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Crianças usam IA no dia a dia: como mediar essa interação?

Imagem mostra um menino branco, de cabelo loiro curto e camisa verde sentando ao lado de uma menina branca de cabelos lisos e óculos. Eles estão usando computadores.

“Alexa, fale em baleiês”, “Chat, desenhe um gatinho branco com laço”, “explique por que Dom Pedro I largou o trono”. Esses pedidos foram feitos por Melissa, 6 anos, Raíssa, 9, e João Danilo, 14, para ferramentas de inteligência artificial (IA) como o Gemini, o ChatGPT e a Meta IA.

Cada vez mais hiperconectados, eles demonstram familiaridade em utilizar essas plataformas. Segundo a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2025, 65% das crianças e adolescentes no país usam IA generativa – que cria conteúdos.

“Fazia código de programação quando jogava Roblox”, conta João Danilo. “Fui aprendendo sozinho, testando até que ponto ela conseguia me ajudar.”

Além de brincar, as crianças usam IA também para estudar e se informar, conforme mostra a TIC KIDS:

Enquanto Melissa gosta de questionar coisas que pouca gente pensa: “perguntei como é dentro da alça do chinelo e ela respondeu que é feita de tecido de árvore”; Raissa prefere gerar imagens e animes da própria foto. “Eu uso a minha imaginação. Peço para a IA fazer papel de parede de gatinhos para o meu celular e transformar minhas fotos em desenho.”

Refletindo sobre o uso de IA com as crianças

Se a inteligência artificial está na rotina infantil, como ensinar a usá-la com segurança? Para Renata Tomaz, pesquisadora em cultura digital e infância na FGV (Fundação Getúlio Vargas), a interação gera benefícios quando vem acompanhada de educação digital.

“As crianças precisam aprender a formular consultas e perguntas para se posicionarem socialmente no mundo em que vivem.”

Ela ressalta ser fundamental explicar que as IAs são atores não humanos: ajudam a pesquisar e a navegar por um mundo virtual vasto, mas não substituem o pensamento crítico. “Quando o uso vira renúncia da autonomia de pensar, aí sim temos um problema.”

Portanto, para escolher os conteúdos adequados é necessário “seguir a lógica da máscara de oxigênio”. Segundo Renata, o responsável precisa pensar: como mediar livros para uma criança se você não sabe ler? Do mesmo modo, como proteger a criança em IA se não souber se proteger antes?

“Os adultos precisam de educação midiática para ajudar as crianças. Se isso não acontecer, restará a negligência”.

Renata também lista questões práticas para pensar junto com as crianças e os adolescentes sobre a segurança do uso de IA

  1. Por que vamos usar essa ferramenta?
    A IA não deve ser usada para substituir o trabalho escolar que você precisa fazer, assim como o pai, a mãe, a avó, o irmão mais velho ou colega de turma não poderia fazer por você.
  2. Lembre que o que você envia pode se tornar público
    Pergunte: você escreveria essa mensagem no portão da sua casa com seu nome? Você mostraria essa foto para todos os vizinhos? Se a resposta for “não”, não envie.
  3. Não pedir conselhos para a IA como se fosse seu amigo
    Você contaria da sua vida e dos seus problemas para um estranho sentado no banco da praça?

Leia também: IA, terapia e saúde mental: robôs podem ajudar as crianças?

O que eles fazem com a IA?

Melissa, 6

“A última coisa que pedi foi um coelhinho de gravata dentro da cozinha e para a Alexa imitar uma baleia.”

 

João Danilo, 14

“Todo mundo da minha turma usa o ChatGPT para fazer trabalho, mas eu não gosto muito de criar textos com ele porque nem sempre concordo com o que escreve. Prefiro usar a Meta IA para gerar imagens.”

 

Raissa, 9 

“Aprendi a usar IA assistindo vídeos no YouTube para transformar minhas fotos em animação. Também gosto de fazer papel de parede com gatinhos para o meu celular.”   

Crianças sabem mais do que os adultos?

