Antônio Gabriel, 11, e João Victor, 9, estão todos os dias conectados. Depois da escola, os irmãos, que moram em Maceió (AL), jogam e assistem vídeos no YouTube. Os canais preferidos são os de jogadores que comentam suas próprias jogadas on-line ou criam historinhas com personagens de jogos como o “Minecraft” e o “Free Fire”. Eles também gostam de acompanhar os youtubers que testam novos brinquedos e doces importados.
Os meninos fazem parte de 95% das pessoas entre 9 e 17 anos que acessam a internet no país. Além da informação, a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2023, mostrou, pela primeira vez, que o YouTube é a plataforma mais usada por quem tem de 9 a 12 anos (88%). A maioria assiste os vídeos pelo celular. Conforme o relatório Jaé, os conteúdos mais visualizados são os de animação,avaliação de brinquedos e vídeos feitos por crianças para crianças, como os vlogs, onde mostram seu dia a dia e brincadeiras.
A mãe de Antônio e João, a enfermeira Nil Prates, conta que é difícil tirá-los das telas. Ela monitora o tempo e o que eles assistem, mas, ainda assim, sempre aparece algum conteúdo inapropriado para a idade deles ou as incontáveis propagandas.
Segundo ela, o celular e o tablet são alternativas para quando os meninos não têm mais o que fazer. “É uma luta diária, pois no bairro onde moramos não tem opção de área de lazer. Por isso é difícil o convívio com outras crianças e atividades ao ar livre. Então, depois de fazerem as atividades de casa e alguns jogos de interação familiar, só restam para eles as telas.”
Propagandas a cada clique
Embora tenha um espaço exclusivo para crianças e até controle de uso de tela, o YouTube ainda é um celeiro de propagandas. Maria Mello, coordenadora do programa Criança e Consumo, do Instituto Alana, ressalta que os pais precisam se atentar ao conteúdo que a criança está assistindo porque, mesmo no YouTube Kids, há publicidade infantil velada. “Bloquear canais específicos e desativar o autoplay são algumas alternativas”, aponta.
Mas, para ela, o primeiro cuidado é o diálogo. “Conversar com a criança ou o adolescente sobre a exploração comercial presentes nesses aplicativos é fundamental, assim como aprender a se proteger usando as ferramentas que as próprias plataformas oferecem.” Nesse sentido, outro fator é a “mediação ativa”, que, segundo Mello, ajuda na percepção crítica sobre conteúdos inapropriados.
O excesso de propagandas e marcas presentes nos vídeos que as crianças assistem refletem diretamente no comportamento delas. No caso de Antônio e João, a mãe conta que é comum eles pedirem brinquedos, roupas e celulares só porque assistiram a publicidade nos canais. “Até viajar para algum lugar onde o youtuber iria se apresentar ou comprar dinheiro virtual para um jogo eles já pediram”, conta. ” Mas as principais alterações são no sotaque, as gírias e o comportamento de forma mal educada e falar gritando.”
Essa influência que o conteúdo do YouTube exerce sobre crianças e adolescentes é preocupante, explica Mello. “Crianças podem se tornar pessoas impulsivas, insatisfeitas, que valorizam mais o ter do que ser. Isso porque a publicidade infantil explora a vulnerabilidade de indivíduos em desenvolvimento, que vão sendo desde cedo estimulados a desejar produtos e serviços de que não necessariamente precisam.”
Como as crianças usam o YouTube?
O que assistem?
59% vêem vídeos de pessoas abrindo embalagens e ensinando como usar algum produto
50% dos usuários de 11 a 17 anos pediram para os responsáveis comprarem algum produto após contato com propaganda
46% dos adolescentes de 15 a 17 anos seguem páginas de algum produto ou marca
Quais as propagandas mais vistas?
60% de roupas e sapatos
52% de equipamentos eletrônicos
49% de comidas e bebidas
45% produtos de beleza
41% videogames e jogos
Como está o controle?
28% dos responsáveis de crianças e adolescentes utilizam filtros ou configurações que bloqueiam as propagandas
Fonte: TIC Kids Online Brasil 2023
O YouTube foi feito para as crianças?
Inicialmente, em 2005, a plataforma hospedava vídeos de usuários que podiam assistir e produzir conteúdos. O primeiro vídeo postado por um de seus fundadores mostra, em 19 segundos, um passeio ao zoológico. Então, com novas visualizações e usuários, o YouTube foi conquistando jovens no mundo inteiro e o acesso em smartphones e smart TVs permitiu conquistar o público infantil com vídeos de animação, desenhos, músicas, aulas e vlogs.
Nesse contexto, muitas empresas viram uma oportunidade de anunciar seus produtos. Foi assim que surgiram os youtubers, pessoas que criam conteúdos em seus canais sobre assuntos variados e, muitas vezes, apoiados por publicidade. No caso dos vídeos para crianças, brinquedos e doces, por exemplo, ganharam fama a cada curtida.
Atualmente, o YouTube possui o aplicativo YouTube Kids, destinado ao público infantil, com limitação de faixa etária e ferramentas de controle parental. Embora exista há dez anos, foi a plataforma que mais cresceu entre 2021 e 2022, em comparação aos outros streamings de música e vídeos, conforme diz o relatório Jaé. Além disso, cinco dos maiores canais do YouTube são de conteúdo para crianças. Juntos, eles somam mais de 96 bilhões de visualizações. Os vídeos sempre são interrompidos por propagandas.
“A publicidade aparece cada vez mais misturada a conteúdos de entretenimento ou camuflada. Assim, na maioria das vezes, é difícil até para um adulto identificar esse tipo de estratégia”, explica Mello. Outro fator prejudicial diz respeito à proteção dos dados pessoais. “O mapeamento de dados pessoais para compor o perfil dos usuários afeta crianças e adolescentes porque exploram de forma direta inseguranças, medos, desejos e outros sentimentos de quem está em etapa peculiar de desenvolvimento.”
O recurso “shorts”, de postagens de vídeos curtos no YouTube, semelhante ao Tik Tok, também é um atrativo para as crianças. Embora o formato já tenha ultrapassado 50 bilhões de visualizações diárias, quando se pensa no acesso deliberado, até um dos fundadores da plataforma, o taiwanês Steve Chen, afirmou que não deixa os filhos assistirem os shorts, pois o formato seria prejudicial ao cérebro. Outra “culpa” que Chen admitiu foi que o próprio YouTube acostumou o usuário a não conseguir terminar um vídeo sem logo clicar em outro. “Tal comportamento viciante não é saudável”, finalizou.