo homem na educação infantil”.

“A imagem da mãe, esposa e afins como cuidadora ainda é muito forte, o que faz do mercado de trabalho uma extensão do trabalho doméstico. Este que, na compreensão da sociedade patriarcal, é uma ‘vocação naturalmente feminina’”

Elias ressalta que nem sempre foi assim, uma vez que a carreira de professor já esteve ligada a um alto grau de prestígio social e econômico. “Historicamente, o recorte de gênero do pedagogo sofreu uma inversão, pois inicialmente era um cargo de maioria masculina e alto reconhecimento. No decorrer do século 20, foi ‘feminilizado’, infelizmente menosprezado, e ainda sofre com a precarização da profissão”, explica o professor.

Discriminação dentro e fora da escola

Para os profissionais que vivenciam a dinâmica da educação infantil, não é só dentro da escola que existe preconceito em relação a professores homens, já que os pais também apresentam uma grande resistência em aceitar esses profissionais.

“Como educador, ainda trabalhando na educação infantil antes de me tornar tutor no ensino fundamental, tive o desprazer de ser proibido por alguns pais de ter contato com suas filhas, pois acreditavam que eu estaria lá não para ser um facilitador em sua formação pessoal, mas para abusar delas. É uma crise de valores que gera uma sociedade machista e um ambiente de medo extremado. Uma pena, mas compreendi a agonia daqueles pais”, conta Giulio.

“É uma crise de valores que gera uma sociedade machista e um ambiente de medo extremado”

Elias, que atualmente está fora do mercado de trabalho, passa pela mesma questão e chama atenção para o preconceito sofrido no próprio meio profissional.

“Eu encontro muita dificuldade durante a seleção de vagas para trabalhar com educação infantil. Posso até concordar que alguns pais tenham resistência em razão da maioria dos casos de abuso infantil ser realizado por homens dentro do círculo social da criança. Contudo, creio que seja mais importante dizer que a Pedagogia em si é marginalizada em relação a todas as subcategorias da docência.”

Qualificação deve importar mais que o gênero

No artigo “Homens na educação dos pequenos: algum problema?”, a professora Flavia Vivaldi defende que a qualificação do professor deve ultrapassar a questão de gênero.

“A insegurança de pais em relação aos filhos é sempre legítima por serem eles nosso maior tesouro. No entanto, o que estará em jogo sempre serão a competência e o conhecimento do profissional. Esses sim são aspectos que devem ultrapassar as questões de gênero e serem conclusivos nos processos de contratação de quaisquer que sejam os profissionais”, defende Flavia.

“A educação é um reflexo da sociedade e vice-versa. Logo, precisamos de vontade de mudança da sociedade e da educação”

Elias complementa: “Devemos deixar de reforçar o binarismo de gênero que trata mulheres como figuras frágeis e emocionais, e homens como aventureiros e insensíveis. Além disso, precisamos desvincular o conceito de vocação, que nos amarra ainda mais a estes mesmos binarismos e tantos outros preconceitos. E o melhor lugar para começarmos a mudar é na Educação Infantil.”

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