#DeixaAMeninaJogar: quem encoraja as Martas do futuro?

Publicado em: 02.06.2019
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Rafaela Silva, Marta Vieira da Silva, Ana Moser, Maria Lenk, Serena Williams. Sua criança reconhece esses nomes? Se não, por quê? Se sim, será que ela compreende o que significam, querem transformá-las em ídolos, ou vibram de curiosidade para saber mais sobre eles? Representatividade das mulheres no esporte também é assunto de criança. Em parceria com o Nós, Mulheres da Periferia e a Think Olga, o Lunetas preparou este especial sobre meninas no esporte, um apoio à campanha #DeixaAMeninaJogar

O objetivo é debater sobre os referenciais que as mulheres recebem, desde a infância, sobre a presença feminina no universo esportivo. Quais são os ídolos que contribuímos para formar, e por que alguns têm mais prestígio que outros?

Falamos sobre a importância do esporte no desenvolvimento das crianças, abordamos a questão do gênero no esporte a partir de uma perspectiva histórica e social, mapeamos perfis de pessoas e projetos que incentivam a participação feminina no esporte, e trouxemos experiências em vídeo das próprias meninas contando sua experiência no jogo. Navegue pelos nossos conteúdos, e nos ajude a espalhar o desejo de conversar sobre isso na rua, em casa, na escola e no campo.

Meninas no esporte: #DeixaAMeninaJogar

Para nos ajudar nesta campanha, contamos com a parceria de uma das maiores atletas do Brasil, Daiane dos Santos. Ela foi a primeira ginasta brasileira a ganhar uma medalha de ouro no Campeonato Mundial. Hoje, é gestora do projeto Brasileirinhos, que oferece aulas de iniciação à ginástica olímpica para crianças e adolescentes de seis a 17 anos no CEU (Centro de Educação Unificada) Paraisópolis, zona sul de São Paulo. Na entrevista ela conta sobre sua infância como ginasta, fala sobre a importância do esporte para as crianças e os impeditivos de gênero para que as meninas sejam quem elas quiserem,

“A persistência e a força de outras pessoas foi meu diferencial. A todo momento tive pessoas que acreditaram em mim. Não é fácil, mas não tem melhor recompensa do que ver que você chegou no seu objetivo”, relembra a atleta, que começou a treinar por iniciativa de uma professora.

O esporte pra mim é um jeito de mostrar o que eu tenho de melhor – como ser humano, como atleta, como mulher”, diz Daiane dos Santos.

Igualdade de acesso ao esporte

Nossa motivação para falar do tema é a Copa do Mundo de Futebol Feminino, que começa no dia 7 de junho. Será a primeira transmissão da competição em TV aberta no Brasil, um marco para a trajetória das mulheres no esporte. Mas e as crianças, como elas percebem esse fenômeno? O que pensam ao ver um ícone mundial como Marta em campo e mesmo assim se perguntar: “Quem é ela?”. Qual o papel de todos e de cada um para naturalizar a presença das mulheres nas práticas esportivas desde a infância?

Entendendo a infância como período de formar e fortalecer as bases de identidade de um sujeito, queremos promover um debate saudável sobre igualdade de acesso e oportunidades para que meninas e meninos possam descobrir suas potências. Explorar e descobrir possibilidades de ser deve ser um direito de todas e todos, sem distinção de gênero, raça ou classe social.

Junte-se a nós na campanha #DeixaAMeninaJogar. Utilize as hashtags nas redes para mapear e espalhar o nosso conteúdo. Dentro ou fora das quadras, lugar de menina é onde ela quiser.

 

Em 2015, a Organização das Nações Unidas lançou a campanha global Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, também conhecido como Agenda 2030. Tratam-se de 17 metas em diversas áreas, como educação, saúde e meio ambiente.

Estava lançado ali um convite de projeção global para que países de todo o mundo se mobilizassem. O intuito é que, nos próximos 15 anos, estivessem contemplados os direitos básicos para a existência na terra. O objetivo número três diz respeito diretamente à promoção da saúde física por meio do esporte e lazer: “Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades”.

“Precisamos de ação, ambição e vontade política. Mais ação, mais ambição e mais vontade política”, disse o secretário-geral da ONU, em relação às ODS.

Quatro anos depois, às vésperas da Copa Mundial Feminina, como estamos? Que incentivos e subsídios as meninas recebem para se dedicarem ao esporte hoje no Brasil? Os três ingredientes listados pelo secretário bastam para alcançar o objetivo da representatividade feminina no esporte? O que existe de ação e vontade política para que essa igualdade no esporte se concretize?

Neste capítulo, falaremos sobre os diversos entraves que dificultam e muitas vezes inviabilizam a entrada de meninas no universo esportivo. Afinal, falar sobre infância e esporte é falar sobre gênero. Preconceito, cobrança redobrada, desconfiança, bullying, abusos de poder: quais são os obstáculos sociais e emocionais que as crianças precisam vencer antes mesmo de entrar em campo?

 

Cultura do futebol: um campo masculino?

Em maio deste ano, a ONU anunciou a nomeação da jogadora de futebol Marta Vieira da Silva como uma das embaixadoras das ODS, ao lado de outros 16 defensores e defensoras – cada qual de um objetivo da agenda 2030. Marta, que já era Embaixadora Global da ONU Mulheres, é a única brasileira na lista, que conta com personalidades públicas de todo o mundo.

