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Burnout parental: nove em cada dez mães estão exaustas 

Imagem de capa para matéria sobre bunout parental mostra uma foto em preto e branco de uma mulher branca, vestindo roupas pretas, de cabelos ondulados, segurando um bebê no colo.

“Eu não sentia prazer em brincar com meus filhos, nem aproveitava os momentos. Queria mesmo que eles dormissem logo para eu voltar a trabalhar e fazer as minhas coisas”. O relato é da engenheira de alimentos, Patrícia Nagase, que sabe muito bem como é o desafio de conciliar o cuidado com as crianças e o trabalho. Imersa na rotina exaustiva de uma empresa de tecnologia, ela não conseguia dar a devida atenção aos filhos, Daniel e Julia, que na época tinham 5 e 1 ano respectivamente.

Para ela, o diagnóstico de burnout parental só não veio porque, na época, não sabia sobre o assunto e, por isso, não teve a oportunidade de investigar. Mesmo assim, confirma que tinha os mesmos sintomas que outras pessoas com essa condição. “Fiquei sabendo no começo desse ano. Os sinais são iguais aos de mulheres que também já tiveram burnout”, conta.

Patrícia faz parte de um grupo de mães brasileiras exaustas e muitas vezes adoecidas, conforme mostrou um estudo nacional da B2Mamy, em parceria com a Kiddle Pass, plataformas digitais voltadas para a educação e desenvolvimento infantil. O resultado aponta que nove em cada dez mães apresentam algum sintoma relacionado ao burnout parental. Além disso, 30% delas não possuem nenhuma rede de apoio fora do período escolar e demonstraram 59% a mais de esgotamento moderado a grave em comparação às mães que possuem ajuda. Dentre as mães solo, 12% apresentaram sinais de esgotamento mental grave.

Os principais sinais de burnout materno, segundo a pesquisa da B2Mamy, são:

  • Sensação de extrema exaustão
  • Frustração com as expectativas sobre ser pai ou mãe
  • Dificuldade em sentir prazer nas atividades com os filhos
  • Distanciamento emocional ou afetivo com as crianças

Burnout parental não é ‘frescura’

Para Patrícia, os desafios aumentaram durante o isolamento da pandemia. “Senti uma desconexão, principalmente com o filho mais velho, que estava em alfabetização online”, lembra. “O que eu mais queria era ficar longe deles e era um desprazer exercer meu papel de mãe”. Ao perceber que o medo de se tornar uma “mãe ausente” era maior do que “ficar sem dinheiro”, por causa do trabalho, decidiu mudar os rumos. “Uma das primeiras coisas que fiz foi buscar ajuda. Então, retomei as sessões de terapia e comecei a ter consciência de que eu estava realmente muito desconectada de mim mesma”, conta

Segundo a psicóloga Ana Letícia Senobio, o burnout parental é “a junção do estresse frequente, exaustão com as demandas de cuidados com os filhos, falta de recursos e de apoio”. Ela explica que o termo é relativamente recente para as ciências psicológicas, por isso, decidiu se aprofundar em estudos sobre a dimensão dessa condição em pais e mães no Brasil. O resultado foi a pesquisa “Exaustão invisível: revelando os desafios do Burnout Parental e sua relação com a saúde mental” .

Feito com 376 mães e pais, o estudo apontou para o mesmo cenário de maior esgotamento das mulheres do que dos homens. “Os fatores que contribuem para essa condição podem incluir ainda a falta de redes de apoio, de parceiros que não colaboram e de distribuições injustas de tarefas parentais e domésticas”, ressalta Senobio.

Entre os grupos que podem ser mais vulneráveis ao burnout parental, a psicóloga aponta as mães e os pais de crianças atípicas, como, por exemplo, crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) ou Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Do mesmo modo, as mães e pais em situação de vulnerabilidade socioeconômica, desempregados, além de mães e pais homoafetivos.

