"Não tenho bode das princesas. Só não quero que as referências da minha filha se limitem a elas", diz a escritora Liliane Prata
A notícia de que a 'Escola de Princesas' vai abrir uma filial em São Paulo causou alvoroço nas redes sociais. Por isso, chamamos um pai e uma mãe para conversar sobre o assunto. Afinal, o que significa ensinar crianças a serem princesas?
Neste Dia das Crianças, uma notícia causou alvoroço nas redes sociais: a abertura de uma filial em São Paulo da ‘Escola de Princesas‘, que já existe em Minas Gerais desde 2013 e vem recebendo críticas devido aos ideais sexistas que defende. Apesar das manifestações de repúdio em sua página no Facebook, a escola já tem mais de 50 mil curtidas e levanta uma questão urgente: por que estão querendo ensinar as meninas a serem princesas?
Fundada pela psicopedagoga Nathalia de Mesquita, a Escola oferece uma formação com duração de três meses para meninas de quatro a 15 anos que visa transmitir o que eles consideram como sendo os “valores de uma princesa”, que, segundo os idealizados do curso, englobam características como humildade, solidariedade e bondade.
A escola surgiu em Uberlândia (MG), expandiu para outras cidades mineiras, como Uberaba e Belo Horizonte, e então resolveu arriscar no sistema de franquias. No final de outubro, será inaugurada uma filial em São Paulo, na Avenida Indianópolis, em Moema. A responsável pela migração para a capital paulista é Silvia Abravanel, filha do apresentador Silvio Santos.
As aulas, que têm duração de três a seis horas, são ministradas por profissionais de diversas áreas de atuação, entre cabeleireiros, cozinheiros, e nutricionistas. As meninas aprendem desde arrumar o cabelo e se maquiar até regras de etiqueta, de culinária e como organizar a casa. No programa de aulas, estão desde um workshop que ensina a organizar um “Chá de Princesas”, até uma oficina com celebridades do universo infantojuvenil, a fim de transmitir para as meninas o que é, afinal, se comportar como uma princesa.
Em uma das seções, o site da Escola disponibiliza uma lista de características que considera essenciais para toda menina, uma espécie de ‘manual de princesas’. Em uma delas, a afirmação do estereótipo é categórica: “Matrimônio: o passo mais importante na vida de uma mulher”. Nesta seção, a Escola toca também na desigualdade de classes, ao defender que toda menina, para ser princesa, precisa ter um castelo, além de saber como dar ordens aos funcionários.
Para entender o que existe por trás do conceito de ‘ser princesa’, é importante problematizar uma série de questões muitas vezes contraditórias: de um lado, a identificação da criança com esse universo (resultado, em grande parte, da publicidade infantil); do outro, a falta de representatividade pelo fato de as princesas terem realidades muito diferentes de uma criança comum e o reforço de estereótipos irreais.
Por isso, o Lunetas chamou para a conversa um pai e uma mãe com diversos pontos de vista a oferecer sobre o assunto. A proposta é colocar o tema em perspectiva sem esquecer do maior envolvido nessa história: a criança.
Perguntamos a Hillan Diener, do blog Potencial Gestante, o que ele acha sobre a escola, e também conversamos com a escritora Liliane Prata, autora do livro infantojuvenil “O Diário de Débora” e colunista de relacionamentos da Revista Claudia.
Liliane Prata – Adoro o ideal de docilidade, tanto para meninos como para meninas – o problema, para mim, é colocar o ideal de docilidade como vinculado às meninas/mulheres, como se ele correspondesse ao modo correto de ser mulher. Isso é péssimo, porque não há um “modo correto” de ser mulher – ou de ser homem. Antes de sermos mulheres ou homens (e, além disso, antes de sermos trans, heterossexuais, homossexuais). Somos indivíduos. Mesmo as diferenças de gênero atribuídas à natureza ou aos tempos em que vivíamos nas cavernas (para justificar, por exemplo, que os homens tenderiam mais à poligamia e as mulheres à monogamia) encontram tantas particularidades entre os indivíduos que como a gente vai enfiar isso goela abaixo das meninas?
Hillan Diener – Não sei se existe uma maldade dos idealizadores, acho que é uma certa ignorância dos efeitos desse tipo de coisa numa criança. Panelinhas, bonecas e a maioria das atividades tidas como “femininas” não instigam a criatividade, o senso crítico e o desenvolvimento de habilidades motoras. Pelo contrário, são objetos atrelados à passividade, à vaidade e à subserviência.
Liliane Prata – Olha, não tenho dúvidas de que minha filha amaria essa escola. Ela ama seu vestido de Cinderela, tem mochila de princesas, enfim, gosta desse universo. Como mãe, o que procuro fazer é deixar claro que ela não precisa deixar de brincar com algo ou de fazer algo por ser menina.
Quando ela vem falando coisas do tipo “Carrinho é de menino”, que ela aprende na rua, eu respondo: “Ué, mas por quê? Mamãe não dirige?”
Não tenho bode das princesas. Só não quero que as referências da minha filha se limitem a elas e, menos ainda, que ela ache que é esperado dela que aja de acordo com esse ideal.
Hillan Diener – É triste ver que, em pleno seculo 21, existem ideias desse tipo. Claro que meninas podem ser o que quiserem, mas essa ideia de princesa é exatamente a proposta que está aí há anos para as meninas. Por que não uma escola de ciência para meninas? Uma escola de tecnologia ou robótica para meninas?
“Fazemos o que podemos para libertar as crianças desses limites ultrapassados, e tentamos não forçar a barra estimulando ou preservando diferenças, mas sim um esforço para acrescentar o que estiver faltando em cada um”
“Não falo que “princesas são chatas” ou nada do tipo. Pelo contrário, a levei para ver Cinderela no cinema porque ela pediu e tudo mais. Mas trago outras referências e, principalmente, dou o exemplo”