Marta foi encarregada de mobilizar uma campanha a favor da iniciativa, e aproveitou o ensejo do Dia Internacional da Mulher para incentivar a reflexão. Em um vídeo publicado em seu Instagram, ela relembra a importância de oferecermos oportunidades iguais para que meninas e meninos exerçam seus direitos e desenvolvam todo o seu potencial. Assista:

Porém, é provável que uma grande parcela dos leitores chegue até aqui sem saber quem ela é, ou qual a história do seu time, considerado o maior clube de futebol feminino do mundo. Acredite: não é culpa sua.

Jogadora do Orlando Pride e eleita por cinco vezes consecutivas a melhor jogadora do mundo, Marta é conhecida mundialmente por uma trajetória que desafia toda uma lógica social e culturalmente instituída. A presença das mulheres em campo – sobretudo no futebol – foi e é até aqui uma esmagadora minoria, em comparação com os homens.

No entanto, o paradoxo existe: este é o melhor cenário que já vivemos para as mulheres no esporte, porque conquistas históricas aconteceram. Principalmente a partir dos anos 90, quando a fama de Marta ganhou o mundo, a própria ideia de que uma mulher jogasse futebol não era aceita com naturalidade. Como todo preconceito nasce e se desenvolve de acordo com um contexto histórico, cultural e político, os estereótipos de gênero no esporte também se nutrem da mesma lógica.

Do lado de cá do campo, na sociedade, ainda é possível notar o estranhamento que as mulheres de chuteira podem causar. Apelidos como “Pelé de saias” ou “Neymar de vestido”, frequentemente atribuídos às atletas que se destacam por seu trabalho, denotam um entendimento ainda preponderante em boa parte dos grupos sociais: o de que o valor simbólico do trabalho de uma mulher só ganha consistência quando contrastado com o de um homem. Mas, afinal, onde nasce a diferenciação, senão na infância?

“Investir na liderança de meninas por meio dos esportes é uma forma de reduzir as desigualdades de gênero e modificar percepções, atitudes e comportamentos”. É o que defende Vanderson Berbat, professor de Geografia, mestre em Políticas Sociais pela ENCE/IBGE, e diretor da Impulsiona Educação Esportiva.

Vamos pensar mais sobre isso?

Futebol também é coisa de menina

No dia 7 de junho, começa a Copa do Mundo Feminina. Será a primeira vez que a TV aberta brasileira transmite a competição; por isso, é um marco histórico do ponto de vista de gênero e esporte. A primeira transmissão esportiva no Brasil é de 1938. De lá para cá, a cultura esportiva no país foi sendo construída com foco maior no futebol.

As crianças não ficam imunes a esses fenômenos, e estão constantemente passíveis de apreendê-los de uma perspectiva de gênero, considerando que são masculinos os ídolos nas vitrines, uniformes e capas de revista. O consumo de produtos relacionados ao tema é praticamente todo focado na prática masculina.

Segundo dados do Ibope Repucom, no universo dos 70 milhões de brasileiros que se dizem “superfãs” do esporte em geral – aqueles que acompanham na mídia ou praticam a modalidade e também compram produtos ligados ao tema -, uma fatia de 42% se declara amante do futebol. 

Mesmo neste ano marcante para a projeção da mulher no esporte, não será apenas delas a atenção da mídia. Isso porque também em junho começa a Copa América de futebol masculino. Enquanto a feminina acontece na França, a Copa América será jogada por aqui, o que também soma na projeção que o evento recebe.

A Olga Esporte Clube – nossa parceira neste Especial – defende o esporte como uma ferramenta de empoderamento feminino.

“O machismo é uma das principais causas para uma relação deteriorada entre mulheres e esporte. Ele transforma as atividades físicas em instrumento de controle de peso e culto ao corpo, exclusivamente”

O fato de muitas meninas não gostarem de esporte muitas vezes está relacionado à falta de referência e incentivo na infância – em casa, na escola e na sociedade, englobando o território e também a mídia.

Essa conjunção de fatores pode fazer com que as meninas não vejam o esporte como possibilidade para elas. Não por acaso, o nível de sedentarismo no Brasil é maior entre as mulheres. De acordo com a Olga Esporte Clube, há uma “epidemia de estagnação física” no país que prejudica principalmente as meninas.

– No Brasil, quase metade da população não pratica nenhuma atividade física, sendo 50,4% das mulheres sedentárias contra 41,2% dos homens

– As crianças brasileiras são as mais sedentárias da América Latina.

– Esta é a primeira geração que terá uma expectativa de vida até 5 anos menor que a de seus pais.

– Se algo não mudar, os brasileiros serão 34% menos ativos em 2030 que em 2002.

(Fontes: Olga Esporte Clube/Ministério do Esporte)

Para contribuir com uma mudança dessa realidade, a Think Olga lançou uma pesquisa para entender qual a relação das mulheres com o esporte. A conclusão do experimento reforça o quanto abandonados o brincar envolvido no esporte em detrimento do desempenho.

“O lúdico, o gregário, o desafio, a diversão ficam de fora. Dentro de tudo o que o esporte pode ser, ficamos com uma pequena parte, que reforça a busca pelo corpo perfeito que nunca chega. Mas porque esta relação se estabelece? Por que os homens nunca deixam de brincar e nós logo abandonamos esta opção de lazer?”

