Guarda compartilhada: entenda o que é, seus benefícios e desafios

Independentemente de o casal ser hétero ou homoafetivo, a guarda compartilhada será apontada pelo juiz e pelos advogados

Martha Lopes Publicado em 17.03.2017
Uma criança entre dois adultos, que olham para ela.

Resumo

Especialistas e mães comentam como a guarda compartilhada pode impactar na vida do ex-casal e dos filhos, mais seguros com a presença dos pais em sua vida.

O divórcio comum nos anos 1990, 1980 ou antes disso tinha quase sempre a mesma cara: o filho ficava com a mãe e, com sorte, via o pai a cada 15 dias. Os genitores praticamente não se falavam e a família constituída deixava de existir. Hoje, no entanto, a realidade dos núcleos familiares marcados pelo divórcio é um tanto diferente, especialmente depois que a Lei n. 13.058, de dezembro de 2014, passou a determinar a guarda compartilhada como regra para as separações no país.

De acordo com Ivone Zeger, advogada de família e autora do livro “Família: perguntas e respostas”:

“Independentemente de o casal ser hétero ou homoafetivo, a guarda compartilhada será apontada pelo juiz e pelos advogados. Nela, os dois pais ou cuidadores têm total responsabilidade pela criança e têm que se entender com relação à escola, ao médico, a viagens etc”.

O acordo, porém, não anula a existência de pensão: “De acordo com o binômio possibilidade e necessidade, vemos qual é o valor de colaboração, proporcional aos ganhos individuais.”

E a nova lei já mostra resultados. Segundo dados da pesquisa “Estatísticas do Registro Civil”, realizada pelo IBGE -Iinstituto Braseileito de Geografia e Estatística, de 2014 para 2015 foram concedidos 328.960 divórcios em primeira instância. Nesse período, a guarda, que era a opção de 7,5% das famílias, passou a 12,9%.

Quanto ao restante, Ivone esclarece: “Podem existir situações em que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) entenda que a guarda compartilhada não pode acontecer, como quando há muito desentendimento entre os pais. Mas não costuma negar a guarda quando ela é pedida”. No entanto, como a especialista fala, muitos pais optam pela guarda unilateral, principalmente quando não há disponibilidade de um dos dois para a criação dos filhos.

O dia a dia

A psicóloga Roberta Palermo, autora de “Ex-marido, pai presente”, diz que a guarda é “100% mais saudável para a criança por conviver com o pai e a mãe. Assim, não tem sensação de abandono, que é muito comum depois da separação e depois que deixa de conviver com um dos entes. O problema, afinal, não é a separação, é a ausência de um dos pais”.

Contudo, a psicóloga explica que, por definição, a guarda implica em um compartilhamento da vida, das informações e das responsabilidades com os filhos, mas não delimita o tempo que cada um vai passar com a criança. “Pode ter ou não alternância de casa, o que tem que ser muito organizado para dar certo”, fala.

Sem fórmula pronta, as famílias têm determinado a melhor rotina e a melhor maneira de vivenciar a guarda compartilhada. Liliane Prata, mãe da Valentina, de cinco anos, separada há sete meses, conta que, aos domingos, alinha com o pai da menina a divisão da semana seguinte: “Ela passa três noites com um e quatro noites com o outro, depois invertemos. Se um de nós tem um compromisso, o outro fica um dia a mais, por exemplo. Tudo é conversado”. No dia a dia deles, cabe ainda refeições ou passeios com os três reunidos. “A separação muda a rotina da criança e esse é um jeito de ajudar a sentir menos”, diz.

Carolina Barranco, mãe de uma menina de cinco anos e de outra de um ano e nove meses, separada há um ano e sete meses, diz que os horários de trabalho condicionam os cuidados com as filhas. “Eu e o pai temos horários flexíveis. Na maioria das vezes, as meninas ficam com quem não está trabalhando. Quando os dois estão ocupados, uma babá ou a família ajuda. Mas as duas casas são delas, não tem uma oficial”, conta.

