“Assuma que eu posso”. Esse é o tema do vídeo em que a atriz canadense Madison Tevlin, uma pessoa com T21, questiona os estereótipos que envolvem quem tem a sua condição genética. Assim, Madison mostra como essas suposições, baseadas em preconceito e capacitismo, podem afetar negativamente suas vidas e limitar suas ambições.
Além do exemplo da atriz, a ONG italiana CoorDown, que produziu o vídeo junto da Sociedade Nacional de Síndrome de Down, compartilhou em suas redes outras histórias inspiradoras de pessoas com Down. É o caso de Jordan (que ama esquiar), de Connor (ator que ganhou um Emmy), de Andrea (que toca piano), de Marina (que é escritora), de Luca (que dança break) e de Emily (que participa de competições de ginástica rítmica), por exemplo.
Será que isso é possível para quem tem síndrome de Down?
Nesse sentido, o Lunetas compartilha a seguir histórias de jovens brasileiros com síndrome de Down que conquistaram espaços com a autonomia de escolher o que querem fazer.
- 1. “Gosto de pegar onda”, diz Juliana, que surfa nas praias capixabas
Desde janeiro deste ano, Juliana, 14, que já fazia natação e basquete, começou então a praticar surfe na Praia da Sereia, em Vila Velha (ES). Juju, como é conhecida pelos amigos e pela família, participa de aulas de surfe adaptado promovida por instrutores da ONG Especial Surfe em parceria com a Vitória Down, associação de pais, amigos e pessoas com síndrome de Down do estado. O objetivo é promover a inclusão e a integração social das pessoas com deficiência por meio do esporte.
“Fiquei com medo na primeira vez e depois gostei! Gosto dos professores e de pegar onda. Acho a água muito gelada, mas depois gosto bastante. Surfar me ajuda muito. É incrível”, conta Juju. Joana, sua mãe, diz que as aulas melhoram o desenvolvimento da filha. “No surfe, a Juju trabalha equilíbrio, coordenação motora, o compartilhar, a espera por sua vez e desfruta do convívio com outras pessoas. Além disso, o surfe faz muito bem à saúde e é praticado ao ar livre.”
- 2. “A arte é um momento de descontração”, diz João, que expõe suas telas em galerias pelo mundo
Pincéis, rolos e até borrifadores são as ferramentas de João Elyo, 14, que, desde pequeno, tem um talento para as artes plásticas. Inspiradas nos elementos da natureza, suas telas trazem o contraste das cores laranja, verde, amarelo, azul e roxo, por exemplo. “Cores fortes deixam o ambiente mais alegre”, diz. A primeira exposição aconteceu em 2019, na cidade natal Teresina (PI), aos oito anos.
Mas suas cores vibrantes ganharam destaque também nas redes sociais e já foram expostas em galerias no Brasil e nos Estados Unidos, Espanha e Itália. Em 2021, chegaram ao Museu do Louvre, na França, um dos mais famosos do mundo. No ano passado, João recebeu o prêmio de “melhor abstrato” no 21º Salão Internacional de Artes, na Espanha. Este ano, suas obras serão exibidas em uma galeria em Nova York. O próximo país já está na agenda: Portugal. Isso porque João ganhou por votação popular o prêmio internacional Top of Mind 2024 na categoria artista plástico mais lembrado e é lá que acontecerá a premiação.
“Para mim, a arte é um momento de descontração e diversão”, conta o adolescente. Para a mãe, Elenilza, João fortalece muitos meninos e meninas com T21, mas não só as que têm a síndrome. “Muitas crianças se espelham nele para desenvolver seus talentos. Assim, ele encoraja também as famílias a acreditarem mais no talento dos filhos.”
- 3. “Meu sonho? Inclusão para todas as crianças”, diz Giovanna, que pratica vários tipos de esportes
Os ritmos contagiantes e as batidas vibrantes do tambor entraram na vida de Giovanna Pinelli, 15, em 2022, quando começou a frequentar as oficinas de percussão inclusivas, promovidas pelo Grupo Cultural Batukenjè, em Brasília. Lá, participa de encontros e apresentações do grupo junto de outras pessoas com síndrome de Down de todas as idades. “Gosto de dançar, cantar, encontrar os amigos e tocar.”
Além disso, ela ama esportes. A capoeira e o futsal estão em sua vida desde os dois anos de idade. Mais tarde, passou a praticar também basquete e corrida com outros adolescentes com a síndrome. “O esporte é muito bom para ter amigos, mas muito mais para ter saúde”, afirma.