“Quando somos crianças, somos naturalmente corporais. Correr, suar, jogar, é tudo parte da brincadeira”

O esporte e as fases da vida de uma menina:

– Até os 13 anos: experimentar modalidades e desenvolver a corporalidade. Esportes coletivos costumam ser testados nessa fase, como dança, vôlei e basquete.

– Chegada da menstruação: ganhar intimidade com o corpo e entender suas transformações. Nessa fase, é comum que as meninas percam a relação com o lúdico e passem a focar mais em corpo e bem-estar.

– A partir dos 18 anos: é aqui que as mulheres comumente passam a desejar o “corpo ideal”. Os motivos pelos quais as mulheres praticam passam a ser Saúde (64%), Bem estar (62%) e emagrecimento (53%).

O preconceito também se soma a estas barreiras, já que o mundo dos esportes é dos homens e as mulheres que se atrevem a participar são vistas como masculinizadas. Quase 25% das mulheres afirmam que já foram vítimas de preconceito. Uma em cada quatro. E esse número fica ainda mais alto nas periferias (29%). Uma em cada 3 mulheres de baixa renda são vítimas de preconceito por quererem praticar esportes.

“Sem grandes ídolos, temos dificuldades de nos inspirar. A forma com que o mundo olha para o esporte feminino é machista”

Um comparativo entre salários recebidos por Martha e atletas masculinos de renome global, como Neymar, por exemplo, já chegou a ser publicado diversas vezes em veículos de imprensa, como este do portal de jornalismo de dados Gênero e Número.

Porém, para além de analisar números isoladamente, é preciso pensar por que uma atleta como Marta não atinge o mesmo patamar de projeção e prestígio, e o motivo é um só: geração de renda, que por sua vez está diretamente relacionada à aderência social de uma determinada personalidade.

A Think Olga publicou um artigo em que pontua essa questão. A disparidade de gênero no esporte ultrapassa os números, é uma questão cultural complexa que deve ser analisada de perto. “Mesmo quando mulheres e homens recebem o mesmo tipo de premiação, ainda assim as atletas são desvalorizadas. Se compararmos os patrocínios que homens e mulheres recebem, existe um abismo entre os valores.

Na lista da Forbes dos 100 atletas mais bem pagos de 2017, que leva em conta salários, bônus e acordos publicitários, só havia uma mulher: a tenista Serena Williams, 51ª colocada. Ela recebeu 27 milhões de dólares, sendo 19 milhões somente em contratos de patrocínio. Já o tenista Roger Federer, por exemplo, aparecia na quarta colocação, com  seis milhões pelo trabalho em quadra, entre salários e premiações, mas 58 milhões de dólares em publicidade. Já na lista de 2018 não havia mulheres”.

Em linhas gerais, futebol masculino ainda é uma moeda simbolicamente muito mais poderosa que o feminino, ou seja, é aquilo que as pessoas querem consumir, portanto, é onde os investimentos se concentram.

 

Antes de começar este texto, propomos a você que faça um exercício. Por alguns segundos, tente recordar uma memória feliz da sua infância.

Muito provavelmente, você deve ter se lembrado de alguma atividade em movimento. Correto? Neste capítulo, sugerimos pensar sobre como é importante o movimento e o brincar livre para o desenvolvimento das práticas esportivas ao longo da vida.

Movimento é vida. Gente parada está morrendo devagar

 

É o que sustenta William Fernando Boudakian de Oliveira, representante da Rede Esporte Pela Mudança Social, que reúne 116 instituições em torno da crença no esporte como fator de desenvolvimento humano.

Segundo ele e outros especialistas da rede, é se movimentando que a criança conhece mais sobre si mesma e sobre o outro, aprendendo a se relacionar.  

O filósofo e psicólogo francês Henri Wallon, diz que as crianças, sobretudo as menores, falam com o corpo. Segundo ele, “o movimento é o primeiro sinal de vida psíquica na criança”. Antes mesmo da expressão verbal, ela apropria-se do seu corpo para mostrar o que quer com gestos ou outros movimentos que ilustram o que ela está pensando naquele momento.

Quando uma criança, por exemplo, quer contar algo sobre si mesma, é comum que fale do que consegue fazer relacionando com corpo: “eu já sei amarrar meu sapato” ou “eu consigo subir a escada sozinho”. Saber quem ela é, o que consegue fazer, num primeiro momento, pode ser marcado pela gestualidade e pelo movimento.

Sendo assim, ao manter uma criança imobilizada, podemos limitar fatores importantes para o seu desenvolvimento, como, por exemplo, a impossibilidade da articulação entre a emoção e a inteligência.

Como o brincar livre se relaciona com o movimento?

Em entrevista ao Lunetas, Felipe Pitaro e Edgard Arantes, coordenadores pedagógicos da Fundação Gol de Letra, organização que alia práticas educacionais e de assistência social ao desenvolvimento comunitário de crianças e famílias, afirmam que o brincar é uma aprendizagem social que precede a prática esportiva, e a complementa, pois “desenvolve a motricidade e o afeto, inclui os menos habilidosos e, cria relações de cooperação e apoio que podem colaborar para diminuir os impactos de hipercompetitividade esportiva”, dizem os especialistas do Instituto.

