Myrtha Chockler: o afeto é a âncora de segurança da criança

O amadurecimento de habilidades como raciocínio, memória, atenção e criatividade tem relação direta com o afeto

Camilla Hoshino Publicado em 13.09.2017
Pai segura um bebê de frente e da um beijo em seu rosto. A foto é em preto e branco.

Resumo

Myrtha Chockler, especialista na Abordagem Pikler, fala sobre a importância das relações interpessoais para o desenvolvimento das habilidades cognitivas da criança.

“Quando a criança chega ao mundo, que mundo chega à criança?” com esse questionamento, Myrtha Chokler, vice-presidente da Associação Internacional Pikler-Lóczy e fundadora da Red Pikler Nuestra America, abriu sua palestra no Simpósio Internacional sobre a Primeira Infância, no último dia 9 de setembro.

Na ocasião, a especialista na Abordagem Pikler discorreu sobre a relação existente entre o desenvolvimento cognitivo, motor, emocional e físico de uma criança até os três anos de idade, e as suas relações interpessoais.

O que é Abordagem Pikler? A médica húngara Emmi Pikler (1902 – 1984) desenvolveu essa abordagem de cuidados para crianças de 0 a 3 anos que se tornou referência no mundo todo. Esta abordagem valoriza a construção de vínculos saudáveis, o planejamento dos momentos dos cuidados corporais, a organização dos espaços, a observação de bebês e a adequação dos brinquedos oferecidos em cada fase.

Afinal, que impacto o vínculo e a convivência com os adultos pode ter no desenvolvimento cognitivo (o amadurecimento do conjunto de habilidades como raciocínio, abstração, linguagem, memória, atenção, criatividade, capacidade de resolução de problemas, entre outras) de um bebê?

De acordo com a especialista, e a ciência corrobora o seu ponto de vista, o impacto é enorme, e por isso um olhar criterioso para entender o ‘mundo que chega à criança’ é fundamental, uma vez que a criança é constituída também pelos processos, espaços e propostas que os adultos de seu entorno possibilitam.

“Esse mundo criado pelo adulto permite ao bebê a construção de seu ser. Pouco a pouco, ele vai se constituir como um indivíduo, é um processo de construção subjetiva”, explica Myrtha

A especialista reforçou que a possibilidade do bebê explorar o mundo, dar os primeiros passos sem apoio ou tocar uma superfície nova, está atrelada à sua sensação de acolhimento e segurança, afinal, será por meio das emoções sentidas a partir de cada experiência que a criança atribuirá sentido às suas vivências.

“A emoção é a âncora que fixará a memória. É a partir daí que a criança constitui a sua cognição. A emoção é a raiz da cognição. É o vínculo de apoio e a intimidade que a criança tem com o adulto que permite à ela explorar o mundo com segurança.

“Quando não há vínculo afetivo e uma sensação de segurança, vem o medo”

A constituição do ‘eu’ 

Em sua fala, Myrtha, retomou a gênese da vida do bebê – o feto e sua unidade com a mãe, em um ‘corpo’ composto por pela placenta, líquido amniótico, cordão umbilical e parede intrauterina – sua transformação em um bebê, que culmina no parto, e o longo processo de diferenciação que possibilita ao bebê reconhecer-se a si mesmo como “Eu”.

O que é constituição do “Eu”? O processo de diferenciação, que culmina na possibilidade do bebê entender a ideia de “Eu” e “você”, acontece por volta dos dois aos três anos de idade, e é acompanhado de uma série de outros marcos do desenvolvimento, como a capacidade da criança de entender o que é e controlar o xixi, o que chamamos de desfralde.

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“Ao observarmos a criança, não observamos só a motricidade, mas também seus pensamentos”, diz Myrtha.

“O ser humano é um ser biopsicossocial e ele começa a se formar desde cedo. Todas as suas experiências vão sustentar a trama que o constitui. Haverá emoções, sensações, e a emoção no corpo. O bebê precisa se acomodar a esses novos limites”, disse, retomando a importância do contato pele a pele entre mãe e bebê após o parto.

Myrtha alerta para a importância do adulto respeitar e acolher o tempo e o desenvolvimento próprio de cada criança.

“Não se pode aprender algo para o qual não se está maduro. Antecipar os aprendizados é antecipar os fracassos”

Por fim, a especialista aponta o papel fundamental da ‘função maternante’ como o alicerce que proporcionará ao bebê um entorno protetor, e que permitirá ao mesmo uma sensação de unidade de si mesmo, fundamental para que ele possa continuar seu desenvolvimento e constante exploração e entendimento do mundo ao redor.

 

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