Envolver as crianças em uma cultura de troca, doações e combate ao desperdício estimula o desapego e a consciência para a sustentabilidade. Portanto, em tempos de compras desenfreadas de Natal, onde roupas, brinquedos, cosméticos e até os alimentos são consumidos de maneira exagerada – e ao mesmo tempo descartados em grande volume – se faz necessário falar com as crianças sobre os efeitos do desperdício.
“A cultura do consumo e das marcas está bastante presente na rotina das crianças”, afirma Carolina Prestes, mestra em Comunicação e Práticas de Consumo pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Mãe de Olívia, 7, e Pilar, 5, ela explica que para combater essa prática, aproveita as iniciativas de moda circular. Ou seja, recorre às compras de roupas semi-novas em brechós e lojas especializadas nesse segmento. “Para as crianças é especialmente importante porque, de fato, elas crescem muito rápido. Por isso, o tempo de uso das roupas é menor”, explica.
Além disso, Carolina afirma que este é um caminho possível para que as crianças não fiquem expostas tão rapidamente ao consumo de produtos da chamada “fast fashion” ou “moda rápida”, que infla o comércio com a produção em massa de roupas de baixo custo e alta rotatividade. Para as festas de fim de ano, por exemplo, é comum que as pessoas comprem roupas que usarão apenas em um ou dois eventos.
“Quando a gente leva uma roupa para doação já dá para explicar algumas coisas. Principalmente o fato de que, para ser doada, a roupa precisa estar em bom estado. Como a gente também leva elas para escolherem roupas nesses lugares, já entendem que doação não é nada de outro mundo”, conta a pesquisadora.
Exposição à publicidade estimula o consumo exagerado
As irmãs Caroline Ribeiro e Clarisse Ribeiro cresceram juntas na década de 1990, período anterior à restrição de publicidade infantil. Atualmente, Clarisse reconhece como as propagandas marcaram a sua infância, embora não sentisse uma “obrigação” em consumir. Ela recorda ainda da “agressividade” das propagandas em cima das crianças. “Tinha uma campanha de uma tesoura do Mickey em que uma criança dizia para o coleguinha ‘eu tenho, você não tem’”, lembra.
Já Caroline conta que apesar de ter uma infância de classe média, não se importava tanto em ter produtos de marca. Segundo ela, ia para a escola até mesmo com o tênis furado. “Eu estudava com outras crianças, muitas de comunidades, então, eu não sentia a pressão estética relacionada com marcas”, explica.
Hoje, as irmãs já são mães e refletem como a situação é diferente. “As crianças estão cada vez mais expostas à publicidade e às redes sociais. Ao mesmo tempo, tem uma questão de identificação, já que muitos dos influenciadores que divulgam produtos são crianças”, lamenta Caroline. “Eu acho que as crianças estão muito expostas ao consumo. Na minha opinião, isso também acontece por conta da facilidade de compras pela internet”.
Segundo a pesquisa Tic Kids Online 2024, 62% das crianças e adolescentes já pesquisaram coisas na internet para comprar ou para saber o preço e 17% já fizeram compras online.
Não há motivos para exagerar na compra de brinquedos
Para envolver os filhos nessa cultura avessa ao consumo exagerado, Caroline e Clarisse fortalecem o hábito de doação e troca de brinquedos entre os filhos Tomé, 1 ano e meio, e Berilo, 2. Além disso, elas percebem como os brinquedos atuais duram bem menos. “Eu guardo até hoje brinquedos que eu usava na escola, mas não sei se meu filho vai ter a mesma oportunidade”, observa Clarisse, em relação ao tempo de vida útil dos produtos.
Ela também se interessa por outra prática relativamente nova, que é a de alugar brinquedos. “É uma opção que permite a possibilidade de adquirir menos produtos e fazer trocas de brinquedos com uma facilidade maior do que acumular porque as crianças mudam de interesse muito rápido”, afirma.
Tomé e Berilo são os primeiros netos da família. Essa condição, segundo ambas as mães, aumenta a “carga de presentes” que os meninos recebem, principalmente no Natal. Por isso, elas tentam controlar esse movimento.
Enquanto Clarisse descarta que a presença de seus familiares seja sempre associada a um presente, Caroline investe em outra estratégia: diz que o filho se diverte com brinquedos não estruturados. Ou seja, ela conta que ele está acostumado a utilizar de forma lúdica coisas que são da rotina da casa. “A criança quer se sentir pertencente ao ambiente da casa e ser parte de tudo”, afirma.
Como não acumular para evitar os desperdícios
Na escola de educação infantil e ensino fundamental Espaço Ekoa, em São Paulo, a proposta de uma educação sustentável se dá na rotina dos alunos. Um exemplo é o combate ao descarte desnecessário de alimentos na hora das refeições.
A educadora Márcia Pereira de Oliveira, responsável pelo diálogo sobre alimentação com as crianças, diz que “o excesso de comida dispensada pelos estudantes foi um dos questionamentos da comunidade escolar durante o planejamento de 2024”. Por isso, o tamanho do prato dos estudantes varia de acordo com a idade. “Isso desencoraja o aluno a pegar mais alimento do que de fato comerá”, ressalta Márcia.
Na instituição, que faz parte da Aliança Escolas Pelo Clima, outra prática é o estímulo à doação. Isso porque, geralmente, as crianças esquecem várias peças de roupas ou brinquedos na escola e não vão mais buscar. Portanto, tudo vai parar no chamado “Achados e Perdidos” do local.
“Tem brinquedos também, no entanto, não é tão comum, já que a criança sente falta deles rapidamente”, explica a educadora. “Mas com as roupas, tem vezes que nem eles mesmos sabem de quem é”. Desse modo, todo o material, seja uma roupa ou um brinquedo, que não é reivindicado, fica guardado por um período de tempo. Caso ninguém apareça para resgatar, o material vai para doação.
“Sempre explicamos isso para as crianças e questionamos com os pais sobre a quantidade de roupa e outros materiais que elas possuem”, diz Márcia. “A ideia de todos que estão aqui é justamente implementar cada vez mais uma cultura de sustentabilidade”, conclui a educadora, que também tenta reforçar a consciência para o combate ao desperdício entre as novas gerações.
De acordo com um levantamento da revista Forbes, as roupas produzidas no segmento de fast fashion são utilizadas menos de cinco vezes pelo consumidor e geram 400% mais emissões de carbono do que roupas de marcas slow fashion, que são usadas, pelo menos, 50 vezes. Outro indicador importante é o do Programa da ONU para o Meio Ambiente (PNUMA), que apontou o Brasil entre os 10 países que mais desperdiçam comida no mundo. O relatório diz que os brasileiros chegam a desperdiçar cerca de 27 milhões de toneladas de alimentos por ano. Essa prática é responsável por até 10% da emissão global de gases de efeito estufa. Portanto, o impacto desse desperdício desmedido está diretamente relacionado com a crise climática.