Fotos de crianças transmitem confiança e a mensagem de esperança necessária para levar políticos ao poder. Mas, o que isso pode significar para o futuro delas?
Ao mesmo tempo que toda criança deve poder participar de campanhas e propagandas, sua imagem associada ao período eleitoral é uma estratégia antiga do marketing político que pode lhe representar prejuízos no futuro.
Um político em campanha segura uma criança nos braços. Ela recebe um beijo. Click! Ela recebe um sorriso. Click! A imagem de crianças em ações políticas, estampando fotos junto de candidatos, contribui para a construção de uma narrativa de confiança em propagandas políticas no período eleitoral, mesmo quando o plano de governo sequer possui uma pauta forte e coerente para a defesa dos direitos das crianças.
“O uso da imagem de crianças em campanhas eleitorais é uma estratégia para persuadir e encantar adultos”
É o que acredita Raija Almeida, doutora em História Social e professora da Universidade de Campina Grande (PB). “A intenção é que a imagem consiga passar que a criança tem confiança naquele líder ou naquele projeto, para que o sentimento do adulto em relação à propaganda seja influenciado por isso.” Sendo assim, a pesquisadora, que possui pesquisas na área de infâncias, mídia e propaganda política, ressalta o quanto os adultos devem estar atentos ao fato de, muitas vezes, as crianças estarem visíveis na propaganda política, mas estarem completamente invisibilizadas no plano de governo do candidato, nas pesquisas que estão sendo feitas e no debate político.
Ao se direcionar o olhar para as crianças em situação de vulnerabilidade social, frequentemente presentes nas imagens de campanha eleitoral, a mensagem é mais apelativa para o adulto e pode ser ainda mais prejudicial para ela. “Quando essas crianças conseguirem entender de forma consciente que sua imagem foi utilizada como uma mercadoria para promover comoção ou encantamento, isso pode gerar nelas um sentimento de revolta, constrangimento e principalmente questionamentos como: ‘Alguém está se beneficiando da minha condição?’, ‘A minha realidade é uma mercadoria para promover alguém?'”, explica a psicóloga Yasmin Marquine, que atua na ONG Educandário Frei Roque Biscione, que atende crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social.
Considerando toda a mobilização de afetos em torno da construção da narrativa que a imagem que compõe uma campanha eleitoral transmite ao público, o advogado Pedro Hartung, diretor de Políticas e Direitos das Crianças do Instituto Alana, reforça que o zelo com a imagem da criança – esteja ela em uma situação de vulnerabilidade ou não – deve existir para o momento presente, mas também para o futuro. “É preciso ter amplo cuidado com o uso de imagens de crianças, especialmente no âmbito digital, pois o controle da dispersão é ainda mais desafiador.”
O fato de as crianças estarem em fase de desenvolvimento deve ser levado em consideração na hora de adultos permitirem a publicização de suas imagens. A psicóloga Yasmin lembra que “a infância é a fase em que os processos físico, psíquico e moral estão em formação, à medida que este indivíduo se coloca em contato com o meio social. Por isso, preservar a imagem da criança garante que não haja prejuízo ao longo deste desenvolvimento”, afirma. “Quando a criança de fato conseguir olhar para as imagens e compreender o que foi vivido na propaganda, se o que ela vir não corresponder com o que ela acreditar e tiver como real para si, isso poderá gerar conflitos interpessoais (a nível emocional e psicológico) e de identidade”, reforça.
Ao mesmo tempo que artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) atentam para a preservação da imagem da criança – incluindo o contexto de campanha eleitoral –, é também direito dela participar da vida política, como consta no Artigo 16, que orienta sobre o direito à liberdade. O advogado afirma que a participação política que ocorre de maneira espontânea na infância pode trazer a visibilidade necessária para movimentar o debate sobre os direitos das crianças, mas deve “estar de acordo com o desenvolvimento progressivo das capacidades e maturidade delas em relação ao assunto”, diz.
Pedro explica que “crianças podem estar presentes em propagandas políticas, se assim desejarem e concordarem com esta exposição”. Para isso é preciso expor a elas, de forma transparente e acessível, os termos, as condições e a finalidade do uso de suas imagens.
Em geral, a criança não é a protagonista da foto que estampa uma campanha eleitoral, tampouco decidiu estar ali. Ela ocupa esse espaço por autorização e orientação de terceiros. Por isso, cabe às pessoas responsáveis – que irão autorizar a presença dela em comícios, propagandas – estarem atentas às atitudes e reações da criança para que não a coloque em uma situação desconfortável.
De acordo com o ECA, em seu Artigo 18, é direito da criança não ser exposta a qualquer tratamento “vexatório ou constrangedor”. Para as crianças em situação de vulnerabilidade, a atenção deve ser ampliada. O advogado Pedro afirma que expô-las em peças de comunicação social – incluindo a propaganda política – pode, sim, atentar contra o melhor interesse delas. “A identidade e a identificação da criança e do adolescente em situação de vulnerabilidade deve ser preservada (uso de borrões, fotos de costas etc.) para garantir que ela não seja exposta a situações que podem repercutir em suas relações sociais”, explica.
O ECA ainda afirma, no Artigo 17, que a criança tem direito ao respeito, o qual consiste “na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”. Pedro complementa que “o direito ao respeito também implica na preservação da privacidade da criança e na proteção da sua imagem contra estigmatização e preconceito”.
Se a imagem de crianças em campanhas eleitorais transmite a ideia de esperança e futuro, que nós, adultos, possamos nos perguntar qual futuro queremos para uma nova geração. Um futuro em que crianças estampam fotos em colos de políticos e, rapidamente, são esquecidas; ou um futuro em que eles caminham lado a lado com elas, escutando suas demandas e colocando-nas no centro de seus planos de governo?
Crianças e ações políticas: uma estratégia nada nova
De acordo com a pesquisadora Raija Almeida, usar a imagem de crianças associada a campanhas eleitorais é uma estratégia comum para líderes políticos, independentemente de seu campo ideológico. A finalidade seria transmitir ao público mensagens de pureza, inocência, segurança e esperança implícitas na figura da criança. “No cristianismo, por exemplo, ela é usada para representar os anjos, que costumam estar ao redor de Deus e até legitimá-lo”, explica a pesquisadora. Segundo ela, quando se faz uma busca histórica acerca das propagandas políticas, é possível perceber a presença da infância enquanto estratégia de persuasão desde o século XVII. “O Rei Luís XIV, na França, já utilizava o recurso da propaganda política, contratando artistas para representá-lo imageticamente como o astro sol e com feições infantilizadas”, conta.
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Nas eleições presidenciais brasileiras de 2022, os candidatos têm o desafio de colocar a criança no centro dessa conversa e, preferencialmente, construir com elas. Para garantir essa participação e visibilidade, diversas organizações se uniram para apoiar a Agenda 227, iniciativa que tornará público um conjunto de propostas e políticas públicas com respostas efetivas para os obstáculos atuais que impedem crianças de se desenvolverem plenamente. Para Renato Godoy, coordenador de Relações Governamentais do Instituto Alana, uma das organizações envolvidas na Agenda 227, “a proposta de escutar crianças e adolescentes visa por melhorias nas políticas públicas, seja na etapa de concepção ou de avaliação”, afirma.