“Na medida em que as crianças crescem, os desafios, comparações e competições entre os indivíduos também crescem, com isso, o esporte ganha papel de destaque no final da infância e durante toda a adolescência, por ser uma atividade regulamentada, estruturada, com exigências motoras mais específicas que as brincadeiras”, afirmam.

Neste sentido, William de Oliveira, diretor Executivo do Instituto Rubens Barrichello, defende que a prática de atividade física nesta idade está longe de ser um acessório e precisamos cada vez mais integra-la ao nosso cotidiano, em nossa cultura. “Como muitos de nós tínhamos por prática, no brincar livre na rua, nas praças e pouco a pouco com a formação e ocupação desordenada das cidades, fomos perdendo”.

De acordo com um estudo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, esta é a primeira geração que terá uma expectativa de vida até cinco anos menor que a geração de seus pais. Na América Latina, as crianças brasileiras são as mais sedentárias e, se as tendências atuais continuarem, os brasileiros serão 34% menos ativos em 2030 do que eram em 2002.

“Ou a infância te priva, ou te liberta. Como ela vai libertar alguém que foi privado de brincar? Como a gente vai libertar a partir do jogo alguém que foi privado de brincar na infância?”

É o que afirma Diane Pereira de Sousa, empreendedora, gestora de projetos do Instituto Formação.

Prática esportiva e cidadania

“Eu não conheço algo que mobilize as pessoas tanto quanto o esporte”. A fala é de Diane Pereira de Sousa, gestora de projetos do Instituto Formação, organização que atua com desenvolvimento social no Maranhão.

Diane é especialista em esporte e cidadania e nasceu no interior do Estado do Maranhão, onde sempre teve uma relação íntima com a rua e com as pessoas que estavam na rua. “Eu nasci em um contexto de muita escassez material, mas num contexto de muita abundância criativa e de amor. Sempre fui muito motivada pela minha avó, quem me criou, a ir, a fluir, a criar, a imaginar possibilidades”.

Sua primeira relação com o esporte foi o brincar e todas suas possibilidades, tendo pouco acesso a brinquedos prontos e criando os seus próprios. “Não tinha bola, tinha que inventar uma bola. E inventar sempre na coletividade. Apesar de a gente sempre dizer que a rua tem uma hierarquia, a hierarquia da rua era entender que cada um tinha uma habilidade diferente e que poderia colocar ali dentro”, relembra.

“Onde eu nasci, a rua á parte da vida, você não consegue ser quem você é, se você não esteve na rua. Posso garantir que 40% do que eu aprendi na vida veio desse ambiente lúdico que meus amigos e eu montamos na rua”

Sua relação com o brincar, a paixão e habilidade com o esporte fez com que ela se transformasse em coordenadora da área de esportes do Instituto Formação. “Quando eu assumi esta área eu tive muitas ideias porque eu vivi a escassez de possibilidades e sabia que era possível adorar futebol e não necessariamente se tornar um jogador profissional”.

Diane foi também responsável pela Incubadora de Esportes e Cidadania, que trabalha com comunidades marginalizadas tanto em cidades quanto em áreas rurais no norte do país.

A abordagem de Diane chamou a atenção do governo do Maranhão, que começou a incluir seus métodos e materiais no currículo escolar. Programas de esporte para o desenvolvimento no Azerbaijão e em Moçambique também já adaptaram seu trabalho

 

“A incubadora surgiu para ser um canal que unisse várias perspectivas nessa construção e desconstrução de uma alternativa de esporte que não fosse elitizada. A proposta é entender que é importante ter esporte inclusivo, mas o que acontece na rua é importantíssimo também para que gente chegue a este conceito de inclusão”, revela.

Conheça aqui alguns projetos e metodologias sociais desenvolvidas na Incubadora.

 

Diane no potencial de mobilização em torno dos jogos que existe no Brasil. A proposta da incubadora é canalizar essa força de mobilização que qualquer um pode jogar ou só por aprender ou até se tornar profissional.  

“Eu desconheço algo que mobilize tanto as pessoas quanto o esporte”

Tornar o esporte acessível para que as pessoas tenham ele no seu cotidiano é a porta de entrada para que as pessoas se desenvolvam por meio do dele.

 

“Menina não sabe jogar”; “Mas você entende mesmo disso?”; “Quero ver se você sabe mesmo”.

Essas são algumas das negativas que meninas e mulheres recebem quando resolver se lançar em algum esporte. Puxando pela memória, é provável que você já tenha experenciado na pele ou presenciado uma história de exclusão em função do gênero, seja ela simbólica ou prática, real ou sugerida. E os números confirmam.

De acordo com um relatório da UNESCO sobre violência escolar e bullying, lançado em 2017, milhões de meninas e meninos sofrem violência relacionada ao ambiente escolar todo ano. O relatório destaca que a violência escolar é impulsionada por “dinâmicas de poder desiguais, que muitas vezes são reforçadas por normas e estereótipos de gênero, orientação sexual e demais fatores que contribuem para a marginalização – como pobreza, identidade étnica ou idioma”.

Com o intuito de estimular o desenvolvimento integral das crianças no ambiente escolar por meio do esporte, o projeto Impulsiona Educação, mantido pelo Instituto Península, oferece uma série de materiais pedagógicos voltados para professores, coordenadores e educadores com o tema meninas no esporte. Para acessar, é só entrar no site, efetuar um cadastro e baixar gratuitamente.

