26 inspirações para educar crianças livres e combater a homofobia

Que todo menino seja educado para ser justo, respeitoso e empático. Que toda menina não seja elogiada apenas pela sua beleza.

Camilla Hoshino Publicado em 16.05.2017
Um adulto pinta o rosto de um garotinho com o símbolo de feminino, conhecido como Espelho de Vênus.

Resumo

Inspirações de gestos, atitudes e falas que podem abrir caminhos e possibilidades para educar meninos e meninas livres de estereótipos e combater a homofobia.

Uma mulher uma vez me escreveu contando que ela imprimiu meu texto, levou a um juiz e falou: ‘O senhor acha isso certo, concorda?’ E ele falou que sim. E ela disse: ‘Meu ex-marido está fazendo tudo ao contrário com meu filho’. O menino de seis anos era obrigado a ver filmes pornográficos com o pai quando estava com ele. O menino começou a ficar muito triste, muito quietinho quando vinha das visitas, e a pedir pra mãe para não ver mais o pai. Ela procurou, então, o juiz, que suspendeu as visitas por um tempo e chamou o pai para conversar. Ai ela falou: ‘seu texto trouxe paz pra minha vida e para a do meu filho. Com ele eu entendi que eu não estava errada, e consegui lutar pra proteger meu menino, proteger sua infância.

O relato acima é da jornalista Silvia Amélia de Araújo.

Em 2013, Silvia compartilhou no Facebook um manifesto pelos “Direitos dos Meninos”, colocando em cheque estereótipos, valores e características atrelados à masculinidade, comumente transmitidos aos meninos durante a sua infância. O post teve mais de 60 mil compartilhamentos e 45 mil likes. Algum tempo depois, ela criou outro manifesto: “Pelo Direitos das Meninas”.

O que diz o dicionário?

De acordo com o Aurélio, “estereótipo” significa “comportamento ou discurso caracterizado pela repetição automática de um modelo anterior, anônimo ou impessoal, e desprovidas de originalidade e da adaptação à situação presente”.

Na opinião da jornalista, estereótipos atrelados ao que é “ser menino” e “ser menina” prejudicam o desenvolvimento pleno da infância.

“Estereótipos limitam as brincadeiras e isso já limita a alegria. Tem um conjunto de coisas que podem ser divertidas na infância que só um gênero tem total liberdade de acesso”

Na reflexão dela, o impacto dos estereótipos na educação das crianças vai além: “Em famílias muito machistas, os meninos héteros também sofrem homofobia, reprimidos por ‘parecerem gays’. Os meninos que são ou serão realmente gays, então, são massacrados desde cedo”, disse. 

Na infância, por exemplo, o machismo está presente quando rotulamos atividades, comportamentos, profissões, brinquedos e gostos como sendo “de meninos” ou “de meninas”.

O que diz o dicionário?

O machismo, na definição do dicionário Aurélio, é uma “ideologia segundo a qual o homem domina socialmente a mulher”.

“A homofobia tem muito do machismo. Parte da ideia de que existem papéis rígidos para o homem e para a mulher desempenharem, e que quem fugir a isso deve ser reprimido”, diz Silvia

Em que momento da vida um indivíduo se torna homofóbico? E como educar e criar crianças para que se transformem em adultos que repeitem todas as pessoas, independente de qualquer coisa – como raça, gênero, condição social ou orientação sexual?

Não há uma resposta única para essas perguntas. Educar uma criança é um processo complexo que começa no primeiro dia de vida desse indivíduo e que permeará todas as experiências de sua vida. Apesar disso, os manifestos escritos por Silvia podem iluminar algumas questões relativas a isso.

Ao todo, são 26 inspirações que podem apresentar novas possibilidades na difícil tarefa que é educar uma criança para que seja um ser humano melhor. Leia e inspire-se a rever suas falas e atitudes como pai ou cuidador:

