Educação inclusiva: caminhos para não deixar ninguém para trás

Instituto Rodrigo Mendes divulga pesquisa sobre protocolos de retorno às aulas na pandemia e realiza debates para discutir a inclusão dos alunos com deficiência

Raphael Preto Pereira Publicado em 07.07.2020
Educação inclusiva: Imagem de dois garotos, um com e outro sem deficiência, fazem o dever de casa juntos.
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Resumo

Instituto Rodrigo Mendes divulga pesquisa sobre protocolos de retorno às aulas adotados por 23 países e organismos internacionais e realiza uma série de webinários para discutir os desafios e as possibilidades da educação inclusiva na pandemia.

No Brasil, há mais de um milhão de alunos com algum tipo de deficiência matriculados em classes regulares, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (INEP). Como fica, então, a situação da educação inclusiva na pandemia? Para responder essa e outras perguntas, o Instituto Rodrigo Mendes (IRM) promoveu uma série de webinários no mês de junho e lançou, no dia 3/7, uma pesquisa sobre os protocolos da educação inclusiva para o retorno às aulas adotados por 23 países e organismos internacionais.

Segundo o estudo, a maior parte dos protocolos internacionais, além dos especialistas estrangeiros consultados, considera que não há relação entre deficiência e proibição automática da volta às aulas. Os únicos fatores a considerar devem estar associados a eventuais comorbidades que tornem a criança ou o adolescente mais vulnerável à Covid-19.

A análise deve ser feita caso a caso, envolvendo escolas, médicos, famílias e estudantes. Se o aluno precisar de um cuidador, intérprete de língua de sinais ou outro profissional de apoio, essa pessoa poderá acompanhá-lo nas aulas, desde que não apresente nenhum sintoma da doença.

O relatório aponta ainda a necessidade de monitoramento da presença e da assiduidade dos estudantes com deficiência, visando evitar um aumento da evasão escolar. 

Sobre recomendações sanitárias, o estudo aponta que:

  • Crianças e jovens com deficiência que apresentam dificuldades ou impossibilidade para a execução da lavagem ou desinfecção adequada das mãos precisam receber apoio
  • Estudantes que usam cadeiras de rodas devem lavar as mãos com frequência, além de poderem optar por usar luvas descartáveis e ter sempre álcool em gel à sua disposição. Outros equipamentos como bengalas, óculos, cadeiras higiênicas, implantes, próteses auditivas e corporais merecem atenção e cuidados
  • Todos os estudantes, professores e funcionários precisam ser treinados sobre a implementação das medidas de higiene

Educação inclusiva em tempos de pandemia

Durante a live de divulgação dos dados da pesquisa, Rodrigo Mendes, presidente do IRM, destacou que “a deficiência por si só não deve significar a proibição da volta”. Segundo ele, há ponto sensíveis nesse contexto. “Detectamos uma chance de que a pandemia pode aumentar a evasão escolar, principalmente com relação às crianças com deficiência”. A volta às aulas pode garantir, por outro lado, uma janela na luta pela educação de qualidade mais equânime, transformando o processo de educação e fortalecendo as barreiras de aprendizagem. 

 “Podemos estar diante da possibilidade de formar cidadãos mais críticos e comprometidos com a qualidade e a equidade na educação”

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, as respostas à pandemia precisam incluir as pessoas com deficiência para não produzir novas desigualdades. Para Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos Pela Educação, o tema da desigualdade ganhou mais espaço. “A questão do ensino remoto chegou para alguns alunos e para outros não. O grande legado dessa pandemia pode ser essa percepção das desigualdades e a necessidade de implementar políticas públicas que tenham a intenção de reduzi-las”, afirma.

Luiz Roberto Curi, presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), destaca que essa etapa híbrida de transição é fundamental, com uma parte dos alunos permanecendo com ensino remoto e outra parte voltando às aulas presenciais. “Enquanto não houver vacina, precisaremos gerir a presença do estudante de uma maneira bem cautelosa”, explica.

Segundo o relatório, o uso de máscaras por estudantes com deficiência requer uma avaliação individualizada. Algumas situações ilustram a complexidade da questão:

  • O uso do acessório prejudica a socialização de alunos com deficiência auditiva, especialmente aqueles que praticam a leitura labial ou se comunicam por língua de  sinais. Nesses casos, uma possível solução é adotar o uso de máscaras transparentes, de preferência por toda a escola.
  • Alguns estudantes com deficiência ou transtornos do espectro do autismo podem apresentar mais dificuldade em tolerar o uso da máscara. Neste caso, o uso deve ser flexibilizado, seguindo as demais medidas de higiene e distanciamento social.
  • Pessoas que tenham movimentos dos membros superiores reduzidos e não conseguem remover a máscara sozinhas quando necessário não devem ser obrigadas a usá-las, uma vez que há risco de sufocamento.
  • Os profissionais de apoio aos estudantes com deficiência devem usar máscaras a todo o momento. As máscaras e outros equipamentos de proteção deverão ser trocados sempre que o profissional for atender um novo estudante, e o procedimento de higiene deve se repetir.

Acertar o passo para caminhar juntos

A pesquisa ressalta, ainda, a importância de fazer uma avaliação diagnóstica de como foi a aprendizagem durante o isolamento e, a partir dos resultados, criar diferentes estratégias para reduzir eventuais defasagens. Dentre elas, estão aulas de reforço no contraturno, medidas de aprendizagem a distância, aulas extras em períodos de férias escolares e acompanhamento individualizado dos alunos com deficiência.

