Contra o machismo, psicólogo cria grupo terapêutico para homens

Como falar abertamente sobre emoções ajuda a construir uma paternidade mais sensível? É isso que o grupo reunido pelo psicólogo Alexandre Coimbra discute

Camilla Hoshino Publicado em 18.10.2017
Foto do psicólogo Alexandre Coimbra Amaral segurando um microfone na mão. Ele tem cabelos enrolados grisalhos, é branco e veste uma jaqueta marrom.

Resumo

Por que muitos homens ainda têm dificuldade de expressar sentimentos? Como esse bloqueio afeta o exercício de ser pai? Conhecido pelas atividades como terapeuta familiar, o psicólogo fala sobre paternidade, tabus da masculinidade, machismo e o próprio acesso à terapia.

Famílias que iniciam com o divórcio, mães solo, meio-irmãos, “vódrastas”, uniões homoafetivas. A lista das atuais composições familiares é comprida, mas faz parte da diversidade que colore o cotidiano do psicólogo Alexandre Coimbra Amaral.

Agora, ele se debruça sobre as chamadas “novas paternidades”, e como ajudar os homens a se libertarem das amarras dos estereótipos da masculinidade. Em outras palavras, ele dá aos homens a oportunidade de se reunirem para falar abertamente sobre suas emoções, e assim ajuda na construção de uma paternidade mais sensível.

Conhecido pelas atividades que desenvolve como terapeuta familiar, seu foco sempre esteve nas pessoas que se sentem violentadas, invisíveis ou negligenciadas de alguma forma dentro da família.

“As mães solo, por exemplo, que formam uma boa parcela dos lares brasileiros (20 milhões de mulheres segundo o Instituto Data Popular em 2015), são um público importante.

“Há sofrimento, mas há resiliência também. É preciso destacar a vitória das famílias compostas por elas”, defende Alexandre.

Mineiro, com um pouso de dez anos na Bahia, Alexandre Coimbra vive atualmente em São Paulo, cidade onde se sente acolhido e que descreve como “uma delícia de experiência humana”, justamente por conviver com as diferenças, de acordo com ele.

Considerando a importância de levar essa reflexão para o grande público, conversamos com o psicólogo sobre tabus, machismo, paternidade e o próprio acesso à terapia.

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Luacina Zenti

Alexandre Coimbra Amaral: “Sou apaixonado pelas diferenças”.

Uma conversa aberta sobre os tabus

Com mais de vinte anos de atividade profissional, Alexandre Coimbra já tratou dos temas mais espinhentos possíveis, entre eles o abuso sexual infantil. “É praticado não apenas por tarados desconhecidos como se pensa, mas muitas vezes está dentro de casa, da própria família”, relata.

Para ele, é importante que pais e mães não duvidem caso a criança denuncie, mas acolham e apoiem. “Se o adulto achar que a criança está fantasiando, ela pode entrar numa ostra e desistir de contar”, explica.

A mesma escuta generosa, segundo ele, deve acontecer com os demais tipos de assédio. O psicólogo destaca os movimentos que têm dado visibilidade aos casos de abuso sexual, como a hashtag #metoo (eu também, em inglês), mundialmente espalhada pelas redes sociais desde a noite do último sábado (14).

A campanha foi impulsionada por denúncias de mulheres que foram assediadas pelo produtor de Hollywood, Harvey Weinstein. “Todos esses fenômenos são importantes para visibilizar um tabu social”.

Paternidade e transição

Como quem conhece bem aquilo que move e emociona as pessoas, o terapeuta familiar se relaciona intensamente com a literatura e a música. “Gosto dessa galera que está com 70 anos”, comenta, como Caetano Veloso, Gil e, especialmente, Chico Buarque.

Mas se é verdade que todos nós temos ídolos inspiradores, os de Alexrande Coimbra são da nova geração e ainda nem chegaram na adolescência: Luan, Ravi e Gael, seus filhos. “Eles me ensinam a me ver com mais nitidez”, confessa. E recorre aos esinamentos do conterrâneo Guimarães Rosa: “Mestre não é aquele que sempre ensina, mas que de repente aprende”.

