O jogo político tem regras claras para os participantes e é uma lição importante para as crianças
Juliana Prates escreve sobre como as regras do jogo político podem ensinar às crianças o valor da diferença e como é maravilhoso viver em uma democracia.
Nesses últimos dias tivemos uma oportunidade incrível de ensinar às crianças o espírito da democracia durante as eleições. É bem provável que elas tenham acompanhado atentamente esse rebuliço que são as eleições em um país! Que tenham visto adesivos, faixas, bandeiras, discursos apaixonados (inclusive testemunhado discursos de ódio, infelizmente). Espero que você, assim como eu, tenha levado uma criança para votar com você. Que tenha explicado a ela a importância do voto e que coisa extraordinária é saber que nesse dia cada pessoa tem exatamente a mesma importância, independente da classe, raça, gênero ou religião. Ao ver os resultados das eleições, meu filho me perguntou qual eu achava que tinha sido o nosso número no meio daqueles todos e passamos a fazer cálculos sobre que horas votamos e quantas pessoas já teriam votado antes de nós!
No exercício do voto, podemos efetivamente nos reconhecer como iguais.
No entanto, a grande lição a partir de hoje é como reconhecer a vitória e aceitar a derrota (nas urnas) como parte do jogo democrático. As crianças aprendem muito mais com nossos exemplos do que com nossos discursos. Não adianta dizer que não pode bater no coleguinha se perder a partida de ludo, mas xingar uma região inteira por ter tido um voto diferente do seu. Não é suficiente dizer que temos que jogar limpo, se nas eleições vibramos quando eleitores são impedidos de exercer seu direito de voto. Não é eficiente ensinarmos que devemos ser empáticos, quando não permitimos que o outro comemore a vitória ou chore pela sua derrota. Por fim, não adianta dizer que somos todos um único povo, se reproduzimos um discurso que quer aniquilar quem pensa diferente de nós.
Se ilude quem pensa que as crianças só escutam ou aprendem aquilo que falamos diretamente para ela, como se houvesse um mecanismo de liga e desliga para a sua incrível capacidade de aprendizagem. As crianças fazem leituras incríveis do mundo social que as cerca desde que nascem. Elas são cientistas sociais habilidosas na arte de compreender as mais sutis nuances das normas e práticas sociais.
É por isso que, mesmo sem nunca ter ouvido diretamente nenhuma palavra sobre iniquidades sociais, raciais ou de gênero, as crianças rapidamente percebem que nosso país é elitista, racista, capacitista e heteronormativo. Imaginem o que as crianças aprendem quando têm adultos que, ao seu lado, vociferam palavras de ódio, aplaudem armas em punho em perseguição em plena luz do dia e ameaçam todas as formas de existência que são diferentes das suas próprias. Como aprender o discurso religioso de amor ao próximo, se olhares de repulsa e palavras ofensivas são dirigidas a corpos que não seguem um determinado padrão.
Que nesse período pós-eleição sejamos capazes de mostrar às nossas crianças o quanto é maravilhoso viver em uma democracia!
Faz parte desse sistema político as divergências e a existência de projetos absolutamente distintos, mas precisamos seguir defendendo as regras do jogo nas eleições, assim como na vida. Quem ganhou celebra, comemora, chora o choro contido por já ter perdido tantas vezes antes e se enche de esperança de que (talvez) tenha aprendido com os próprios erros e que fará o seu melhor para honrar a vitória e a confiança depositada por tantos. Quem perdeu, chora, examina o que fez de errado, se prepara para jogar melhor da próxima vez. É muito feio perder um jogo que você aceitou todas as regras (afinal aceitou participar) e depois sair espalhando que o resultado não valeu apenas porque você não ganhou a partida.
Que possamos celebrar a democracia lembrando a frase inspiradora de Paulo Freire ao afirmar que “a virtude revolucionária consiste na convivência com os diferentes para que se possa melhor lutar contra os antagônicos”. Que as crianças possam seguir sendo a nossa prioridade absoluta, pois sem dúvida nenhuma são o que temos de mais belo e poético. Que sigamos defendendo a equidade, pois, como diz Boaventura de Souza Santos, “temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades”.
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