Sete respostas para entender a ‘Oficina de Desprincesamento’

Para as organizadoras da oficina, cabe uma reflexão: "sua filha é princesa por vontade dela, ou porque nenhum outro modelo foi apresentado?"

Da redação Publicado em 07.12.2016
Garota asiática com varinha de condão e coroa sorri para a foto

Resumo

"Agora não pode mais ser princesa. Que ditadura!", dizem muitas mães e pais. Larissa Gandolfo e Mariana Desimone, organizadoras das oficinas, perceberam que ainda há algumas dúvidas e responderam às principais perguntas.

Depois da polêmica abertura da Escola de Princesas em São Paulo, um grupo de mulheres se reuniu para oferecer uma oficina de desprincesamento em São Paulo. A iniciativa começou no Chile, em Iquique, onde foi realizada a primeira vivência desse tipo, e tem como princípio oferecer às meninas uma infância livre de rótulos. A atividade acontece até o dia 11 de dezembro, em São Caetano do Sul, região do ABC Paulista. Para saber mais, clique aqui.

Larissa Gandolfo e Mariana Desimone, organizadoras da  oficina de desprincesamento, perceberam que ainda há algumas dúvidas sobre a metodologia e construíram um “perguntas e respostas”, organizado pelo Milc (Movimento Infância Livre de Consumismo). A ideia é utilizar comentário que as pessoas costumam fazer sobre o assunto para explorar diferentes perspectivas da questão.

“Fizemos essa oficina numa tentativa de mudar um pouco os horizontes as meninas. Mostrar a elas que são inteligentes, especiais, incríveis. Fortes! Criativas. E também que não precisam se encaixar em nenhum padrão”

Confira as respostas

  • “Minha filha é princesa, sim. Qual o problema?”

Você não é obrigado a nada! Não é da minha alçada vir aqui e dizer que você tem que fazer assim ou assado na criação da sua filha. O que eu trago, sim, é um convite para a reflexão. Você acha que inserindo a sua filha nessa “realidade” de que ser princesa é o máximo, é tudo o que uma menina quer, você está dando as asas que ela precisa para voar e ser uma mulher completa, a escolha é sua. É você quem estará sempre ao lado da sua filha.

“Mas talvez aqui caiba a reflexão: sua filha é princesa por vontade dela, ou porque nenhum outro modelo lhe foi apresentado?”

Observe os brinquedos, os filmes, as referências que estão sendo oferecidas à sua criança. Ela é princesa, ok. Mas ela teve a chance de ser qualquer outra coisa? E se não teve, quem escolheu ser princesa: ela, você, a sociedade? O problema não está em ser princesa, e sim em isso ser uma imposição social.

  • “Agora não pode mais ser princesa. Que ditadura!”

A ditadura é, por definição, um regime de governo onde a liberdade individual está cerceada ou limitada. Dessa forma, apresentar novo modelos nunca poderá ser uma ditadura. Muito pelo contrário. Em nenhum momento escrevemos ou iremos escrever “não pode”, a não ser “não pode tirar a liberdade de ninguém”.

“Se a menina escolheu, livremente, após a apresentação de diferentes modelos e possibilidades do feminino, ser princesa, que assim seja, pois essa é a expressão do seu ser, e não a massificação de uma cultura imposta”

  • “Por que não se ocupam de coisas mais importantes, como cuidar de crianças que sofreram abusos?”

Nosso ponto de partida para o desenvolvimento da nossa oficina, foi justamente a Oficina de Desprincesamento em Iquique. Ela foi criada, justamente, para evitar que meninas que estavam em uma situação desfavorável fossem vítimas de abusos. A cidade chilena sofreu com um terremoto em 2014 e as famílias tiveram que ser removidas dali. Foram criados “bairros de emergência” para acolher essas famílias. Nesses locais sem muita infraestrutura, a prefeitura e as agências ligadas aos direitos da criança desenvolveram o “taller de desprincesamiento”, justamente para fortalecer a autoestima das meninas e evitar que fossem vítimas de abusos. E tão importante quanto cuidar das vítimas é cuidar para que o número de vítimas diminua ao longo do tempo.

Em uma sociedade em que ensinamos os meninos a serem violentos, oferecendo “lutinhas”, “espada”, “armas” e incentivando a força, e oferecemos às meninas a “fragilidade”, a “delicadeza”, a “docilidade”, não podemos esperar muito mais do que o assombroso quadro de violência contra a mulher que temos hoje no Brasil.

“Mostrar às meninas que a fragilidade e docilidade da princesa pode representar um perigo em diferentes situações da sua vida é importante para preparar nossas crianças”

  • “Qual o problema de meninas ou mulheres gostarem de princesas, de filmes de princesas?”

Não há problema algum em gostar do tema. Afinal, ele é bastante recorrente na nossa cultura. O que nós buscamos é tentar separar essa fantasia da realidade. É muito legal brincar e “fazer de conta”, isso faz parte do desenvolvimento cognitivo das crianças. Por outro lado, incutir na cabeça das meninas que elas devem “se guardar para o príncipe encantado”, isso pode não terminar tão bem. E se ela não quiser casar, por exemplo? E se ela não se identificar com essa temática da princesa?

“Nossa vontade é mostrar que devemos dar mais opções para as meninas, apenas isso”

  • “Por que incomoda tanto uma menina ter bons modos, ser feminina?”

Para nós, não há nenhum problema crianças em geral terem bons modos. É, afinal, um trabalho árduo que nós, mães e pais tentamos, dia após dia, ensinar aos pequenos. Achamos, porém, que bons modos são para todos, e não só para meninas. Muito menos apenas para “princesas”.

Ser feminina é uma construção social de um determinado tempo histórico e local. Ser feminina na Idade Média poderia, por exemplo, levar uma mulher a ser queimada viva. Em alguns países ainda hoje, uma mulher que sorria e se mova com os traços delicados da Cinderela ou da Branca de Neve pode ter seus dentes quebrados à marteladas pelo marido.

“O que significa ser feminina? É falar baixo? É ser vaidosa? Até que ponto a vaidade das meninas não é incentivada pelos apelos de consumo de produtos estéticos?

Até que ponto a voz da mulher deve ser baixa para não encobrir a opinião (ou os mandos) do “homem da casa”? Essas práticas arcaicas fruto do patriarcado que fere a todas nós estão sendo colocadas como o arauto da feminilidade por pessoas que simplesmente não refletiram sobre o que significa ser mulher em 2016 no Brasil. Precisamos urgentemente repensar esse conceito de feminilidade se quisermos falar sobre igualdade de oportunidades para os gêneros, se quisermos diminuir o número de vítimas de estupro na infância (e na vida adulta) e se quisermos um dia vislumbrar um mundo onde não precisaremos de uma lei como a Maria da Penha.

Larissa Gandolfo e Mariana Desimone, do Milc. Leia a lista completa para entender a oficina de desprincesamento.

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