Gestação de risco: o que já se sabe, e o que é preciso saber

Eclâmpsia, descolamento de placenta, rotura uterina. Como proteger bebê e gestante desses e outros quadros de alto risco? 

Da redação Publicado em 27.11.2017
Homem abraça mulher, que segura um ultrassom nas mãos.

Resumo

Gestação de risco é um tema que gera muito medo nas famílias, principalmente nas de primeira viagem. Confira nossa entrevista especial sobre o assunto, com o obstetra e ginecologista Felipe Favorette Campanharo, do Hospital Albert Einstein.

Quando o assunto é gestação de alto risco, o que é mito e o que é preocupação real? Como definir o limiar entre cuidar da saúde da mãe e limitar suas escolhas? Que procedimentos existem para manter o bebê seguro na barriga?

Em um país ainda marcado por interferências negativas na escolha de parto das mulheres, o pré-natal de risco ainda é o argumento de muitos médicos e profissionais de saúde para orientar cesáreas que, muitas vezes, são desnecessárias. Como se defender deste cenário? Para os especialistas, o caminho é um só: informação – das evidências científicas, sim, mas também da natureza do próprio corpo e das emoções.

Para ajudar a diluir essas e outras dúvidas sobre o assunto, o Lunetas ouviu o obstetra e ginecologista Felipe Favorette Campanharo, do Hospital Albert Einstein.

As definições

O primeiro passo é entender o que é, afinal, uma gravidez de alto risco. O que faz com que um processo gestacional normal passe a ser enquadrado como “de risco”? Como identificar o que é considerado comum ou anormal? Para Felipe, há uma série de condições prévias – que podem ser crônicas ou eventuais –, que colocam sinais de alerta no processo gestacional.

“Qualquer condição que interfira (ou que tenha potencial de interferir ) no bem-estar materno e fetal rotula a gravidez como sendo de alto risco. As condições maternas mais comuns são as Síndromes Hipertensivas – Pré-Eclampsia (PE) e suas variantes, o diabetes (prévio ou desenvolvido durante a gestação), as cardiopatias, as doenças renais e até mesmo a asma brônquica (quando descontrolada). Do lado fetal, a gemelaridade, os distúrbios do crescimento fetal e as malformações também colocam nessas gestações um sinal de alerta”, esclarece.

Além dessas, há outros muitos quadros, como síndromes hemorrágicas – comuns em até 15% das mulheres

Uma das dúvidas mais frequentes das famílias e principalmente das mães é se há causas específicas para esses quadros e, portanto, se é possível evita-los? Também é comum o questionamento sobre os grupos de risco, se há um perfil mais propenso a desenvolver essas condições?

A resposta para ambas as perguntas não é exata, e depende diretamente do contexto de vida, histórico de saúde e hábitos da mulher em questão. O médico explica que não há consenso entre os pesquisadores e profissionais de saúde sobre o que antecede um quadro de gestação de risco.

“Até hoje não temos uma explicação definitiva sobre o porquê do desenvolvimento da PE. Já o diabetes gestacional e a descompensação de cardiopatias encontram sua explicação nas próprias modificações fisiológicas da gravidez. Na gestação há produção de hormônios que aumentam a resistência à ação da insulina – o que acaba por elevar o nível glicêmico. A sobrecarga volêmica – também acaba por vezes, revelando problemas cardíacos até então desconhecidos”.

Apesar disso, o profissional ressalta que é possível mapear e assim interferir de forma positiva nos casos em que já um quadro crônico de determinadas condições.

“Hoje, conseguimos reduzir o risco de desenvolver a pré-eclâmpsia por meio do uso de AAS (ácido acetilsalicílico) em baixas doses e com suplementação de cálcio naquelas com dieta insuficiente. Já o diabetes gestacional está diretamente ligado ao ganho de peso excessivo na gestação, daí a importância da dieta durante esse período”, explica.

“Os grupos de risco são aqueles em que as pacientes já possuem essas comorbidades antes mesmo de engravidar”

“Hipertensas crônicas têm um risco maior de desenvolver pré-eclâmpsia na gravidez, assim como as pacientes com distúrbios renais”, diz Campanharo.

Quando procurar ajuda de um médico? 

Segundo o Ministério da Saúde, todo período gravídico que oferece risco deve ser composto das seguintes fases de acompanhamento: Avaliação clínica, Avaliação obstétrica, Repercussões mútuas entre as condições clínicas da gestante e a gravidez, Aspectos emocionais e psicossociais

Assim, é preciso uma equipe multidisciplinar que perceba o indivíduo em sua integralidade de dimensões.

