Para a psicanálise, enxergar a criança como um ser constantemente feliz é um mito socialmente construído, e não condiz com a complexidade da natureza humana
Como a literatura e o entendimento sobre a complexidade da criança podem ajudar a lidar com as fragilidades emocionais da vida?
Alvo dos excessos da publicidade, que associa ao universo infantil tudo o que é colorido, alegre e barulhento, o conceito de infância e da própria criança são construções sociais bastante idealizadas. Porém, há outras camadas de significação que devem ser consideradas quando entendemos a criança como um ser pleno, em desenvolvimento constante e, principalmente, um indivíduo social, sujeito às mesmas fragilidades emocionais que qualquer adulto. Existe, sim, melancolia na infância. A questão é: como estamos lidando com ela?
Durante um bate-papo do programa Café Filosófico, as psicanalistas Julieta Jerusalinsky e Maria Rita Kehl associaram a questão das fragilidades emocionais da criança à ‘epidemia’ de quadros de distúrbios de aprendizagem e atenção, hiperatividade, e até mesmo autismo e transtorno bipolar infantil.
A matéria completa sobre o assunto foi publicada pelo nosso parceiro “Toda criança pode aprender“. De acordo com as psicanalistas, há uma tendência em poupar os pequenos de lidar com frustrações e tristezas que são naturais da vida. Isso pode acabar contribuindo para uma fragilidade emocional por parte das crianças, que ficam despreparadas para enfrentar obstáculos e limites.
O papel da literatura na tarefa de incluir na vida dos pequenos as conversas sobre assuntos considerados tabus pode ser, entre outras coisas, naturalizar a relação dos pequenos com eles. Afinal, se a tristeza faz parte da vida, por que não falar sobre ela?
E se é possível colocar a tal da melancolia em uma história de ficção, tanto melhor para que os pequenos se sintam encorajados para falar sobre suas próprias questões emocionais
O escritor e ilustrador paulista Odilon Moraes tem uma obra bastante marcada pelo trato delicado a assuntos considerados difíceis, como morte, separação e violência, e defende com vigor a conversa sobre esses assuntos em casa e na escola.
Seu livro mais recente, “Olavo”- que deve sair no primeiro semestre de 2018 pela editora Jujuba – vai trabalhar justamente esse assunto. A primeira frase da história já diz a que veio: “Olavo era um menino triste”. Com isso, Odilon defende a literatura como ferramenta de aproximação com a realidade.
O autor adianta que o livro trabalha com a questão da melancolia associada ao universo infantil, desconstruindo o ideal social do que é, afinal, ‘ser criança’.
“A arte inventa uma vida para que a gente se veja nela. A literatura é uma entrega à alteridade, é o que nos permite ser outros. Por isso, propicia uma oportunidade maior de empatia do que a própria vida”
“É só pensar em quantas vezes, na vida, olhamos para alguém em situação ruim e pensamos ‘ainda bem que é ele e não eu’. Na literatura, se pensarmos isso, não estamos sendo leitores de verdade; quando lemos, o personagem somos nós”, explica o autor.
“Por exemplo, ouvimos pais dizerem: Bem, não sei se devo contar ao meu filho coisas sérias. Não sei se devo falar de morte, doença, ódio ou guerra “. É claro que se deve contar aos filhos tanto histórias feias quanto bonitas. Toda criança deve receber o mapa e o treinamento para penetrar as florestas claras e sombrias do mundo. Omitir que há violências, más opções e grandes paixões que subjugam a mente, e não ensinar à criança como proteger sua alma, a enfraquece.”
A afirmação é da escritora e psicanalista americana Clarissa Pinkola Estés, e está presente no livro “Contos dos Irmãos Grimm”. Para ela, os pais, professores e demais mediadores da relação com a criança não devem ter medo de contar a elas tanto as histórias bonitas quanto as feias, e defende que essa disposição para falar dos tais “assuntos difíceis” tem ligação direta com a maneira que aquela criança irá encarar o mundo.
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