A paulistana Veronica Oliveira, 36, driblou a rejeição do mercado às mães solo para se tornar celebridade na web
Mãe solo, periférica e com dois filhos (um deles, autista), Veronica trocou a profissão de telefonista pela de influencer digital, quadruplicou sua renda, driblou a rejeição do mercado de trabalho, e ficou famosa na internet com a página "Faxina Boa".
A paulistana Veronica Oliveira tem 36 anos e mora em Itaquera, zona leste da cidade de São Paulo. Mãe solo, ela começou a fazer faxina para garantir o sustento dos dois filhos – Claire, de 17 anos, e Ian, de nove, mais conhecido como Panda (“eu e o pai dele sempre chamamos as crianças bonitas de Panda, especialmente as asiáticas. Já chamávamos ele de Panda antes de engravidar, e não é que ele tem cara de Panda mesmo?”, conta a mãe), que está no espectro autista – no ano passado, ele foi diagnosticado com a Síndrome de Asperger.
Em 2016, depois de uma crise de depressão severa, uma internação psiquiátrica e uma consequente tentativa de suicídio, Veronica percebeu que precisava mudar o rumo da vida. Operadora de telemarketing, ela ganhava um salário de R$ 700 por mês – menos do que seu faturamento por semana como diarista.
Veronica sempre foi obrigada a se sujeitar a subempregos e trabalhados mal remunerados para conseguir dar o básico aos filhos. Por ser mãe, sofreu uma série de discriminações já durante o processo seletivo. A necessidade de ser autônoma no trabalho mais do que se anunciava, se impunha.
Um dia, ao sair da casa de uma amiga depois de uma faxina afetiva-emergencial – “ela estava gripada, e a casa uma zona” – Veronica se deu conta que não precisava de muito para fazer as pessoas felizes.
Então, ela publicou em seu Facebook um anúncio oferecendo serviços de diarista. Com pouco mais de 500 amigos na rede, ela foi surpreendida por mais de 10 mil likes na postagem. Foi então que ela resolveu criar uma página para angariar clientes.
Nascia ali a fanpage “Faxina Boa”, hoje sensação nas redes sociais. “A maior faxina que você respeita”. “Faxina hipster. Trampo feito com amor, sorrisos e boa trilha sonora”, diz a descrição.
Por conta da empreitada digital, Veronica não só quadruplicou sua renda mensal, como se tornou webcelebridade instantânea; em menos de 12 meses, ela saiu do anonimato e passou a ser conhecida como “Verô, a rainha da faxina”.
Mas, acima de tudo, ela reforçou sua resiliência emocional, redescobriu a maternidade e aprendeu a aliviar a culpabilização social com o afeto que recebe de seus seguidores, todos muito empáticos às suas questões da maternidade e sempre prontos para acolher a ela e aos filhos com chuvas de emoticons e gifs carinhosos.
Veronica encarnou uma espécie de cronista da faxina e social media de si mesma, compartilhando as situações que vive diariamente na lida com os rodos, panos, baldes e sujeiras de todos os tipos: tornou-se um meme , e faz isso com dedicação. “Achei que seria bacana criar uma página desde que eu tivesse um conteúdo consistente, com o tempo fui aprendendo a gerenciar e tem sido incrível”, conta.
“Quando eu vou embora sempre rola duas coisas: primeiro eu ando o apê todo admirando o trampo, com aquela cara de “VISH, QUE LINDEZA” depois eu penso na pessoa chegando em casa, chamando um crush, e mandando whatsapp pra mãe dizendo que foi ela quem fez sozinha”
Nos posts, que têm engajamento digno de um social media com anos de experiência, os fãs já a chamam por apelidos diversos – como “Verocas” – e se mostram íntimos do pequeno Panda, que vez ou outra aparece nos textos e nas fotos esbanjando fofura, para o delírio da audiência.
Um dia, quando o filho questionou o que a mãe fazia da vida, ele demorou a entender como é que ela conseguia entrar na casa das pessoas sem ter a chave, até acompanhá-la em uma faxina e ter um insight. “Já entendi o que você faz: quando a dona da casa chegar, ela vai ficar feliz!”. “Sim, Panda, meu trabalho é fazer as pessoas felizes”, respondeu a mãe.
"Mãe, o que vc faz?" Eu tenho dois filhos, Claire (17 anos) e Panda (9 anos). Panda é um carinha mega incrível, que…
Posted by Faxina Boa on Wednesday, October 4, 2017
Entre piadas sobre séries, textões sobre as situações inusitadas que a faxina na casa de desconhecidos proporciona, playlists diversas para limpar a casa e memes de todos os tipos, ela utiliza o espaço conquistado para discutir assuntos sérios. A maternidade atípica e a educação inclusiva são alguns deles.
Agitado, o pequeno Panda passou por dificuldades na escola; ou melhor, a escola passou por dificuldades com o pequeno Panda, excluindo-o das atividades a ponto de ele querer abandonar as aulas.
“Panda tem dificuldades em se manter quieto nas aulas, não se sente estimulado (reclamou recentemente que nunca teve aula de astronomia) e às vezes reage de forma violenta quando é contrariado ou se sente entediado. A escola optou por excluí-lo das atividades, em geral colocando-o no corredor ou fazendo desenhos. Até que houve uma feira de ciências e ele foi impedido de participar. É a matéria favorita dele e gerou um grande mal estar. Foi quando percebi que nunca haveria chance de inclusão naquela escola”, conta.