“É de suma importância o conhecimento das repercussões da gravidez sobre as condições clínicas da gestante e para isso é fundamental um amplo conhecimento sobre a fisiologia da gravidez. Desconhecendo as adaptações pelas quais passa o organismo materno e, como consequência, o seu funcionamento, não há como avaliar as repercussões sobre as gestantes, principalmente na vigência de algum agravo”. (FONTE: manual Gestação de Alto Risco do Ministério da Saúde)

Campanharo pondera que, em um cenário ideal, toda gestação seria precedida por uma organização e um planejamento prévios. Assim, consultas pré-natais, plano de parto e conhecimento acerca das condições necessárias para um parto humanizado seriam pré-requisitos comuns. Porém, nem todos os contextos de vida são iguais, e, para muitas mulheres, não é possível ser assim.

“Idealmente, toda paciente com essas condições crônicas – hipertensão, diabetes, problemas cardíacos, renais – deve ‘programar’ sua gestação. Isso significa que ela deve passar em consultas previamente à gravidez, e junto com seu médico, escolher o melhor momento para engravidar. Uma paciente diabética que engravida compensada tem risco aumentado de malformações fetais, ao passo que, se está compensado, o risco de malformação é semelhante ao da população geral”, afirma Felipe.

Para ele, outro aspecto a ser levado em consideração é a experiência do obstetra com essas situações de risco e a necessidade de interface com outras especialidades, como nutrição, endocrinologia, cardiologia e outras áreas afins.

O obstetra lembra que procedimentos não farmacológicos são muito bem-vindos. “Sempre indico fisioterapia (fortalecimento da musculatura pélvica + alongamento + alívio das dores ) e acupuntura. Para isso, é fundamental ter o apoio de profissionais especializados”, diz.

Gestação de risco interfere na escolha do parto?

As escolhas de parto são assunto recorrente aqui no Lunetas. Entender que cada mulher possui seu direito de escolher como parir passa pela compreensão de que é preciso estabelecer relações de afeto e escuta em torno da mãe. Mulheres de diferentes gerações da família, por exemplo, podem compartilhar suas experiências, mas para construir um ambiente de verdadeiro acolhimento, é preciso respeitar as decisões individuais de cada um.

Campanharo complementa que essa escolha deve ser compactuada entre a parturiente e os profissionais envolvidos no parto, uma relação que deve ser feita sobretudo de confiança, de modo que a mulher possa conduzir o seu processo de forma segura quando houver orientações médicas obrigatórias, como a cesárea, por exemplo.

“A via de parto deve ser uma escolha compartilhada entre paciente e médico. Porém, é claro que há situações em que a resolução IMEDIATA se impõe (como em um descolamento prematuro de placenta) e essa é realizada pela via mais rápida, em geral, pela cesárea. Não há contra-indicação à indução de parto desde que o bem-estar materno e fetal estejam preservados”, pondera o obstetra.

Já a gravidez tardia – após os 35 anos –, segundo o obstetra, também pode ser diretamente associada a quadros de gestação de alto risco por conta dos aspectos biológicos do corpo, que se alteram após uma determinada idade.

“É impossível parar o relógio biológico. O risco de termos um feto com Síndrome de Down em uma gravidez aos 40 anos é estimado em 1% – bem maior que da população geral – ainda assim 99% serão ‘normais’”, , esclarece.

“Além do risco genético, mulheres de 40 anos têm chance maior de já serem hipertensas, diabéticas”

Porém, Felipe pontua que é importante considerar que a ciência evoluiu muito para que a idade não precise representar um impeditivo da gestação, bastando acompanhamento constante e os cuidados necessários pela saúde da mulher.

“O avanço da obstetrícia e da medicina de maneira geral permitem hoje monitorar esses quadros mais de perto, sendo fundamental para isso o pré-natal. Assim, embora a associação entre gravidez tardia e alto risco não seja mito, é possível sim, que a gestação transcorra de maneira tranquila e saudável”, pondera.

Além disso, vale considerar também que o assunto gestação de risco é sensível não só pelo comprometimento da saúde do bebê e da mãe, mas também porque envolve uma série de fatores secundários, como o afastamento do trabalho e consequente risco de se prejudicar no emprego. Como o medo das consequências sociais dessa condição interfere no tratamento?

“Hoje em dia, muitos são os fatores que levam a mulher a postergar a maternidade. A estabilidade profissional – carreira – e o desejo de segurança financeira são alguns deles e, como consequência disso, temos o aumento na prevalência de fatores de risco”, pontua o médico.

Outras condições de risco

Diante dos muitos fatores que contribuem para que uma gestação mereça ainda mais cuidado e atenção, é preciso saber reconhecer a diferença – muitas vezes, sutil – entre os mitos e as verdades. Daí a importância de acompanhamento profissional para garantir que não haja essa dúvida.

Neste cenário, duas condições aparecem com frequência nas conversas, nos medos e receios sobre o assunto: a gravidez tardia e a cesárea anterior. O obstetra Felipe Campanharo explica por que esses dois quadros podem representar, sim, riscos reais ao desenvolvimento saudável da gestação.

