Escolas criam ‘Dia da Família’ para contemplar diversidade

Diante das diversas configurações familiares, escolas encontram respostas para datas comemorativas tradicionais

Camilla Hoshino Publicado em 18.05.2018
Foto em preto e branco mostra um homem de costas num abraço com duas crianças

Resumo

Com as diversas configurações de famílias possíveis, o tradicional dia dos pais ou dia das mães não consegue contemplar a história de todas as crianças. Diante disso, escolas criam “dia da família” como alternativa de inclusão.

Mães solo, uniões homoafetivas, crianças criadas pelos avós ou padrinhos, irmãos não consanguíneos, fruto da terceira união de parentes, além de muitos outros quebra-cabeças da sociedade atual. Com as diversas configurações de famílias possíveis, o tradicional dia dos pais ou dia das mães nas escolas não consegue contemplar todas as crianças e, muitas vezes, acaba se tornando constrangedor para quem não se encaixa nas chamadas “famílias padrão”.

Diante deste cenário, algumas escolas estão optando por comemorar o “dia da família”, não como forma de desprestigiar pais e mães, mas como um esforço de acolher todas as redes de afeto das crianças e fazer com que se sintam mais confortáveis nessas datas.

É o caso da Escola Municipal de Educação Infantil Desembargador Dalmo do Valle Nogueira, no bairro Vila Sônia, zona sul da cidade de São Paulo. Em 2016, após discussões sobre o tema com a comunidade escolar, a instituição criou o “dia da família”, estabelecido no 24 de março. Em esclarecimento à comunidade escolar, a escola criticou o aspecto comercial das comemorações, defendendo que as crianças não deveriam ser estimuladas ao consumismo, que relaciona a ideia de afeto à compra de presentes.  

“Algumas festas insistem em colocar as crianças em ‘apresentações’ que acabam se tornando uma tortura para professoras e crianças: ensaios, vergonha de participar e se apresentar, tristeza pela ausência de um familiar na apresentação, choro”, explicou a escola nas redes sociais. A instituição ainda sugeriu que a intenção das apresentações devem surgir da própria criança e não apenas responder a um desejo do adulto.

Inclusão e respeito à diversidade

O Colégio Fênix, uma cooperativa de ensino localizada em Curitiba (PR), optou pelo mesmo caminho. Estabelecido em setembro, o “dia da família” passou a ser uma resposta encontrada pelo colégio para respeitar a história e os laços afetivos de cada criança, assim como para ampliar o repertório de experiências das crianças com o mundo que se transforma a cada momento.

De acordo com Gabriela de Paula, professora da instituição, que contempla os ensinos fundamental e médio, a sala de aula serve como uma boa miniatura social para refletir sobre o tema. “Dentro da sala de aula eu tenho alunos filhos de homossexuais, tenho inúmeros alunos de pais separados, alunos que moram apenas com os avós, alunos com mães falecidas e que moram apenas com o pai, e eu tenho famílias ‘comuns’, que já podem ser ditas incomuns, visto que não existe um padrão”, descreve.

Vítima de preconceito em outras cinco instituições de ensino em virtude de sua orientação sexual, a professora enxerga no combate ao preconceito um caminho para o fortalecimento e para a valorização dos vínculos familiares, um dos tripés do desenvolvimento educacional nas escolas. “As pessoas dizem que a educação é uma arma para mudar o mundo, mas isso não pode ser apenas um discurso. O espaço escolar deve promover a igualdade e não a exclusão. Com igualdade se promove respeito, se promove amor e se promove a própria educação”.

Família “tentacular”

Dizer que as famílias não são mais as mesmas ou que as escolas buscam se adaptar às novas configurações nas relações familiares indica que existe uma comparação social a algum modelo anterior. Segundo a psicanalista brasileira Maria Rita Kehl, essa avaliação é feita tendo como referência um modelo de família idealizado, que correspondeu às necessidades da sociedade burguesa emergente em determinado período histórico.

Falar de “família padrão”, portanto, é mencionar uma estrutura nuclear (pai, mãe e filho), fruto de uma união “monogâmica, patriarcal e endogâmica, que predominou entre o início do século XIX a meados do XX no ocidente”, como explica Kehl no artigo “Em defesa da família tentacular”. Em oposição a esses lugares “bem definidos” delimitados nos séculos passados, a psicanalista utiliza a expressão “família tentacular”, como retrato das inúmeras combinações possíveis dentro do que se entende por família contemporânea ou aquela que abraça membros antes inexistentes.

Diálogo com as famílias

No Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) Castelinho do Saber, escola conveniada com a prefeitura, em Curitiba, no Paraná, esse debate também foi incorporado. A jornalista Vanda Moraes, mãe da Bárbara, de seis anos, conta que desde a entrada da filha na pré-escola, buscou conversar com a equipe pedagógica sobre a mudança de perspectiva sobre família, fato que impacta diretamente as comemorações escolares, até a criação do “dia da família”.

Vanda Moraes, que divide atualmente os cuidados da filha com a companheira Daniele Barbosa e com o pai de Bárbara, inicia o mesmo debate em uma nova escola de ensino fundamental. “As datas comemorativas, na maior parte das escolas, ainda precisam ser discutidas para que não perpetuem uma cultura dominante de opressões. Não que elas não devam existir, mas devem existir de outra forma”.

Maria Rita Kehl se baseia na demógrafa Elza Berquó,  no livro “História da vida privada no Brasil”, para explicar o abalo sofrido na família sustentada em torno do poder patriarcal, entre eles o ingresso das mulheres no mercado de trabalho, que levou a certo grau de independência financeira: “Com isto, o número de separações e divórcios vem aumentando assim como aumenta a idade em que as mulheres vêm decidindo se casar – em proporção direta ao aumento dos índices de escolaridade feminina.”

Além disso, a democratização dos métodos anticoncepcionais que incentivou a conquista da liberdade sexual pelas mulheres há quase meio século, desvinculando a sexualidade feminina da finalidade única da procriação. “Em contrapartida, hoje, o número de mulheres que se encontram sozinhas com filhos para criar vêm aumentando, assim como a gravidez não programada entre as adolescentes”, escreve.

Confira os pontos de vista de famílias e escolas

 

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