Um deles – o “Esporte não é coisa de menina?” começa explicando o que é gênero, apresenta histórias bem-sucedidas de mulheres no esporte e explica o que é desigualdade de gênero nos esportes.

“O material foi criado para fortalecer a discussão da igualdade de gênero nas escolas. Nós consideramos o esporte uma poderosa ferramenta para mostrar às meninas que elas podem ser o que quiserem e ocupar o lugar que desejarem na sociedade”, diz Vanderson Berbat, diretor do Impulsiona Educação Esportiva.

Recebemos constante retorno sobre uma participação mais ativa das alunas nas aulas, sentindo-se mais seguras para dialogar, argumentar e praticar as atividades propostas pelos professores”

É o que conta Berbat. Para ele, é um papel conjunto de toda a comunidade escolar contribuir para que a relação das meninas com o universo esportivo exista e se fortaleça.

“Diretores, professores, funcionários, todos podem colaborar para a formação de gerações menos opressoras, tanto fisicamente quanto psicologicamente. O ambiente escolar precisa mostrar às meninas que elas podem ser cientistas, escritoras, engenheiras, atletas… o que quiserem”, defende.

“A escola precisa ser um espaço democrático e inclusivo, que defenda os direitos das mulheres”

Preparar profissionais da educação para fomentar discussões sobre gênero também é uma premissa da ONU, já que igualdade de gênero é em si um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030.

 O que é gênero? “Papéis e maneiras de se relacionar adequados e esperados para homens e mulheres e que são ensinados e reforçados pela família, pela escola, por amigas/os, pela mídia e por uma série de instituições sociais.”

(Fonte: Esporte não é coisa de menina).

Para entender mais diretamente como o gênero afeta a relação das meninas com o esporte, o Lunetas conversou com Luciano Corsino, Doutor em Educação pela Unicamp e pesquisador do Flores Raras: Grupo de Estudos e Pesquisas Educação, Comunicação e Feminismos, da Universidade Federal de Juiz de Fora. Ao lado da pesquisadora Daniela Auad, ele conduziu a pesquisa Questões de Gênero na Educação Física Escolar.

Leia a conversa na íntegra:

  • Lunetas – O que motivou a sua pesquisa “Questões de Gênero na Educação Física Escolar”, e quais foram os maiores aprendizados?

Luciano Corsino – Minha grande motivação em estudar questões de gênero na Educação Física escolar foi a prática pedagógica. Após terminar a formação em Educação Física, fui trabalhar em uma escola da rede estadual de ensino de São Paulo e deparei-me com uma realidade que me chamou a atenção de forma negativa, as meninas eram recorrentemente excluídas durante as aulas, a maior parte delas parecia conformada, algumas questionavam e muitas demonstravam desinteresse pela maioria das atividades propostas. Isso me tocou enquanto professor e passei a estudar este fenômeno. Além de todo aparato teórico sobre as questões de gênero, a pesquisa que realizei e que depois foi transformada no livro “O professor diante das relações de gênero na Educação Física escolar”, contribuiu para que eu pudesse olhar para a minha prática pedagógica de modo a entender como as relações de gênero estavam pautadas em todas as ações cotidianas e como as metodologias, avaliações e os próprios conteúdos influenciavam e se relacionavam com as hierarquizações das diferenças de gênero, possibilitando maior reflexão sobre como superar os desafios que se colocavam.

  • Lunetas – Quando não recebem estímulo, as meninas podem se desinteressar pelo esporte na infância de forma permanente?

Luciano – É importante pontuar que o gosto pelas diversas manifestações da cultura corporal de movimento também é construído. O contato, não apenas com os esportes, mas com os jogos, brincadeiras, lutas, danças e ginásticas, desde cedo, é importante porque permite às crianças experienciar os movimentos e conhecer essas manifestações, mesmo que de forma adaptada às suas idades. Ao não serem encorajadas a praticar as manifestações da cultura corporal de forma diversificada, além de maior dificuldade na construção de repertório motor, as meninas apresentam maior probabilidade de não demonstrar interesse pelas manifestações ao longo de suas vidas. Um exemplo clássico é a falta de interesse da maioria das meninas pelo futebol e da maioria dos meninos pela dança. Geralmente, aquelas meninas em que a família permite brincar na rua, jogar futebol e brincar com os meninos desde cedo, tendem a construir um maior repertório motor, tornam-se mais habilidosas e acabam desenvolvendo o gosto por uma gama maior de esportes e outras manifestações.   

  • Lunetas – Na sua percepção, o que leva algumas pessoas a achar que meninas não são aptas para praticar determinados esportes?

Luciano – Trata-se de uma questão histórica, tivemos momentos em que mulheres não podiam praticar determinados esportes e as justificativas partiam de uma suposta natureza feminina. Hoje, os esportes são liberados para as mulheres no Brasil, porém, ainda há muitas falsas representações que reforçam o preconceito com as mulheres e meninas nos esportes e hierarquizam as práticas, determinando o que elas podem ou não praticar.  Muitas vezes, por não terem vivenciado de forma adequada e por isso não apresentarem níveis de habilidade equivalente à maioria dos meninos em determinados esportes, muitas meninas acabam concordando com a falsa representação de que o esporte não é para mulheres. Este cenário tem mudado de forma lenta, mas ainda existe e é responsável por determinar quem está apto para praticar determinada manifestação da cultura corporal. Não estou dizendo que meninas devem ser obrigadas a gostar de futebol e meninos de dança, por exemplo, mas isso se torna um problema quando o gosto por uma ou outra atividade é naturalizado, ninguém nasceu para o futebol, para luta ou para a dança, tudo depende do que nos é apresentado como possibilidade ainda na infância.