“A cesárea cria uma cicatriz no útero. Esse é um ponto de ‘fraqueza’, em que a placenta, em uma próxima gestação, pode ficar ‘aderida’

“Assim, teríamos duas situações: a inserção baixa da placenta (que é a localização mais baixa que o habitual) ou o acretismo* (consulte o termo no glossário abaixo) placentário. Ambas predispõem a ocorrência de hemorragias na segunda metade gravidez e no pós-parto”, explica Felipe.

O que há de mais moderno?

Ao contrário do que ocorria no passado, quando qualquer quadro de gestação de risco incorria em prejuízos sérios ao bebê e à mulher, hoje, há muitos recursos para proteger o bebê no útero.

  • Cerclagem: é um procedimento cirúrgico utilizado em mulheres com diagnóstico de Insuficiência Istmo Cervical – Um problema no qual ocorrem abortos tardios ou partos prematuros extremos. Não deve ser realizado “de rotina” e consiste na realização de “pontos” no colo do útero – Em geral, ela é feita por via vaginal.
  • Rastreamento do “Colo Curto”: Um procedimento via ultrassom, em geral realizada por ocasião do exame morfológico do segundo trimestre, mas que em casos de alto risco de prematuridade – como naquelas pacientes com parto prematuro espontâneo anterior ou malformações uterinas – pode e deve começar mais cedo.
  • Pessário é um acessório obstétrico que ajuda a prevenir parto prematuro. Pode ser usado em gestantes como de útero curto. Quando o diagnóstico de colo curto ou trabalho de parto prematuro é feito tardiamente, o pessário é a alternativa no lugar da cerclagem. Sua inserção é ambulatorial, seu uso deve ser discutido com a paciente.
  • NIPT (Non Invasive Pre Natal Test): Trata-se de uma pesquisa dos cromossomos fetais no sangue materno. Assim, pacientes de risco para aneuploidias (como aquelas com mais de 35/40 anos, ou mais jovens com antecedentes) podem ser testadas como rastreamento.  Nas pacientes com RH Negativo, é possível realizar a Pesquisa do RH Fetal também no sangue materno. Na área de pré-eclâmpsia, a pesquisa com marcadores bioquímicos (SFlt /PlGF) podem auxiliar no diagnóstico precoce e até mesmo na tomada de decisão.

O beabá da gestação de risco

Para as mulheres e famílias que quiserem se aprofundar no assunto e tirar todas as dúvidas sobre o assunto, é importante atentar para a confiabilidade das informações. Afinal, na internet não faltam respostas rápidas, mas nem todas são verdadeiras. Ou seja, jogar um termo nos sites de busca e confiar cegamente no primeiro resultado que aparecer é ficar refém dos mitos e das informações distorcidas e/ou fora de contexto.

No Brasil, o documento de maior referência é o guia Gestação de Alto Risco do Ministério da Saúde, cuja última edição é de 2010. Didático e explicativo, o manual traz informações detalhadas sobre cada um dos quadros, e esclarece as principais dúvidas e mitos.

Para quem lê em inglês, os materiais mais confiáveis e reconhecidos internacionalmente são o guia Pre Eclampsia Foundation, e o da Sociedade Americana de Medicina Materno Fetal.

Glossário: o que é o quê?

  • Acretismo: é quando a placenta ‘invade’ uma camada interna do útero chamada decídua. Assim, depois do parto, a placenta continua ‘grudada, e em geral sobram ‘restos’, deixando a região exposta a hemorragias.
  • Descolamento precoce de placenta: O descolamento prematuro de placenta (DPP) é definido como a separação da placenta da parede uterina antes do parto. Essa separação pode ser parcial ou total.
  • Eclâmpsia: Hipertensão que ocorre após 20 semanas de gestação, caracterizada pela presença de convulsões tônico-clônicas generalizadas ou por estado de coma em mulher com qualquer quadro hipertensivo, não causadas por epilepsia ou qualquer outra doença convulsiva. Pode ocorrer na gravidez, no parto e no puerpério imediato.
  • Pré-eclâmpsia: É o surgimento de pré-eclâmpsia em mulheres com hipertensão crônica ou doença renal. Nessas gestantes, essa condição agrava-se e a proteinúria surge ou piora após a vigésima semana de gravidez.
  • Proteinúria: presença de proteína na urina em quantidades acima do considerado normal.
  • Pessário: é um dispositivo médico (um anel de silicone em formato de cone) que é colocado ao redor do colo do útero. No passado, era utilizado como anticoncepcional.
  • Rotura uterina: É uma das situações hemorrágicas que podem ocorrer na segunda metada da gestação, configurada pela ruptura do útero.

(FONTE: manual  Gestação de Alto Risco do Ministério da Saúde)

*Este conteúdo foi produzido pelo Catraquinha em novembro de 2017, em parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein. Em maio de 2018, o Catraquinha migrou para o Lunetas.

Comunicar erro
Comentários 1 Comentários Mostrar comentários
REPORTAGENS RELACIONADAS