Durante o lançamento da pesquisa, Cecilia Motta, presidente do Conselho Nacional de Secretários da Educação (Consed), relatou que um dos netos com paralisia cerebral leve foi afastado da escola antes mesmo da suspensão. “Foi uma atitude correta, porque o Pedro é um menino afetivo, estava abraçando e beijando todo mundo”, explica. “Será preciso prepará-lo, explicar por que, neste primeiro momento, ele não pode abraçar ninguém. Isso não impacta apenas as crianças com deficiência, mas também o acolhimento para a educação infantil”, acredita.

Para Luiz Miguel Martins Garcia, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), há especificidades para o retorno das rotinas normais das pessoas com deficiência. “Há preocupação com faixa etária, modalidades de ensino e séries. Não faz sentido um documento único, que vai acabar não sendo aplicado. A pesquisa do Instituto Rodrigo Mendes certamente faz parte dos documentos que devem nortear a ação dos educadores”.

Ensino remoto e alunos com deficiência

Durante o mês de junho, o IRM realizou outras três lives sobre as experiências da educação inclusiva durante a pandemia. Na primeira transmissão (10/6), o tema discutido foi a importância da formação de vínculos entre escola e família e a nova proporção que a relação toma agora. 

Luciane Fridschtein – mãe de Arthur, 4, e Davi, 8, que é público-alvo da educação especial – fez um apelo ao diálogo durante o webinário: 

“O que a família mais quer nesse momento é ser ouvida, a questão principal é acolhimento”

Crianças com deficiência costumam ter uma rotina “de adulto” pois assumem muito cedo uma série de compromissos, geralmente relativos à saúde e reabilitação. Com a pandemia, muitos já sentem falta da agenda cheia e o impacto na rotina. “O David, por exemplo, já trocou o dia pela noite”, relatou Luciane. 

Andrea Duque, diretora do Núcleo de Apoio à Saúde da Comunidade Escolar (Nasce), em Cruzeiro (SP), explicou que a situação atípica reforça a necessidade de diálogos entre pais e educadores. Para ela, deve haver um trabalho conjunto entre as famílias, as escolas e as instituições que trabalham no processo de socialização e reabilitação das crianças e adolescentes com deficiência.

“A situação excepcional fez com que pudéssemos ter um diálogo melhor e mais transversal com as instituições que atuam para apoiar este público”

O Atendimento Educacional Especializado

Na segunda transmissão (17/6), foram discutidas as possibilidades pedagógicas para uma educação inclusiva com atividades a distância e a importância do Atendimento Educacional Especializado (AEE) durante a pandemia.

Só no Estado de São Paulo, são 236.354 educadores especializados para lidar com estudantes com algum tipo deficiência: neste caso, os alunos utilizam como complementação o professor com especialização que deve criar estratégias de aprendizagem para eliminar barreiras para ensino e aprendizado de pessoas com deficiência.

Um grupo de voluntários e estudantes também foi destacado para ir às casas de algumas pessoas com deficiência que têm mais dificuldade de acesso à internet, para entender melhor quais eram suas dúvidas e necessidades. 

No momento, o acompanhamento do atendimento educacional especializado não está acontecendo de forma on-line e, conforme explicou Keit Cristina Anteguera, coordenadora do Centro de Formação e Acompanhamento à Inclusão da Secretaria Municipal de Educação (SME-SP), “a participação maior foi durante o planejamento, com a intenção de garantir a equidade para todos os estudantes”.

Para os debatedores, as maneiras de manter contato com os estudantes com deficiência variam muito. Há o ensino remoto – quando uma atividade é impressa e enviada ao aluno para realizá-la e, depois, corrigida pelo professor – e opções de atividades on-line, principalmente via WhatsApp.

Também há diferença, por exemplo, quando se orientam atividades de educação básica e educação infantil. No primeiro caso, a mediação se dá pelas trilhas de aprendizado desenvolvidas durante o planejamento de aulas. Na educação infantil, a ideia é que se compartilhem vivências e experiências, que podem ocorrer até mesmo por ligação telefônica. “Com a equipe, a gente define o que é mais eficaz, de acordo com as especificidades de cada família”, conta Yara Aparecida da Silva, professora de AEE e de Apoio e Acompanhamento à Inclusão da SME-SP.

A criação de vínculos na educação inclusiva

O último encontrou (24/6) discutiu propostas e desafios na garantia de equidade de retorno às aulas presenciais, com a participação de dois educadores de escolas regulares: Tennynson Theodoro, professor de geografia e coordenador pedagógico da rede municipal de São Paulo; e Fernanda Righetti, professora de educação física da Educação de Jovens e Adultos da rede municipal.

Durante o debate, eles destacaram a importância de manter os vínculos entre aluno e escola durante o ensino remoto e relataram algumas técnicas para acompanhar a participação dos alunos com deficiência, sendo o acompanhamento uma garantia para promover a equidade na volta às aulas e evitar a evasão escolar.

“É preciso ver se o aluno está acessando as aulas, entender o motivo [caso não esteja], perguntar”, explica Tennyson. “Eu criei um formulário para identificar quem é o aluno e se ele está conseguindo cumprir as atividades; isso certamente vai ajudar na hora do retorno”, acredita.

Todos os debates tiveram recursos de acessibilidade, com intérprete de Libras e transcrição em texto realizada em tempo real.

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