Raissa e João Danilo aprenderam a usar IA por conta própria explorando em seus celulares e computadores. Melissa só usa junto com a mãe. Nesse cenário, Renata Tomaz afirma que o principal é “entender quais ferramentas as crianças acessam, qual a frequência e para quê.”

A Tic Kids apontou que, apesar de 44% dos pais e responsáveis conversarem sobre o que as crianças e adolescentes fazem na internet, metade deles recorrem aos próprios filhos para ter mais informações sobre segurança nas plataformas digitais.

No entanto, saber usar um dispositivo melhor não quer dizer que a criança tenha mais maturidade para tomar decisões, aponta Renata. “Se você não conhece os adultos que cuidam do amigo seu filho, permitiria que ele passasse a noite com eles?”

Por isso, Renata pede que os responsáveis tenham a mesma consciência ao deixar crianças navegando sozinhas no mundo digital. “Não é vergonha não saber. É nossa responsabilidade identificar e definir limites.”

A discussão sobre como e o que as crianças acessam nas plataformas de IA também foi pauta no programa “Provoca”, da TV Cultura. Nas redes sociais, a repecussão gerou um debate de adultos sobre a segurança e a mediação dessas tecnologias.

Quanto mais aprendem, mais entendem as limitações

Quando há mediação e equilíbrio de tempo nas telas, as crianças formam um pensamento crítico próprio sobre essas ferramentas. Melissa, por exemplo, ficou insatisfeita quando o desenho não veio do jeito que queria. “Uma vez, ela fez o desenho errado e mostrou um robô comendo a alça de uma bolsa. Fiquei irritada.”

Nas pesquisas para a escola, João Danilo percebeu que algumas ferramentas perdiam a capacidade de processar dados quando usadas muitas vezes. “Não gosto muito de usar o ChatGPT para textos porque nem sempre concordo com o que ele faz”, diz. “Fiz um trabalho sobre a Amazônia Legal e pedi para ele resumir o meu texto, mas cortou o que eu achava mais importante.”

Renata explica que aceitar tudo o que a IA sugere compromete a autonomia criativa. “Isso prejudica o processo de ensino-aprendizagem: não podemos permitir que a ferramenta determine o que será feito e padronize as atividades.”

Por isso, experimente a IA junto com as crianças. A mediação e a curiosidade compartilhada fortalecem a relação de confiança: a experiência vira troca, não uma “brincadeira solitária entre criança e máquina”.

5 passos para usar a IA com as crianças   

De acordo com as orientações de Renata Tomaz, de informativos da Fundação Abrinq e do guia do Unicef sobre os riscos e as oportunidades da IA generativa, o Lunetas preparou cinco passos para melhorar o uso dessa tecnologia com as crianças e os adolescentes. A ideia não é proibir, mas explorar junto. Confira:   

1- Conheçam e experimentem juntos:
Vale compor músicas ou fazer paródias no Suno – plataforma de criação musical, criar imagens divertidas na Meta IA, pedir dicas de brincadeiras ou curiosidades ao ChatGPT.

2- Combinem regras simples:
O que pode, o que não pode, quanto tempo usar e para que usar. Exemplo: usar por 15 minutos para pesquisar uma tarefa da escola sem copiar o texto inteiro e checar em outras fontes se as informações estão corretas.

3- Proteja as informações pessoais:
Não informe seus dados (nome, endereço, escola), evite enviar fotos pessoais, não deixe crianças e adolescentes conversarem com chatbots sozinhos e por muito tempo, leia a política de proteção de dados e monitore o uso.

4- Explique que a máquina pode falhar:
Ensine que a IA não sabe tudo e que pode sugerir informações incorretas, fontes que não existem ou não atender o pedido. Deixe bem definido que a IA está em uma máquina, que obedece comandos. Por não ser uma pessoa, não serve para conversar como um amigo.

5- Equilibre as tecnologias com atividades analógicas:
Incentive a leitura de livros, a pesquisa em bibliotecas, o desenho no papel, as colagens e pinturas, os jogos de tabuleiro e a contação de histórias.

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