Cuidados com a criança

Nesse processo, é importante estar atento ao bem-estar da prole. A psicóloga Roberta alerta: “Não pode haver egoísmo. Muitas vezes os dois pais querem ficar com a criança, mas têm que pensar se está bom para ela. Por exemplo, se o pai só chega em casa às 11h da noite, será que é bom? Precisa avaliar e ter muito bom senso”.

Para Liliane, é fundamental “colocar as necessidades da criança em primeiro lugar”. Isso não quer dizer realizar tudo o que ela tiver vontade, mas ter sensibilidade para ver o que está funcionando e como a criança está reagindo à nova configuração.

Conversar com os filhos com sinceridade, adequando o discurso ao entendimento deles, é outro bom caminho

Ela conta que, meses depois da separação, quis saber da filha se havia algum descontentamento com a situação ou com a rotina na casa do pai. Ouviu da menina: “Tem sim. Na casa do papai não tem pão de forma”. Para as crianças, as questões podem ser mais simples do que parecem aos adultos. Ou como Liliane fala: “Não é simples se separar e ter filhos, mas tem muitas complicações desnecessárias. Minha preocupação foi não complicar muito”.

De acordo com Carolina, é importante tentar manter os mesmos padrões e regras no convívio dos dois. “Se proíbo algo, o pai precisa seguir também, então o ideal é equilibrar as visões relacionadas à educação e à alimentação”. Manter o contato com o ex-parceiro é vital nesse processo: “As diferenças têm que ser superadas de modo a não interferirem no bem-estar dos filhos”, fala.

Do ponto de vista prático, a psicóloga Roberta lembra que os pais devem lembrar de organizar o ambiente para a criança, garantindo que ela tenha tudo de que precisa ali, transitando com o mínimo entre as duas casas. Ela fala, ainda, que a responsabilidade sobre o transporte dos itens não deve ficar a cargo da criança: “Inicialmente, é tudo novidade para os filhos, é uma adaptação. Quando os pais jogam a responsabilidade sobre as crianças de levarem o que precisam para uma ou outra casa, elas ficam ansiosas, tensas”.

Além disso, morar relativamente perto pode ajudar o ex-casal na tarefa de transportar e garantir itens essenciais à rotina dos pequenos.

Benefícios

A advogada Ivone Zeger conta que, com a guarda unilateral, “o pai que não detinha a guarda mal via o filho e sabia o que estava acontecendo com ele. A guarda compartilhada traz benefícios muito grandes principalmente para a criança, gera convivência saudável para esse filhos”. Hoje, em função disso, ela tem recebido em seu escritório uma série de casais separados com a guarda unilateral que pedem para rever o processo e passar para a compartilhada.

Para Carolina, uma das maiores vantagens para as meninas é que “elas podem estar mais tempo com um dos pais exclusivamente, têm uma presença maior ou só do pai ou só da mãe”. Já para os pais, há a vantagem de compartilhar as responsabilidades, por um lado, e ter mais tempo livre, por outro.

O novo pai

Na guarda unilateral, frequentemente a mulher acumula os cuidados e as decisões relacionadas à vida dos filhos – muitas vezes, até o sustento financeiro. Mas, com o compartilhamento, ninguém fica sobrecarregado – ou não deveria ficar, pelo menos. E, se esses novos acordos têm funcionado, um pouco se deve também a um novo modelo de paternidade, mais próximo e envolvido na criação dos pequenos.

Como a participação do pai na vida de Valentina sempre foi grande, Liliane conta que uma das primeiras preocupações da filha era ver o pai com a mesma frequência que a mãe: “O pai da minha filha leva ao pediatra, ao dentista, lembra quando é a hora de fazer essas coisas. Não preciso pedir, ele não é aquele pai que fica só na brincadeira e não há nada que eu faça que seja melhor do que ele pode fazer com ela”.

Esse compartilhamento permite, inclusive, manter uma relação amigável depois da separação e entender que a família segue existindo. Carolina diz: “Ainda temos momentos juntos, em família, mas agora cada um vive em sua casa e tem suas vidas pessoais”. Liliane concorda: “Com o tempo fui percebendo que essa família só é diferente, é um outro arranjo. Não tem certo nem errado, mas é como tem funcionado para a gente”.

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