Mais de 10 milhões de crianças de até 6 anos estavam em situação de pobreza ou extrema pobreza em 2021; mais da metade é negra
Mais de 10 milhões de crianças de zero a seis anos estavam em situação de pobreza ou extrema pobreza em 2021. O quadro seria ainda mais agressivo caso não existissem políticas de transferência de renda, como o auxílio emergencial no primeiro momento da pandemia.
O ano de 2021 registrou um número recorde de pobreza infantil, com 44,7% das crianças de zero a seis anos vivendo em situação de pobreza (renda mensal abaixo de R$ 467,67), enquanto 12,7% viviam em situação de extrema pobreza (renda abaixo de R$ 161,56), totalizando 57,4%. Os dados são do estudo “Pobreza infantil no Brasil: 2012-2021”, publicado pelo Laboratório de desigualdades, pobreza e mercado de trabalho, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Das crianças do meio rural, a taxa de pobreza era de 69,7% contra 40,2% para as que vivem no meio urbano. Os dados também mostram que crianças negras estão em maior situação de vulnerabilidade social: os números chegam a ser 68% e 98% maiores do que a média quando falamos sobre este grupo social. Com exceção do Ceará, todos os Estados do nordeste tinham mais de 60% das suas crianças classificadas como pobres.
A pobreza infantil também é capaz de refletir como a desigualdade financeira pode estar atrelada ao nível de estudo das famílias: entre as crianças cujas famílias estão abaixo da linha de pobreza, o adulto de referência tinha em média 8,8 anos de estudo (contra 11,9 nas famílias acima da linha de pobreza). O percentual de adultos de referência com ao menos ensino médio completo era de 35,9% (contra 71,3% nas famílias acima da linha de pobreza). Além disso, 27,4% das crianças em situação de pobreza, e 39% daquelas em situação de extrema pobreza, viviam em famílias monoparentais em 2021.
“É preciso considerar as privações que vão além da dimensão monetária”
A taxa de pobreza infantil, que era de 41,5% em 2019, caiu para 36,1% em 2020, e voltou a subir para 44,7% em 2021 – refletindo o impacto do auxílio emergencial (AE), destinado aos adultos trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI), autônomos e desempregados no primeiro período de pandemia. Mesmo que a política pública não tenha sido voltada diretamente às crianças, 68 milhões de brasileiros foram atendidos pelo auxílio.
Entre janeiro e março de 2021, o pagamento do auxílio foi interrompido, fazendo com que diversas famílias ficassem sem acesso a programas de transferência de renda, como o extinto Bolsa Família. A partir de abril de 2021 o auxílio voltou a ser pago (Medida Provisória n. 1.039, de 18.03.2021), mas com valor inferior – R$ 150 para pessoas que moravam sozinhas, R$ 375 para mulheres responsáveis por famílias monoparentais e R$ 250 para famílias compostas por mais de uma pessoa, além da cobertura menor, alcançando aproximadamente 39 milhões de famílias beneficiadas.
“Mesmo programas sociais que não têm como foco principal crianças e adolescentes em situação de (extrema) pobreza, como foi o caso do AE, contribuem para o enfrentamento dessa questão. Em consequência, variações repentinas nos valores, nas faixas de corte, nos benefícios e na cobertura desses programas, como vimos, podem ter enormes consequências para o bem-estar de milhares de crianças em um momento fundamental de seu desenvolvimento”, explicam os pesquisadores. O estudo estima que, caso não existissem auxílios de transferência de renda como o Bolsa Família e o próprio auxílio emergencial, a pobreza chegaria a atingir quase 50% das crianças brasileiras em 2021: o número pularia de 44,7 para 47,5; assim como o índice de extrema pobreza no ano passaria de 12,7% para 16,9%.
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Por que falar sobre pobreza infantil?
“Muitas das privações que são enfrentadas na primeira infância podem ter consequências irreversíveis que perdurarão por toda a vida. Por essa razão, as consequências da pobreza para as crianças que a enfrentam, e para a sociedade, têm recebido muita atenção dos pesquisadores de diversas áreas do conhecimento”, relatam André Ricardo Salata, Ely José de Mattos e Izete Pengo Bagolin, responsáveis pelo relatório. Segundo os pesquisadores, é necessário avaliar as múltiplas privações sofridas por essas crianças e de seus efeitos de curto, médio e longo prazos.