Classificação Indicativa: entenda o que é e como funciona

A política de Classificação Indicativa afeta diretamente o cotidiano das famílias por influenciar o consumo de mídia de crianças e adolescentes no Brasil

Camilla Hoshino Publicado em 25.10.2017
Menino branco sentado no chão de uma sala olha para uma câmera. Ao fundo a televisão aparece desfocada.

Resumo

De um lado, empresas de comunicação e, de outro, organizações da sociedade civil. O tema é polêmico. Então, vamos entender o debate?

Imagine uma casa no bairro Jardim Almeida, zona sul de São Paulo, onde três famílias dividem o mesmo terreno. São 12 pessoas, entre elas duas crianças e uma adolescente. Agora, acrescente quatro televisões, três computadores e nove celulares, e você vai chegar próximo ao cenário em que vivem Ísis, Júlia e Vitória, de cinco, nove e 14 anos, respectivamente.

Apesar da diferença de idade, as três primas têm rotinas parecidas e contam que, quando não estão na escola, período entre 13h e 18h30, assistem televisão ou acessam vídeos na internet. A diferença é que a mãe de Ísis, que trabalha em casa, controla os programas que a filha assiste, por conter cenas de violência ou sexo. Os pais de Julia orientam, mas por trabalharem o dia inteiro fora, não têm controle sobre tudo o que ela acessa. Já Vitória, escolhe o que quer assistir sem interferência de ninguém.

O tempo dedicado à TV por crianças e adolescentes entre quatro e 17 anos, de todas as classes sociais, é de aproximadamente 5h35, incluindo canais abertos e fechados, sem contar programas sob demanda

Esses dados são do Painel Nacional de Televisão, do Ibope Media, contabilizado em 2014, em 15 regiões metropolitanas do Brasil. Em 2006, o tempo era de 3h15, segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas.

Na opinião do psicólogo e coordenador da Comissão de Psicologia e Cultura do Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR), Tonio Luna, o tamanho do impacto causado pelos conteúdos inapropriados a que crianças e adolescentes estão expostos diariamente depende da idade, maturidade, preparo e da educação de cada um. Por isso, segundo ele, a Classificação Indicativa se torna essencial.

“A gente talvez esteja reduzindo estes conteúdos apenas a questões de sexualidade e sexualização precoce, mas a própria exposição ao consumismo sem capacidade de decisão ou a experiências extremamente violentas que a mídia traz também são bastante impactantes”, diz o psicólogo.

Poder político e econômico  

Criticada pelos grandes meios de comunicação, que afirmam ser uma afronta à liberdade de expressão, e comemorada por organizações da sociedade civil como um avanço democrático, a política de Classificação Indicativa afeta diretamente o cotidiano das famílias por influenciar o consumo de mídia de crianças e adolescentes no Brasil. Entender o que está em jogo é essencial para tomar uma posição.

A secretária geral do FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação) e integrante da coordenação do Coletivo Intervozes, Bia Barbosa, explica que os meios de comunicação, controlados por poucas famílias no país, se posicionam contra a Classificação Indicativa, pois ela atinge a busca por audiência e, consequentemente, pode afastar o investimento de anunciantes, que garantem o lucro da empresa.

“Mas é preciso lembrar que as concessões públicas para rádio e televisão são ferramentas do Estado e, mesmo que sejam utilizadas para fins comerciais, devem respeitar o interesse público”, defende.

O que é Classificação Indicativa? É uma informação prestada às famílias sobre a faixa etária para a qual obras audiovisuais não se recomendam. São classificados produtos para televisão, mercado de cinema e vídeo, jogos eletrônicos, aplicativos e jogos de interpretação (RPG).

(Fonte: Ministério da Justiça)

O papel de cada um

Vários atores estão envolvidos no atual modelo de Classificação Indicativa no Brasil: emissoras, distribuidoras de conteúdo audiovisual, a sociedade e o Estado. De acordo com o Guia Prático de Classificação Indicativa do Ministério da Justiça, cabe ao Estado, por meio do Ministério da Justiça (MJ), regulamentar a política de classificação. Já o Ministério Público tem a função de denunciar as eventuais infrações aos direitos da criança e do adolescente.

Ainda segundo o documento, o papel das empresas de televisão aberta e fechada, das empresas de cinema, de vídeo doméstico e de jogos eletrônicos é seguir as regulamentações do MJ, apresentando os símbolos e demais informações de classificação nos produtos audiovisuais, respeitando a indicação de horário e idade.

Bia Barbosa reforça que a Classificação Indicativa não impede que nenhum tipo de conteúdo seja veiculado, apenas garante que nessa veiculação haja uma informação prévia.

“A imensa maioria das pessoas aprova e confia nessas recomendações, como mostram as pesquisas do Ministério da Justiça”

Os critérios de análise da classificação indicativa e suas aplicações, principalmente relacionados à violência, sexo, nudez e drogas, podem ser acessados por meio do Guia Prático de Classificação Indicativa, publicado em 2012, pelo Ministério da Justiça.