Pelos direitos dos meninos

  • Que nenhum menino seja coagido pelo pai a ter a primeira relação sexual da vida dele com uma prostituta (isso ainda acontece muito nos interiores do Brasil).
  • Que nenhum menino seja exposto à pornografia precocemente para estimular sua “macheza” quando o que ele quer ver é só desenho animado infantil (isso acontece em todo lugar!).
  • Que ele possa aprender a dançar livremente, sem que lhe digam que isso é coisa de menina.
  • Que ele possa chorar quando se sentir emocionado, e que não lhe digam que isso é coisa de menina.
  • Que não lhe ensinem a ser cavalheiro, mas educado e solidário, com meninas e com os outros meninos também.
  •  Que ele aprenda a não se sentir inferior quando uma menina for melhor que ele em alguma habilidade específica – já que ele entende que homens e mulheres são igualmente capazes intelectualmente e não é vergonha nenhuma perder para uma menina em alguma coisa.
  • Que ele aprenda a cozinhar, lavar prato, limpar o chão para quando tiver sua casa poder dividir as tarefas com sua mulher – e também ensinar isso aos seus filhos e filhas.
  • Na adolescência, que não lhe estimulem a ser agressivo na paquera, a puxar as meninas pelo braço ou cabelos nas boates, ou a falar obscenidades no ouvido de uma garota só porque ela está de minissaia.
  • Que ele não tenha que transar com qualquer mulher que queira transar com ele, que se sinta livre para negar quando não estiver a fim – sem pressão dos amigos.
  • Que ele possa sonhar com casar e ser pai, sem ser criticado por isso. E, quando adulto, que possa decidir com sua mulher quem é que vai ficar mais tempo em casa – sem a prerrogativa de que ele é obrigado a prover o sustento e ela é que tem que cuidar da cria.
  • Que, ao longo do seu crescimento, se ele perceber que ama meninos e não meninas, que ele sinta confiança na mãe – e também no pai! – para falar com eles sobre isso e ser compreendido.
  • Que todo menino seja educado para ser um cara legal, um ser humano livre e com profundo respeito pelos outros. E não um machão insensível! Acredito que se todos os meninos forem criados assim eles se tornarão homens mais felizes. E as mulheres também serão mais felizes ao lado de homens assim. E o mundo inteiro será mais feliz.

Pelos direitos das meninas

  • Que nenhuma menina aprenda que tem que ser “boazinha” com todos, apenas educada – mas não em todas as situações!
  • Que nenhuma menina tenha apenas a beleza elogiada. Em longo prazo, isso pode trazer mais sofrimento do que alegria. Além dos “princesa”, “linda” e gatinha” elogie também sua coragem, determinação, inteligência, seu talento para cantar, escrever ou andar de patins, por exemplo.
  • Que nenhuma menina tenha de ouvir desde os três anos até se casar (ou até morrer, se ela não se casar) a pergunta “e o namoradinho, cadê?” Vira o disco, famílias!
  • Que toda menina possa brincar com os brinquedos de sua real preferência. Mas que os pais não se esqueçam de lhe oferecer o brinquedo universal: uma bola!
  • Que toda menina tenha a chance de aprender a correr bem rápido e a gritar a plenos pulmões. É libertador e, infelizmente, pode ser necessário em algum momento.
  • Que nenhuma menina seja obrigada a ajudar nas tarefas domésticas enquanto irmãos-meninos sempre podem brincar à vontade.
  • Que nenhuma menina escute a sua volta – mesmo enquanto for um bebê que “não entende nada” – comentários sobre os “PERIGOS” de ser menina. Aquelas frases-feitas que se referem unicamente à possibilidade dela ter uma vida sexual quando virar mulher. Tipo: “é bonita, hum… vai dar trabalho”, “olha como fica de perna aberta” (sim, é inacreditável, mas tem gente que faz esse comentário sobre um bebê do sexo feminino), “menina é fácil de criar quando pequena, mas quando cresce dá mais dor de cabeça”, “se eu fosse você já olhava uma vaga no convento…”.
  • Que nenhuma menina escute o pai dizer “se alguém fizer mal a minha filha, eu MATO”. É que quando ela crescer, se for vítima de violência doméstica, por exemplo, pode não dar queixa justamente com medo de que o pai cometa uma loucura. Muito melhor dizer à própria filha “nunca tenha vergonha de me contar nada que estiver lhe incomodando”.
  • Que cada pai compartilhe com a filha as suas paixões (time de futebol, uma banda de heavy metal, mecânica de eletrônicos…) e não deduza que ela nunca terá interesse em nada disso “por ser menina”
  • Que nenhuma menina seja levada pela mãe a passar por dolorosos tratamentos estéticos (alisamento, tirar cutícula, depilar…). Por favor, não coloquem essas preocupações na cabeça de uma criança! No futuro, quase tudo o que ela ler/ver vai repetir “corpo ideal”, “cabelo ideal” e vários outros “ideais de beleza”
  • Que nenhuma menina aprenda que não pode ser amiga de meninos porque eles sempre têm “má intenção”.
  • Que nenhuma menina aprenda que mulheres não são amigas entre si porque são “invejosas e competitivas”.
  • Que nenhuma menina ouça dos pais que não pode tocar partes do seu próprio corpo (quando estiver sozinha!) porque isso “é muito feio”
  • Que meninas não precisem mais ouvir “já pode casar” a cada vez que faz um café ou qualquer tarefa na cozinha.
  • Que todas as meninas aprendam desde cedo que casar é opcional. E ter filhos também.
  • Que, ao longo do seu crescimento, se ele perceber que ama meninas e não meninos, que ela sinta confiança nos seus pais para falar com eles sobre isso e ser compreendida.

Na luta contra a homofobia

No dia 17 de maio, é celebrado o Dia Internacional Contra a Homofobia. O Lunetas apoia essa luta e acredita na construção de um mundo mais justo, com crianças e adultos mais empáticos, que respeitem as diferenças, combatam as desigualdades e defendam o direito sagrado de todos de viverem suas próprias vidas e serem felizes sendo quem são, livres de estereótipos, amarras e preconceitos.

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