“A escola optou por excluí-lo das atividades, em geral colocando-o no corredor ou fazendo desenhos”
Quando avalia sua experiência em relação ao acolhimento do autismo na escola, ela menciona o despreparo da comunidade escolar, sobretudo da Direção, com que teve contato em sua experiência pessoal. Ela ressalta também a falta de sensibilidade para respeitar o tempo de aprendizado específico de uma criança com autismo.
“Já vi amigas professoras contarem que a direção da escola orienta a ignorar/deixar pra lá as crianças autistas, porque “elas não aprendem”
“É uma ideia completamente errada, considerando o amplo espectro autista. Panda, por exemplo, demorou três anos para começar a falar, e hoje se expressa muito bem. O comportamento dele vem gradativamente melhorando e acredito plenamente que ele será capaz de viver uma vida normal.
Mulher, mãe, periférica e profissional autônoma, Veronica entrou na profissão de diarista com o objetivo claro de garantir o sustento da família, mas lida diariamente com os preconceitos e tabus sociais em relação à maternidade solo, que se agravam ainda mais em seu contexto social, de menor oportunidade de acesso à informação. Onde mora, o acesso a serviços de saúde e terapias para o filho é um desafio à parte.
“Panda sempre teve comportamentos que indicavam algo diferente e por muito tempo tive medo de ter o diagnóstico. Apenas neste ano, procuramos a APAE – Associação e Pais e Amigos dos Excepcionais – e tivemos a certeza da Síndrome de Asperger. Para famílias com poucos recursos financeiros, é sempre mais difícil proporcionar um desenvolvimento mais apropriado; eu busco na rede pública atendimento médico (nem sempre conseguimos), além de cursos públicos de arte e música, coisas que o estimulem”, diz.
Para se equilibrar em todos esses papéis, ela não teve o privilégio de ter uma ampla rede de apoio familiar, mas conta com a ajuda valiosa da filha mais velha, Claire, que concilia os estudos com os cuidados do irmão.
“Eu sou mãe solo desde sempre. Por sorte, minha filha mais velha me dá todo o suporte que preciso. Ela faz faculdade de manhã, e leva o Panda para a escola à tarde. Eu chego do trabalho, ajudo nas tarefas, faço comida, vemos TV, Panda me ensina os memes da moda. Mas acaba sendo muito corrido e aos finais de semana tentamos compensar o pouco tempo juntos na semana”, conta.
“Para famílias com poucos recursos financeiros, é sempre mais difícil proporcionar um desenvolvimento mais apropriado”
A falta de acolhimento às mães no mercado de trabalho é outro assunto que aparece com frequência nos textos do Faxina Boa.
“Quando eu trabalhava em empresas já na entrevista via o quanto ainda temos que melhorar, pois as perguntas sempre eram: ‘você não é casada, mas namora? O que ele acha de você trabalhar?’; ‘Se seus filhos ficarem doentes você vai faltar?’. Faltar ou atrasar no trabalho porque o carro quebrou não é tão mau visto quanto fazer o mesmo por um filho”, diz.
“Fui mãe aos 18 anos. Só por isso já colocam um estigma de que você VAI falhar”
“Minha aparência recebe um julgamento à parte: tatuagens, alargadores, ouvir punk rock. Inclusive, amo a cara de surpresa quando descobrem que não bebo, fumo, e como comida saudável. Ensino meus filhos a não julgar pela aparência, a ser boas pessoas e não ter medo de ser quem eles são. O importante é estar feliz”, diz.
Quem quiser contratar os serviços da diarista-mãe mais hypada da internet, pode procurá-la pela página do Faxina Boa. Depois, é só esperar (Veronica já chegou a ter uma fila de espera de dois meses, e já até fez faxina em outras cidades e Estados, tamanha a procura) e torcer para se encaixar no “quesito de avaliação do cliente” mais favorável, segundo os moderníssimos parâmetros criados por ela mesma:
“ATÉ QUE TÁ BOM” = Duvidoso, pode ser que tenha aranhas pela casa, uma caixa de pizza no chão desde o carnaval de 2013 ou até que tá bom mesmo. Depende.
“TOU COM VERGONHA, VOU ARRUMAR ANTES DE VC CHEGAR” = Mais limpo que minha casa, até. Seloko, fico na dúvida se me chamou pra dar uma força nos boleto e ficou com vergonha de apenas depositar na minha conta
[NÃO FALOU NADA] = varreu a casa pela última vez antes da segunda eleição do Lula. Saiu uma lágrima discreta pelos meus olhos quando eu entrei na casa.
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“A história do #faxinaboa começa com o sonho de dar uma vida melhor aos meus filhos. Desde 1999 eu venho sozinha fazendo o possível e impossível pra ser a melhor mãe solo que essas pessoinhas podem ter. Então eu sei como é, onde dói e sei que toda ajuda é bem vinda. A página está chegando aos dois mil likes e para agradecer e comemorar no mês de março (pq a vida é loca mas a minha agenda é mais) vou reservar uma semana inteira (de segunda a sexta – entre os dias 6 e 10) para atender mães solo e ajudar a deixar a casinha limpinha pela metade do preço pq juntas podemos muito”, publicou ela, em março deste ano, ainda sem poder imaginar que seis meses depois já teria mais de 6.400 fãs e potenciais clientes para chamar de seus.