"Infelizmente são poucas as escolas que reconhecem este corpo-brinquedo"', alerta a educadora
Luiza Gaia é educadora da "Cia. Meu Corpo Meu Brinquedo" e afirma que "O corpo pode ser toca, esconderijo, ou palanque e palco, basta a gente querer". Confira o bate-papo que tivemos com ela.
A cada etapa de seu desenvolvimento, a criança é convidada a brincar com o corpo, explorar novas possibilidades e superar desafios. Acompanhando esse desenvolvimento, o brincar, muito mais do que uma diversão, é a forma da criança se expressar, e também uma descoberta.
O Lunetas conversou com Luiza Gaia, educadora e professora na área de corpo e movimento da Cia. Meu Corpo Meu Brinquedo, para saber mais sobre a importância de brincar livremente e explorar as potencialidades do próprio corpo.
Luiza Gaia: Acredito que o corpo é o primeiro brinquedo da criança, um brinquedo único, singular, original que cada um ganha antes mesmo de nascer, que vai sendo moldado artesanalmente ao longo dos nove meses de gestação, e é o nosso grande presente.
“A criança, desde muito pequenininha, brinca com o corpo, é através dele que conhece, experimenta e compreende o ambiente ao seu redor”
É o corpo, também, que faz a mediação das relações entre a criança e os outros sujeitos que a circulam. Por isso, a criança está sempre brincando com o corpo, experimentando suas possibilidades de movimentação e comunicação através dele. O que atrapalha esta exploração, e por vezes até a inibe, é a interpretação que os adultos fazem deste corpo brincante da criança.
Luiza Gaia: A criança brinca com o corpo quando inicia seus primeiros rolamentos, por volta dos seis meses; quando arrisca os primeiros passos, por volta de um ano; quando ensaia os novos pulos, por volta dos dois anos; quando se encanta pelos saltos, por volta dos três anos.
Os adultos relacionam estes movimentos, este brincar livre, com a indisciplina e falta de controle, e passam a reprimi-los de diversas e, muitas vezes, inconscientes maneiras. E a criança, infelizmente, vai perdendo a espontaneidade de brincar com seu corpo-brinquedo.
Retomando a questão inicial, existem mil maneiras da criança brincar com o corpo e é ela quem sabe melhor como fazê-lo, nossa obrigação é não atrapalhar, observar com atenção, sensibilidade, respeito, e aprender com elas.
Luiza Gaia: O corpo é nossa morada, é ele que nos coloca no mundo e nos permite conversar, compreender e, especialmente, ser e estar nele. A criança que conhece seu corpo, que explora todas as sua possibilidades e limites, porque, sim, o corpo tem limites e é fundamental que os conheçamos, pode tudo com ele.
A criança que conhece esta sua casa, que habita seu corpo, é uma criança potente, realizadora e segura.
A criança que vivencia plenamente seu corpo-brinquedo, que habita esta sua casa, tem clareza quando pode abrir seu refugio para os outros e quando é preciso reservar-se. O corpo pode ser toca, esconderijo, ou palanque e palco, basta a gente querer. O corpo tudo pode, desde que tenhamos conhecimento dele, de toda sua potencialidade e seus limites.
Luiza Gaia: O corpo está sempre presente, só nos falta reconhecê-lo como brinquedo. Uma sugestão bem simples para as famílias é aguçar o olhar para o corpo e suas estripulias nas situações mais corriqueiras do dia-a-dia.
Algumas perguntas que podem sensibilizar este olhar: o que eu faço com meu corpo quando acordo? E na hora de escovar os dentes? Como é o meu andar quando estou com sono? E quando estou com pressa? Quais são meus gestos na hora do banho? Qual é o meu jeito preferido de sentar? E de deitar?
Enfim, situações habituais que são repletas de ações corporais fundamentais e pouquíssimo exploradas. Uma sugestão é cada membro da família responder corporalmente a uma (ou cada uma das perguntas acima) e os outros copiarem. Dentro da família uma dica interessante é olhar para os diferentes corpos, de distintas idades e reconhecer possibilidades e também limites de movimentação. Como é o movimento e o som de um bebê com fome? Como é o andar de uma vovó idosa? E a postura do papai quando está zangado? Enfim, olhar para o corpo real, cotidiano e tudo o que ele faz ou pode fazer.
Luiza Gaia: Infelizmente são poucas as escolas que reconhecem este corpo-brinquedo, que eu acredito ser fundamental. As práticas escolares corporais ainda estão bastante atreladas à manutenção do controle do corpo e da disciplina.
“Um corpo em movimento ainda é visto como um potencial problema”
As atividades corporais, em parte das escolas, são restritas a algumas ocasiões e controladas por relógio, como se pudéssemos dizer ao corpo quando ele pode se manifestar. Essa concepção está muito relacionada à separação cartesiana de corpo e mente, um corpo que se movimenta não aprende.
Além disso, muitas vezes as atividades corporais são desempenhadas aos profissionais especialistas da área, como os professores de educação física por exemplo. A educação física traz importantes contribuições para o nosso olhar para o corpo e o movimento das crianças, mas é um olhar, não podemos esquecer disso, e o corpo é múltiplo.
Logo, é fundamental olharmos para ele em todas as suas nuances, em toda sua complexidade, é preciso fomentar nas escolas e nos educadores um olhar plural para o corpo e o movimento das crianças. É preciso que as instituições de educação infantil reconheçam e legitimem o corpo em toda a sua complexidade e potencialidade, sem horários pré-determinados, sem linguagens exclusivas.
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