Uma menina que deseja ser escritora inventa um galo para ter com quem conversar. Depois de inventado, o galo decide lutar por suas ideias. Inspirado no livro A bolsa amarela, de Lygia Bojunga, Escuta-me traz um trecho documental, com imagens do II encontro nacional de meninos e meninas de rua, realizado em Brasília, em 1989 – momento de intensa mobilização social pela aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
“A escritora, o galo e a criança que reivindica seus direitos e questiona a exploração da sua força de trabalho me lembram que o desejo de cada um de nós pode ser transformador. Numa sociedade patriarcal, autoritária e colonialista, há muitas desconstruções que precisamos fazer para que nossas relações com as crianças sejam mais democráticas e menos violentas”, ressalta Christiane Teixeira Sampaio, autora do vídeo.
Ela conta que a produção resgata um momento de alegria e utopia na vida pública brasileira, quando o ECA reconhece a criança como sujeito. Revela que escolheu falar de infâncias e política porque a compreensão a-histórica e moralista que está novamente em curso no campo das políticas públicas retira da criança a sua condição de cidadã.
Feito a muitas mãos, Escuta-me contou com a participação dos vizinhos do bairro onde Christiane vive, Acupe de Brotas, em Salvador (BA). Junto com o filho Akin, a comunicadora encontrou o galinheiro que buscava nos arredores de casa e a vizinhança acabou se mobilizando para a criação do vídeo. Segundo ela, o mapeamento acabou sendo uma desculpa para estabelecer conexão com as pessoas num momento em que todos estavam isolados em casa. “Tudo foi feito com muito cuidado e respeito, seguindo todos os protocolos de segurança.”
Quando questionada sobre sua relação com a infância, Christiane enfatiza: “O que me trouxe até aqui foi a criança que mora em mim e suas inquietações”. Mãe de dois meninos, ela relembra também como inspiração a trajetória da mãe, Maria Eneide Teixeira, pedagoga que atuou como liderança nacional do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua e fundou o Circo de Todo Mundo (www.circodetodomundo.org.br), organização que defende o direito ao brincar. “Interessa-me identificar entre crianças e adolescentes um fazer orientado pela mudança: práticas autônomas, geradoras e promotoras de descobertas e buscas. As autonomias nascem das lutas concretas de povos, comunidades, coletivos e subjetividades em suas formas de viver e habitar o mundo.”