Futebol, violência de gênero e os homens que inspiram os meninos

Jogadores de futebol famosos, alguns deles acusados de estupro e violência, são os homens que os meninos querem ser

Viviana Santiago Publicado em 23.10.2020
Imagem de um menino negro jogando futebol sozinho em uma quadra. Texto sobre futebol e violência de gênero
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Resumo

Viviana Santiago reflete como a nossa sociedade, que valoriza jogadores acusados de estupro e normaliza a violência de gênero, influencia os meninos. “Esses jamais deveriam ser os modelos para os meninos apaixonados por futebol”.

No país do futebol, jogadores de grandes times são os homens que os meninos querem ser, são os modelos copiados à exaustão: cortes de cabelo são reproduzidos assim que suas imagens aparecem na TV, sites e redes sociais; os movimentos em campo, cada drible, cada firula, cada jeito de celebrar os gols. Tudo isso inspira meninos de diferentes idades, que querem se vestir à maneira desses jogadores, fingem ter seus carros e celulares. 

Eles imitam tudo, querem ser esses homens.

Nos últimos anos, tem sido cada vez mais constante sabermos de acusações de violência doméstica, violência sexual e violência física que pairam sobre jogadores de futebol. No Brasil, notícias como essas têm o poder de preencher todos os telejornais, programas de televisão, rádio e internet. À medida em que se esmiuçam as acusações e os fatos, declarações dos  jogadores insinuam e, muitas vezes, afirmam a culpa das mulheres: segundo eles, foram elas que provocaram sua ira ou desejo, elas que utilizavam roupas provocantes, elas que beberam além da conta e que assumiram o risco. 

Essas e outras declarações que responsabilizam a vítima pelas violências que sofreram fazem parte da cultura do estupro, que coloca os homens no lugar de seres incontroláveis e não responsáveis pelos seus atos, pois estariam sempre agindo com base num poder que lhes foi conferido de dominar corpos e vidas de mulheres – e que elas, sabendo dessa realidade, deveriam se cuidar, manterem-se ocultas, submissas ou aceitar o risco.

A cultura do estupro presente no Brasil é responsável por 500 mil casos de violência sexual por ano, conforme dados da Plan International, e ainda traz as condições ideais para que ocorram um estupro a cada oito minutos segundo o Anuário da Segurança Pública lançado essa semana pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 

Há um modelo de masculinidade que sustenta essa cultura: a masculinidade hegemônica, que se constitui principalmente em torno da violência e tem na agressividade a principal forma de expressão e linguagem. Há anos os movimentos de mulheres e feministas vêm denunciando essa masculinidade, apontando que não, homens agressores não são seres incontroláveis. É a certeza da impunidade e da culpabilização das vítimas que fortemente alimenta a violência.

Eu me pergunto aqui o quanto os clubes de futebol e os jogadores são responsáveis pela manutenção da cultura do estupro.

Quando um clube de futebol ignora graves acusações de violência de gênero que atravessam a carreira dos atletas e insistem em sua contratação, dão uma prova inconteste de que “tudo bem violentar meninas e mulheres”. Quando os clubes não sancionam e os atletas não são impactados por medidas que os responsabilizem por pronunciamentos  e posturas sexistas, a mensagem final é a de que esses comportamentos são socialmente aceitos e constituem o conjunto das características de um jogador de sucesso. E essas são as informações que os meninos recebem.

Meninos aprendem que além de todas as habilidades com a bola, de todos os penteados outfits descolados, ser um jogador também inclui poder violentar mulheres, ser um jogador também inclui tecer comentários machistas e assumir posturas profundamente misóginas. “E está tudo bem”. Quando clubes e imprensa minimizam esses atos, precisam estar cientes de que no país com um estupro a cada oito minutos essa jamais deveria ser a educação.

Esses jamais deveriam ser os modelos para os meninos apaixonados por futebol.

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