  • Lunetas – Como estimular nas meninas a relação com o esporte longe dos estereótipos de gênero?

Luciano – Não é possível anular os estereótipos de gênero para a realização de uma prática esportiva, pois eles estão em todos os lugares, nas falas, olhares, gestos, pensamentos, eles constroem nossa sociedade de modo desigual e hierarquiza as diferenças. No entanto, na infância, o maior estímulo para as meninas praticarem esportes e outras manifestações da cultura corporal é possibilitar as vivências de modo diversificado, permitir a reflexão sobre a participação das mulheres nos esportes, apresentar exemplos de grandes atletas mulheres que temos em nosso país e no mundo e sempre intervir e corrigir expressões usuais como “futebol não é para mulher porque é muito agressivo”, “eu não vou conseguir”, “menina não sabe jogar”. É preciso incentivarmos as meninas com palavras positivas e elogios e mostrar aos meninos que elas podem tanto quanto eles.

O que precisa mudar?

O debate sobre gênero e infância é sensível. Há muita interferência de mitos e interpretações misturadas ao medo e à falta de informação. O que se sabe, porém, é que cada criança nasce com uma genitália definida – com exceção de crianças intersexo (Explicação: Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria, “O intersexo é uma condição de nascença em que os órgãos sexuais e/ou reprodutivos não correspondem ao que a sociedade espera para o sexo masculino ou feminino”. Este dado, por si só, não define comportamento. É o que defendem psicólogos e especialistas.

“Embora as desigualdades entre homens e mulheres sejam construídas na esfera cultural e social, existe uma forte ideologia cuja intenção é fazer crer que a divisão dos papéis entre eles é naturalmente determinada pela condição biológica”, diz o plano de aula elaborado pela ONU “Estereótipos de gênero, carreiras e profissões: diferenças e desigualdades”, disponível online gratuitamente.

Segundo a ONU, é esse mito de que homens e mulheres têm maior ou menor possibilidade de exercer determinada função por conta de seu gênero que faz com que profissões ligadas ao cuidado, como Enfermagem ou Pedagogia, por exemplo, sejam majoritariamente ocupadas por mulheres e por consequência desvalorizadas como oportunidade de ascensão de carreira.

Em um estudo divulgado em 2009, o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID – mostra que, apesar do recente crescimento econômico e das políticas destinadas a reduzir as desigualdades, as diferenças salariais relacionadas a gênero e etnia continuam sendo significativas em nosso país. De acordo com a pesquisa, os homens ganham mais que as mulheres em todas as faixas de idade, níveis de instrução, tipo de emprego ou de empresa.”

Ou seja, os papéis de gênero – a forma como a criança irá vivenciar o seu gênero – é algo socialmente construído e vivenciado de acordo com o ambiente onde a criança está inserida. A partir dessa premissa, discutir os motivos pelos quais há mais homens que mulheres em determinadas profissões, é falar antes de mais nada sobre identidade cultural.

Apesar de esta ser uma leitura insuficiente para a complexidade do entendimento sobre o que é a cultura, é inegável que uma cultura se faz de pessoas, e pessoas reforçam um comportamento por aquilo que dizem, fazem e consomem. Incentivar uma relação com os esportes praticados por mulheres desde a infância pode ser então uma ferramenta de transformação de mentalidade que mais tarde poderá acarretar em uma mudança cultural.

Como qualquer outro assunto relacionado à educação das crianças, cabe lembrar que a responsabilidade é compartilhada: família, escola e território compartilham a missão de promover e incentivar o contato com referenciais positivos no esporte, assim como em qualquer outra área de atuação. E isso acontece com incentivo, de acordo com Berbat.

“É essencial destacar mulheres que fizeram e fazem a diferença. Isso serve para Educação Física, Ciências, Química, Física. Não adianta discutir gênero se você só citar homens nas aulas”

“Acontece muito de os meninos monopolizarem a quadra jogando futebol e as meninas ficarem isoladas com uma bola de vôlei ou outra brincadeira. É preciso mudar essa realidade, inserir novos esportes que misturem meninos e meninas”

A ONU considera o esporte como uma ferramenta poderosa para o empoderamento de meninas e de mulheres jovens e para o engajamento de homens pelo fim da violência contra as mulheres.

(ONU Mulheres)

“Apenas a ocupação da mulher nesses espaços quebrará a lógica vigente. E não é só a presença no espaço físico do estádio, elas têm que estar na torcida, nos campos, nos debates, na mídia”, explica Bianca Tavolari à Think Olga.

“A atividade física potencializa a autoestima, a liderança, o conhecimento sobre o próprio corpo e a ideia de direitos e deveres. Investir na liderança de meninas por meio dos esportes é uma forma de reduzir as desigualdades de gênero e modificar percepções, atitudes e comportamentos em todo o ambiente escolar”, defende Vanderson.

