Nina Veiga fala sobre a potência das bonecas Waldorf na infância

Para Nina Veiga, há uma grande diferença em educar crianças para que elas transformem o mundo e educá-las para consumir o que está pronto

Mayara Penina Publicado em 22.06.2015
Bonecas Waldorf: foto de metade do rosto e do tronco de uma boneca de ponto.
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Resumo

Estamos diante de uma tendência de cada vez mais elaborar as bonecas, o que pode prejudicar a expressão da criança. Se o brinquedo já vem pronto, sobra pouco para a ela criar, diz Nina Veiga, educadora e pesquisadora de bonecas Waldorf.

A boneca é um brinquedo presente em todas as casas de crianças brasileiras, independentemente do estado em que vivem ou classe social. Nos últimos anos, esse tradicional brinquedo vem trazendo discussões sobre as mensagens que passam para as crianças. Recentemente, a famosa Barbie lançou uma coleção com bonecas com oito tons de pele diferentes. Também já vimos por aqui uma artista que remove maquiagem de bonecas para deixá-las menos sexualizadas. Outro tópico recente foram as bonecas com genitais realistas, envolvidas em uma discussão sobre sexualização da criança. Por outro lado, existem as bonecas Waldorf, que defende a simplicidade do brinquedo. 

Confeccionadas com diferentes materiais – desde pano, capim, plástico e até vinil -, muitas se tornam inseparáveis das crianças, que não desgrudam delas nem para dormir. Há quem diga que é “coisa de menina”, e que meninos não devem brincar.  Há também aquelas bonecas que falam e cada vez mais tentam se aproximar do corpo adulto.

As bonecas e a pedagogia Waldorf

O Lunetas conversou com Nina Veiga, que é doutora em Educação e educadora Waldorf  especializada no universo deste brinquedo na infância. Desde 1991, ela desenvolve em seu ateliê brinquedos inspirados no conhecimento antroposófico, levando em conta a imagem ampliada do homem e as necessidades terapêuticas da criança contemporânea.

Além disso, a educadora produz, vende e ensina a fazer bonecas de pano. Seu ateliê também oferece suporte a bonequeiras que queiram se tornar profissionais no Brasil. Nina defende a simplicidade nas composição da boneca. “Quanto menos detalhes, quanto mais desprovida de adereços e expressões mais a boneca permite à criança exercer toda a sua potência de vida. Para a criança vale a máxima: menos é mais”, defende. 

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Nina Veiga

As bonecas de pano, segundo a abordagem Waldorf, responde à necessidade de criação e de fantasia da criança, uma vez que não entrega o brinquedo já pronto.

Entrevista com Nina Veiga

Lunetas – Qual é a origem da bonecas? Quais os primeiros relatos de crianças com este brinquedo

Nina Veiga – A boneca é uma expressão da linguagem, é uma maneira de expressar simbolicamente aquilo que nos cerca. É assim também com a origem da própria palavra. A origem das bonecas remete ao início da civilização. Há escavações arqueológicas revelando os objetos que as crianças egípcias brincavam e a boneca está entre eles. A boneca é uma expressão da linguagem, é uma maneira de expressar simbolicamente aquilo que nos cerca.

Aqui no Brasil, ela chegou com os escravos na tradição do vodu. As bonecas de pano mais estruturadas vieram junto com a tradição europeia em 1800. Cada uma das nacionalidades tem bonecas de pano associadas e como o Brasil foi colonizado por vários países, temos várias tipos de bonecas.

Qual a importância e função das bonecas desde a sua origem até os dias atuais?

NV – A boneca é importante porque é a linguagem da criança, é a expressão daquilo que nos acontece, a assimilação do que está à nossa volta. E tudo isso é feito por meio do brincar.

A boneca de pano ela traz com ela algumas diferença da boneca de cerâmica ou ainda da boneca de sabugo de milho. O pano permite um aconchego, uma troca calórica e uma elaboração de detalhes que as outras bonecas mais rudimentares não permitiam.

Na pedagogia Waldorf, nós buscamos a boneca de pano porque ela é um elemento cultural que permite a expressão da criança. Nesse sentido, quanto mais rudimentar, quanto menos sofisticada, quanto menos detalhes, quanto mais a criança puder usar a boneca como se usa uma argila para modelar, mais a expressão da criança pode estar no brinquedo.

“Se a boneca for muito elaborada, muito sofisticada, ou muito ‘dura’, há pouco que uma criança possa criar”

Ela até pode combinar elementos, mas colocar a sua própria expressão ela já não consegue porque tudo está dado.

Qual é a sua opinião sobre as bonecas que estão sendo feitas hoje em dia, cada vez mais parecidas com adultos e como, na sua visão, seria a boneca ideal?

NV – Hoje em dia, há uma tendência natural de cada vez mais elaborar,  sofisticar  e ampliar os detalhes das bonecas. É uma tendência que pode prejudicar a própria expressão da criança. Se o brinquedo já vem todo elaborado nos mínimos detalhes, cabe à essa criança apenas usá-lo. Todo o potencial criativo, aquilo que deu origem ao brinquedo – a necessidade de expressar o mundo a partir de si – , fica roubado da criança porque a expressão está pronta.  A criança tem de se conformar com aquilo e se sujeitar à forma entregue.

“Quando a boneca é parecida com os adultos, temos que nos perguntar com que tipo de adulto ela se parece. Isso é um valor”

Eu não posso  dizer qual valor é bom ou ruim, mas eu tenho que colocar isso em questão. Tenho que me perguntar:  ‘o que está a boneca pronta está transmitindo para o meu filho já que ele não pode criar?’. Ele vai ter que se ajustar a esse brinquedo, se ajustar a todo um corpo de valores que está boneca traz com ela.

Eu não gosto muito da palavra “ideal”, mas a boneca mais saudável é a mais simples, a que permite que a criança exercite toda a sua expressividade e represente o próprio mundo. O que buscamos com a boneca Waldorf é que ela seja tão rudimentar, inexpressiva que ela chame a atenção das crianças para que ela mesma dê sua expressão para completar a sua experiência. A criança não é passiva ao brincar com uma boneca de pano, aquilo que a boneca não tem em detalhes, a criança precisa colocar com sua fantasia.

Onde os pais e educadores podem aprender a fazer bonecas de pano?

NV – Quando os pais constroem os brinquedos para os filhos, eles mostram que o mundo ainda pode ser inventado. Quando pais e mães constroem brinquedos ou fazem algo com as próprias mãos diante dos filhos, eles praticam um ato político. Dissemos para os pequenos que o mundo ainda pode ser inventado. Há uma grande diferença em educar crianças para que elas transformem o mundo e educá-las para consumir o que está pronto.

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