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Reprodução / Ministério Público Federal

Classificação Indicativa é uma informação prestada às famílias sobre a faixa etária para a qual obras audiovisuais não se recomendam.

Quem decide?

Apesar disso, o jornalista e assessor de relações governamentais do Instituto Alana, Renato Godoy, reforça que, na prática, as emissoras têm liberdade de seguir ou não as recomendações da lei. O quadro piorou, segundo ele, desde que o Supremo Tribunal Federal decidiu pela inconstitucionalidade da aplicação de multa às empresas que descumprem as recomendações da Classificação Indicativa, prevista no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).

“De 2016 para cá, temos observado que a vinculação de horário vem sendo desrespeitada com conteúdos não indicados para menores de 14 anos, por exemplo”

Também é caso recente, como aponta a secretária geral do FNDC, as novelas que são reprisadas na parte da tarde sem nenhuma edição ou que foram compradas de outros países e recomendadas apenas para adultos.

“Como a tarefa não é apenas do Estado, essa política existe justamente para dar os instrumentos para que famílias possam julgar, analisar e decidir se elas vão permitir que filhos assistam os conteúdos ou não”, sugere Bia Barbosa.

O que a sociedade pensa sobre a Classificação Indicativa?

Total de entrevistados Tema Avaliação
94% Política de Classificação Indicativa Importante ou Muito importante
71% TV aberta deve respeitar vinculação de horário Muito importante
85% Política deve continuar como funciona atualmente Sim
94% Aplicação de multas para canais que desrespeitam classificação Sim
98% Deve haver controle sobre crianças e adolescentes que assistem TV Sim

(FONTE: IPESP – Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas)

Breve histórico

  • 1988 – Política de Classificação Indicativa é prevista na Constituição Federal.
  • 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente é promulgado. Em outubro, é editada a Portaria MJ nº 773, primeiro ato do Ministério da Justiça (MJ) para regulamentar a Classificação Indicativa. No mesmo ano, é criado o departamento de Classificação Indicativa, no âmbito do MJ.
  • 2005- Após pressão popular, MJ cria espaço de participação e debate públicos com representantes da sociedade civil, de órgãos do Poder Público, de emissoras e de outros meios de comunicação, para aperfeiçoamento e definição das diretrizes da implementação da lei. A partir deste ano, portarias começam a ser editadas com participação da sociedade civil organizada.
  • 2006 – O Manual de Classificação Indicativa e o Guia Prático de Classificação Indicativa são publicados pelo MJ.
  • 2012- É criado o Comitê de Acompanhamento pela Sociedade Civil para a Classificação Indicativa (CASC), vinculado ao MJ, por meio da Portaria MJ nº 25/2012, com o objetivo de avaliação e monitoramento da política pública.
  • 2016- Julgamento no Supremo Tribunal Federal da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2404), ajuizada pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) pela revogação do art. 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), que prevê multa para as emissoras de rádio e televisão que desrespeitarem a Classificação Indicativa dos programas. STF decide pela  inconstitucionalidade da sanção aos meios de comunicação.

Bola fora O debate sobre a política brasileira de Classificação Indicativa esquentou no início de outubro, após declarações contraditórias do Ministro da Justiça Torquato Jardim ao jornal Folha de São Paulo. Em resposta, 50 organizações da sociedade civil assinaram uma nota pública defendendo a pauta. “Surpreende o desconhecimento do Ministro a respeito dos aspectos essenciais de uma política que está sob sua direta responsabilidade”, diz o texto.

Apesar da televisão ainda liderar a audiência no Brasil, a utilização da internet por crianças e adolescentes cresce, segundo a pesquisa TIC Kids, realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), através do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), divulgada em 2016. De acordo com o levantamento, 80% da população entre 9 e 17 anos acessa a rede, entre este percentual, 66% mais de uma vez por dia.

Mudança de cenário

Ísis, Júlia e Vitória retratam bem essa realidade quando afirmam que estão trocando os programas de TV pelos canais do YouTube. Segundo elas, a internet tem mais opções, servindo tanto para estudos quando para entretenimento, como “aprender a desenhar”, “dançar funk” ou “cantar rap”.

Como explica Renato Godoy, algumas plataformas digitais fazem autoclassificação de conteúdos, mas ainda não existe uma política de classificação exclusiva para a internet. “Geralmente, os materiais classificados e exibidos na televisão mantêm a classificação em outras plataformas”, explica.  

Para Bia Barbosa, não é possível classificar tudo a que crianças têm acesso, pois a quantidade de conteúdos disponíveis na internet é gigante. “E nem defendemos que o Estado faça tudo, pois é tecnicamente inviável”.

Por isso, ela reforça que é preciso que famílias acompanhem o que crianças estão assistindo e, no caso da internet, que sejam fornecidos os elementos necessários para que pais e mães tenham condições de fazer uma boa análise sem depender exclusivamente de um órgão regulador como o Ministério da Justiça para garantir a proteção de crianças e adolescentes.

Como denunciar? As pressões e denúncias relacionada aos conteúdo devem ser feitas ao Ministério da Justiça ou ao Ministério Público Federal.

 

 

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