“Queremos usar o esporte para construir um futuro mais respeitoso para nossas filhas e filhos”

Assim, uma das conclusões possíveis diante dessa realidade nada mais é que um pensamento lógico: para que o esporte feminino se torne atrativo (para os clubes, para a mídia, para as pessoas), é preciso incentivo desde a infância; para que haja incentivo desde a infância, é preciso haver uma mudança sociocultural; e, para isso, é necessário articular comunidade, escola e família.

Sem dúvida, todos temos algum papel a ser desempenhado na hora de fortalecer as atletas femininas. Porém, políticas públicas que garantam acesso e segurança no esporte são o ponto de partida dessa mudança.

Políticas públicas

Quando o assunto é incentivo ao esporte no Brasil, uma das grandes discussões que é colocada em pauta por quem estuda o assunto é o conflito entre a promoção do esporte para todos, e o esporte de alto nível. O primeiro chama a atenção para a importância de estimular modalidades esportivas que agreguem e disseminem o espírito do esporte como transformação social. A segunda tem mais a ver com desempenho dos atletas, e requer investimentos mais concentrados do que igualitários.

A partir desse breve panorama, uma série de reflexões podem ser feitas. Como o Estado oferece oportunidades para que se crie uma relação prazerosa e saudável com o esporte desde cedo? Por que o futebol é historicamente o esporte em que mais se investe e, por consequência, gera mais receita? A educação física nas escolas é valorizada em pé de igualdade com outras disciplinas? Considerando as cisões socioeconômicas que são realidade em nosso país, para nenhuma delas parece haver uma resposta absoluta. São muitas as perguntas.

De acordo com a ONU e a OMS (Organização Mundial da Saúde), para cada dólar investido no esporte, são economizados três dólares na saúde pública.

No Brasil, o esporte passou a ser regulamento como política pública em 1937, com a criação da Divisão de Educação Física do Ministério da Educação e Cultura, e possuía caráter de ministério desde 1995, quando foi criado o Ministério do Esporte.

Com a posse do presidente Jair Bolsonaro, em 2019, houve uma redução de 50% das pastas públicas, e o esporte passou a dividir atenção com outras pautas. Por um lado, foco e investimentos, podem ficar pulverizados ou reduzidos, mas por outro, pode haver uma possível aproximação entre áreas que precisam dialogar). Com a extinção do ministério unificado para o esporte, foi criado o Ministério da Educação, Esportes e Cultura.

No site oficial da pasta, ela é definida como “responsável por construir  uma Política Nacional de Esporte. “Além de desenvolver o esporte de alto rendimento, o Ministério trabalha ações de inclusão social por meio do esporte, garantindo a população brasileira o acesso gratuito à prática esportiva, qualidade de vida e desenvolvimento humano”, diz o texto. Mas como isso acontece na prática?

William Fernando Boudakian de Oliveira, diretor executivo da Rede Esporte Pela Mudança Social (REMS), afirma que, no Brasil, ainda falta um olhar para quem mais precisa de estímulo.

“Nós temos uma política voltada para o esporte de alto rendimento e não temos uma legislação que garanta o acesso das camadas mais pobres”

“Houve avanços com o advento da Lei de Incentivo ao Esporte, onde empresas (tributadas sobre lucro real) podem doar 1% do IR devido e deduzir 100%, mas ainda é pouco, pois desse recurso, de fato 20% chega no esporte educacional, aquele que é feito nas periferias, no contra turno escolar, que ajuda as crianças da periferia e dos sertões”, diz William.

Na esfera nacional, é muito importante o governo ter um plano nacional e que atue para criar também um sistema nacional de esporte que dê conta de definir de forma mais clara os papéis de cada ente federativo e das organizações. De acordo com William, no Brasil, quem tradicionalmente toca o esporte que são os clubes e federações, além dos comitês olímpicos, paralímpicos, deporto universitário e deporto escolar.

“A REMs, com suas 116 organizações atendem hoje mais de 450 mil pessoas, mas temos um país com 64% da população inativa e uma política pública eficaz deveria estar de olhos nestes indicadores”, afirma o especialista.

“Nós, enquanto REMS, amamos o esporte em sua plenitude, por isso estamos construindo diálogos com governos estaduais, municipais visando a partir das experiências sistematizadas por diversas instituições a melhorar as políticas públicas”, explica William.

“Queremos priorizar aqueles que têm menos acesso”

Neide Santos: a mulher que faz 700 pessoas correrem no Capão Redondo

por Semayat Oliveira, do Nós, mulheres da Periferia

 

A capital paulista não investe em espaços para a prática de esportes. E chegar a tal conclusão é fácil. Basta olhar o Mapa do Observatório Cidadão, disponibilizado pela Rede Nossa São Paulo. Dos 96 distritos da cidade, 60 estão na pior classificação em relação ao número de equipamentos públicos municipais esportivos para cada 10 mil habitantes. O Capão Redondo é um dos bairros da lista, mesmo lugar onde Neide Santos começou a virar esse jogo.

Seu nome completo é Marineide Santos Silva e sua história começa em Porto Seguro, Bahia. Era lá que, quando criança, sem nenhum equipamento eletrônico, brincava de pega-pega, amarelinha, pula corda e de subir em árvores. Aos 14 anos, em 1967, veio morar com sua mãe nos cortiços das periferias de São Paulo em busca de um futuro próspero. Sua vida era trabalhar e estudar, ao mesmo tempo.

