Na coletânea “Felicidade clandestina”, de Clarice Lispector, a autora define os contos como “tudo o que uma pessoa grande ou pequena pode ter a ousadia de querer”. Essa frase foi responsável por guiar a diretora Vanessa Bruno na idealização de “Brincar de pensar”, espetáculo que adapta contos da autora para o teatro, extrapolando a experiência individual da literatura para estabelecer uma conversa com públicos de todas as idades, de forma coletiva.
Embora as histórias de Lispector não tenham sido escritas para crianças, na abordagem trazida pela peça, a memória é o elo que aproxima tantas histórias. Em cada conto, um “pedaço de memória” é resgatado pela protagonista, convidando o público a revisitar suas próprias lembranças: em “Felicidade clandestina”, uma menina de oito anos apaixonada por literatura implora para que a filha do dono de uma livraria empreste os livros que ela não lê; em “Restos do carnaval”, uma garota deseja ir pela primeira vez a um baile de carnaval; já em “Sou uma pergunta?”, uma série de questionamentos sobre cores, crenças, situações e comportamentos nos levam de volta à infância.
“Clarice se inspirou nas suas lembranças de infância e na observação dos seus filhos para desenvolvê-las. É por isso que essas narrativas ecoam tão bem nos corações de pessoas de várias idades”
De volta à infância
“Quando eu comecei a fazer o espetáculo, eu perguntei aos atores ‘o que você faz com suas memórias’, mas fiquei pensando no que eu faço com elas também”, compartilha a diretora Vanessa Bruno, em entrevista para o Lunetas. Sua infância como filha única, cercada de livros e escritos dos pais jornalistas, refletem na costura que interliga as narrativas. “Minha criança gostaria muito de ver um espetáculo de uma menina sozinha, que limpa o sótão e cria mil histórias a partir de roupas, vitrolas ou máquina de escrever”, diz.
“Achei que estivesse fazendo um espetáculo sobre os contos da Clarice. Quando vi, virou uma peça sobre como eu lidava com as minhas memórias”
Pesquisadora de transposição da literatura para o palco, Bruno comenta que “Brincar de pensar” buscou combinar recursos como música, projeções e iluminação com a narrativa. “Tem um lugar de deslocar a literatura, que é uma experiência individual, para a experiência compartilhada que é o teatro. Essas escolhas são importantes para tornar a palavra viva e fazer com que ela alcance um público amplo, não só quem conhece e já frui a Clarice”, ressalta. Assim, o público é convidado a assistir à obra como se estivesse virando as páginas de um livro, com uma construção narrativa dividida em episódios que passam pelos oito contos da autora.
“Não sinto diferença em criar um espetáculo para criança e para adulto. Cada um tem uma particularidade que acessa alguma coisa”
‘Brincar de pensar’, por Vanessa Bruno
- 4 de março a 5 de abril
- Gratuito – ingressos devem ser retirados 1 hora antes de cada espetáculo
- Todas as apresentações são na cidade de São Paulo
- Dias marcados com * possuem tradução em Libras
4* e 5 de março (sábado e domingo), às 16h
Endereço: Av. Santos Dumont, 1770 – Santana
Após as apresentações, estão programados debates com a diretora Cristiane Paoli-Quito (4 de março) e o encenador e contador de histórias Victor Cantagesso (5 de março)
11 e 12* de março (sábado e domingo), às 16h
Endereço: Av. Adolfo Pinheiro, 765, Santo Amaro
Após as apresentações, estão programados debates com a dramaturga e atriz Andrezza Czech (11 de março) e a consultora em acessibilidade Livia Motta (12 de março)
21 e 22* de março (terça e quarta), às 11h
Endereço: R. Lopes Neto, 206, Itaim Bibi
Após as apresentações, estão programados debates com a dramaturga e escritora de livros infantis Fernanda Suaiden (21 de março) e com um convidado a confirmar (22 de março)
24, 25* e 26 de março (sexta a domingo), às 16h
Endereço: Rua Vergueiro, 1000, Paraíso
Após as apresentações, estão programados debates com a psicóloga e professora Cris Torres (25 de março) e o ator e influencer Odilon Esteves (26 de março)
29* de março e 5 de abril (quartas), às 14h
Endereço: R. Prof. Alves Pedroso, 600, Cangaíba
Após as apresentações, estão programados debates com convidados a confirmar
Outros cinco contos compõem o espetáculo: “Come, meu filho”, com diálogos irreverentes entre mãe e filho; “Das vantagens de ser bobo”, que narra observações entre o esperto e o bobo; “Se eu fosse eu”, que imagina como tudo seria diferente se cada um fosse si mesmo; “Uma esperança”, em que mãe e filho dão de cara com um inseto verde chamado esperança e com uma enorme aranha; e “Brincar de pensar”, em que o público é apresentado aos prazeres e divertimentos do ato de pensar. Os oito contos e crônicas abordados no espetáculo foram publicados por Clarice Lispector no Jornal do Brasil entre 1967 e 1973.