“O burnout pode dificultar os pais a aproveitarem a companhia de seus filhos e a demonstrarem afeição ou amor por eles”, diz Senobio. “Essa condição pode levá-los a desenvolver problemas de saúde, como dificuldades para dormir, se acalmar e sintomas depressivos e de ansiedade, além de dificuldades no casamento”.

Responsabilidade do cuidado precisa ser coletiva

Marina* é mãe de uma menina de oito anos e diz que, dos sintomas do burnout parental, ela ainda se identifica com a extrema exaustão e o contraste na atuação no início da parentalidade e hoje. “Sinto que, no meu caso, o burnout é pela sobrecarga de funções. Estou exausta do cuidado e limpeza da casa, da logística de organizar e pensar tudo, como a comida diária e a responsabilidade com esse cuidado alimentar”, conta. Ou seja, as funções do trabalho doméstico passaram a exigir muito mais dela após a maternidade.

Analisar a causa do burnout parental não é uma resposta simples, mas é uma responsabilidade coletiva. Socialmente, o trabalho do cuidado com os filhos se tornou uma tarefa relegada às mulheres e que está ligado a uma estrutura social, que atravessa questões de gênero, raça, economia e educação. Para a médica e diretora de Saúde e Bem-estar na B2Mamy, Lygia Imbelloni, é fundamental a discussão sobre os papéis de cuidado.

“O esgotamento das mães é fruto de um sistema que atribui 65% do trabalho de cuidado não remunerado às mulheres. Esse desequilíbrio tem raízes profundas na cultura, nas políticas públicas e na falta de suporte adequado no mercado de trabalho”, afirma a psicóloga. Ela explica, então, que o assunto precisa de uma discussão mais profunda do que somente a divisão de tarefas entre pais e mães. “É fundamental o entendimento do peso da iniquidade de gênero em todos os âmbitos de nossas vidas. A responsabilidade é coletiva”, defende.

O olhar do Estado para ‘cuidar de quem cuida’ 

Já existe um projeto de lei que prevê a Política Nacional de Cuidados. Um dos objetivos será promover políticas públicas para garantir o acesso ao cuidado com qualidade tanto para quem cuida quanto para quem é cuidado. Ou seja, para as famílias e crianças. Além disso, visa promover o reconhecimento, a redução e a redistribuição do trabalho não remunerado do cuidado, realizado majoritariamente pelas mulheres. A proposta é de um grupo de trabalho interministerial.

Ajuda psicológica é um caminho

O burnout parental pode ser uma fase desafiadora porque, diferente do burnout no trabalho, é mais difícil “tirar férias” dos cuidados com os filhos. Ao mesmo tempo, as crianças também sentem os impactos de ter pais mentalmente adoecidos. Por isso, Ana Leticia Senobio alerta para os casos extremos, que podem resultar em “negligência e violência infantil“.

Portanto, para as mães e pais que estão nessa condição, o principal é procurar ajuda com acompanhamento psicológico. Dentre as possíveis soluções, estão: trabalhar na redução do burnout parental por meio de práticas de relaxamento, remanejamento de rotina, treino de habilidades parentais e até mesmo repensar as crenças e expectativas sobre a maternidade e a paternidade. “O tratamento pode variar conforme o contexto individual da pessoa, mas essas são algumas estratégias que o psicólogo pode utilizar. Grupos de apoio também podem ser muito interessantes”, afirma a psicóloga.

“É importante que essas mães e esses pais saibam que isso é uma condição, que pode ser tratada e que não é culpa deles. Portanto, não precisam passar por isso sozinhos ou sozinhas”.

Outro ponto de destaque são as iniciativas comunitárias, como os grupos de apoio e aconselhamento psicológico, que podem fazer a diferença. “É fundamental que a sociedade reconheça as dificuldades enfrentadas na criação de filhos para que ofereça um ambiente mais acolhedor e menos estigmatizante ao cuidado com a saúde mental das mães e pais”, conclui Senobio. “É muito importante divulgarmos amplamente essa condição, pois pode aliviar os sentimentos de culpa e solidão”.

*Nome alterado para preservar a identidade da entrevistada.

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