“A todo o momento meus filhos me dão um retorno de quem eu sou. Neles, reconheço minhas luzes e as minhas sombras”

“Se a gente se devotar ao ofício da paternidade com disponibilidade para escutar o que os nossos filhos nos dizem, vamos aprender muito e viver uma troca inigualável”

Depois de três filhos com sua esposa Daniela, também psicóloga, Alexandre se conectou mais com temas ligados a criação dos filhos, como a cultura de paz nas famílias, o tema da morte e a humanização do parto. Hoje, além ser professor de graduação e pós-graduação, ministra cursos de formação de doulas.

Terapia contra o machismo

Apesar de as mulheres serem o público mais adepto às terapias e terem mais facilidade de falar sobre os próprios sentimentos, como confirma Alexandre Coimbra, os homens também costumam se mobilizar quando o assunto diz respeito aos filhos.“Somos ótimos para falar de outras coisas, mas se conectar com emoções é mais difícil”, confessa.

Foi pensando nisso que criou um grupo terapêutico para homens, gratuito e sem obrigação de adesão. Eles se reúnem há seis meses, quinzenalmente as terças-feiras de noite, no Espaço Lumos, clínica da zona oeste de São Paulo.

“A característica do trabalho é não controlar a participação e nem se programar. Gosto de deixar que o grupo estabeleça os temas e a forma como tratá-los, explica. O objetivo do espaço, de acordo com o terapeuta, é desconstruir e enfrentar o machismo, constantemente.

“Falamos sobre sexualidade, sobre os prejuízos na vida masculina por não lidar bem com as emoções, sobre fracassos relacionais, sobre como e com quem aprendemos a ser homens”, conta.

“Agora, vamos trabalhar a desconstrução de estereótipos de gênero na educação. Estes homens estão me ajudando a construir uma parte linda da minha carreira”

Apesar de estar encantado com o trabalho do grupo, o psicólogo não romantiza a realidade: “Nossa cultura ainda é machista, misógina e homofóbica”.

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Reprodução/Facebook/Alexandre Coimbra

“Gosto de deixar que o grupo estabeleça os temas e a forma como tratá-los”, explica. O objetivo do espaço, de acordo com o terapeuta, é desconstruir e enfrentar o machismo, constantemente, explica Alexandre Coimbra. O grupo se reúne quinzenalmente no Espaço Lumos, zona oeste de São Paulo.

Acesso à terapia para todos os bolsos

Ter acesso aos serviços de um psicólogo particular ainda pode ser considerado um privilégio para poucos no Brasil. Entre as alternativas está o atendimento fornecido por clínicas e cursos de Psicologia nas universidades, que, por lei, devem ofertar um serviço à comunidade externa.

“Como psicólogos, precisamos sair dos nossos castelos”, defende o psicólogo.

“Sinto que como classe temos aprendido a fazer isso, mas é um movimento recente, dos últimos vinte anos. O atual Conselho de Psicologia tem sido um dos pilares na luta contra a elitização do atendimento”.

Apesar disso, Alexandre Coimbra destaca que as formações universitárias ainda valorizam o psicólogo clínico mais do que outros ramos, como o comunitário, hospitalar e escolar.

“O psicólogo deve ir aonde o povo está”

Nos últimos anos, o terapeuta familiar visitou 20 dos 26 estados brasileiros durante palestras, workshops, cursos e vivências terapêuticas, realizadas pelo Instituto Roda Viva. Em Salvador, criou o Instituto Humanitas, que forma terapeutas familiares há mais de dez anos.  

Apaixonado pelas diferenças culturais e pela singularidade de cada pessoa, lamenta o atual momento de intolerância que se fortalece no Brasil. Para ele, é justamente a convivência com a diferença o que traz a beleza da vida. E afirma, citando Milton Nascimento, que sua profissão deve estar a serviço de todos.

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