Inspirada na atuação da sua mãe, Cléo Bohn, que é presidente da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down (FBASD), Giovanna também batalha por uma sociedade mais inclusiva. Nesse sentido, participa de eventos e ações educativas, como desfiles, e atuando em algumas campanhas. “Meu sonho? Inclusão para todas as crianças”, diz.
- 4. “O que importa é ser feliz fazendo o que mais gosta”, diz Luiza, que escreveu um livro sobre culinária
Desde os seis anos de idade, Luiza Camargo, 26, que mora em Socorro (SP), participa da rotina gastronômica de casa, sempre querendo ajudar. O que ela mais gostava era separar, em potinhos, os grãos de feijão que a mãe misturava com arroz e macarrão. Portanto, isso lhe servia de estímulo.
Aos 15 anos, Luiza começou a frequentar o Instituto Chefs Especiais, que busca promover a autonomia e a inclusão social por meio da gastronomia. De lá pra cá, o gosto pela culinária só aumentou. No seu perfil no Instagram, a chef ensina receitas para seus mais de sete mil seguidores.
Luiza não tem formação acadêmica em gastronomia, mas isso não a impediu de derrubar barreiras. Em 2018, ela lançou “Marmita da Luiza”, o primeiro livro de culinária escrito por uma pessoa com síndrome de Down. Também foi a primeira pessoa com a síndrome a participar do MasterChef Amadores 2023. Foi então que ficou entre os 90 candidatos escolhidos para apresentar um prato aos jurados no primeiro episódio.
- 5. “Sou uma mulher destemida que desafia a probabilidade”, diz Laís, a 1ª triatleta com síndrome de Down
Natural de Alagoas, mas morando hoje em Camaçari (BA), para Laís Oliveira, 28, a paixão por esportes foi natural. Com pais esportistas, ela começou então com a natação. Depois, vieram a bike e a prática da corrida, durante a pandemia. Por isso, a empolgação aumentou quando foi convidada para seu primeiro triátlon (esporte que une natação, ciclismo e corrida), em 2021.
Quando começou a ganhar medalhas e troféus, não parou mais de treinar: já foram mais de 12 provas. “A mais desafiadora foi uma prova de bike na caatinga, durante a 11ª etapa do Campeonato Baiano de Cross Triathlon, em 2023”, conta a atleta. Além disso, Laís faz provas de natação em águas abertas, inclusive trechos da Baía de Todos os Santos, que tem 12 km.
Para encarar o ritmo intenso das competições, faz pilates, natação na piscina e no mar, bike e corrida. “Cada prova é um desafio na minha vida. Mas é isso que me faz acordar todo dia com vontade de vencer”, diz. Contudo, a mãe, Patrícia, conta que as pessoas estranharam inicialmente a filha participar de competições. “Elas não imaginavam que era possível”, lembra.
Tendo como inspiração a triatleta brasileira Ana Augusta, Laís reforça que quem tem síndrome de Down é capaz de praticar qualquer esporte. Isto é: “é só treinar, se dedicar e não desistir. Sou uma mulher destemida que desafia a probabilidade e luta contra a mentalidade capacitista”.
- 6. “Mais um degrau da inclusão, agora no trânsito”, diz Laura, uma das primeiras brasileiras com T21 a tirar carta de motorista
Em 2021, a história de Laura Simões, 23, viralizou no X (antigo Twitter). Isso porque o irmão postou a habilitação para dirigir que ela conquistou. Nascida em Maceió (AL), Laura foi uma das primeiras pessoas com a síndrome a tirar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) no país. “A repercussão foi muito boa. As pessoas começaram a compartilhar minha conquista inédita de dirigir. Então, todos curtiram mais esse degrau da inclusão, agora no trânsito”, conta.
Para tirar sua CNH em busca de independência, ela contou com o apoio de toda a família. “Não é difícil uma pessoa com síndrome de Down tirar sua carta. Não existem restrições para que pessoas com deficiências intelectuais tirem carteira de habilitação no Brasil. Isso é preconceito. Reprovei a primeira vez na prova teórica e prática, como acontece com qualquer pessoa. Mas passei na segunda vez. Então, é uma sensação de dever cumprido, de pioneirismo, de abrir uma janela”, afirma.
Inspirando outras pessoas com sua história, Laura se tornou Embaixadora de Inclusão da Localiza. A empresa lançou, em 2023, a campanha “Autoescola Xtraordinária”, que busca incentivar pessoas com síndrome de Down a tirar a CNH. “Todos os dias eu enfrento o medo, mas acredito em mim e sei da minha capacidade”, conta Laura, que costuma dar palestras em eventos sobre inclusão.