O Capão foi o território que a acolheu  e o termo “correria”, gíria muito usada na terra da garoa para conotar “falta de tempo”, define bem o cotidiano de Neide na época.

Correr era o que ela sempre gostou de fazer, desde criança, e foi o que ela continuou fazendo nas horas vagas, mesmo casada e com um filho. Aos 20 anos, Neide perdeu seu companheiro assassinado pela polícia na região em que morava.

Passados alguns anos, casou-se novamente e tornou-se mãe de mais duas crianças. As corridas continuavam, pelo bairro ou em maratonas. Foi em 1999 que um pedido mudou a rota de sua vida. Maria Gonçalves, uma vizinha, também nordestina e já chamada por ‘senhora’ neste período, disse para Neide: “Minha vida está toda errada. Me ajuda? Eu quero praticar algum esporte”.

No mês de setembro dos ano 2000, um choque. Marc, seu filho mais velho, foi assassinado após um assalto. Ele, que também corria, sempre dizia que a mãe deveria trabalhar com crianças.

Foi então que ela criou a ONG Vida Corrida, no Capão Redondo, para incentivar a prática esportiva entre mulheres e crianças.

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Juh na várzea: o futebol pelas lentes de uma mulher

por Jéssica Moreira, do Nós, mulheres da periferia

 

“No campinho ou no terrão, o futebol é o esporte mais democrático”, é o que diz Jucimara de Lima, 27, quando tece comentários sobre aquilo que é a sua matéria-prima na hora de fotografar: os dribles ou passes de meninas e meninos que, feito ela, também amam futebol.

Natural de Minador do Negrão, em Alagoas, Jucinara cresceu paulistana, já que chegou à terra da garoa ainda com um ano de idade. Desde então, vive no Jardim Paulistano, no bairro Parada de Taipas, região norte da cidade de São Paulo.

Juh na Várzea, como é conhecida nas partidas anônimas que acontecem pelas quebradas, sempre foi apaixonada pela modalidade. “Sempre fui torcedora, tanto do [ futebol] de várzea quanto do profissional. Louca, apaixonada pelo Corinthians, ia em caravana, ia em estádio, sempre fui aquela torcedora chata que grita, que xinga, que vibra”, conta.

Embora acompanhasse o futebol profissional com vibração, Juh nunca deixou de prestigiar os jogos que aconteciam nos campos de chão vermelho ou chinelo no asfalto em sua própria quebrada.  Quando criaram o time local, o Monte Azul -formado por alguns de seus amigos – Juh se interessou ainda mais em acompanhar as partidas.

“Sempre torci, sempre estava nos jogos da várzea, não só deles, mas em todos que rolavam. E é uma paixão, foi quando eu comecei a curtir fotografia, comecei a tirar foto do Monte Azul”.

Na época, a pequena câmera no estilo cybershot era a única coisa que Juh tinha em mãos para registrar os momentos mais marcantes dos jogos. Foi na brincadeira com os amigos que ela entendeu que tinha que traçar seu futuro unindo o futebol à fotografia. “Casei os dois. E a fotografia esportiva é demais, é o que eu quero e busco todos os dias atingir ao máximo porque eu curto demais”.

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Time da Amizade: “o futebol é nosso remédio”

por Jéssica Moreira, do Nós, mulheres da periferia

 

São 16h de uma quinta-feira. O dia está cinza, anunciando a chegada do frio em São Paulo. Dentro do Centro Esportivo Brigadeiro Eduardo Gomes, o movimentar da bola esquenta não só o corpo, mas também o coração das mais de vinte meninas, entre 9 e 28 anos, que pouco a pouco chegam para o treino  de futebol do Time da Amizade, na Parada de Taipas, zona norte da periferia da capital paulista.

Nas duas próximas horas, os vinte e cinco metros de comprimento por dezessete de largura da quadra plastificada e coberta serão o lugar do riso, do abraço e até das pequenas desavenças que nunca ultrapassam a rede que separa o jogo da arquibancada.

É aqui que as meninas da periferia encontram o refúgio e o remédio para esquecer, pelo menos por um tempo, os problemas que persistem do lado de fora. O Time da Amizade Feminino foi criado em 2012, pelo então metalúrgico e hoje aposentado Waldomiro Jorge, 54, que desde 1999 já treinava os meninos da região, diante da tentativa de ampliar os espaços de lazer para os próprios filhos e demais crianças do entorno.

A ideia do time surgiu dentro da própria Cohab de Taipas, quando Waldomiro integrava a equipe organizadora das Olimpíadas da Cohab e convidou garotas que já jogavam aos fins de semana em uma escola pública local para integrar o time que se iniciava. Naquele ano, levaram a medalha de ouro, o que serviu como inspiração para continuarem jogando. Hoje, elas colecionam diversos troféus, medalhas e até tiveram fotos expostas no Museu do Futebol, em 2014, além de terem colegas de time que se tornaram jogadoras profissionais.

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Meninas no tatame: projeto incentiva prática de jiu-jitsu na zona norte de São Paulo

 

O ringue de lutas e o tatame foram os lugares que Talita Moreno, 32,  decidiu trilhar sua trajetória. Empreendedora de uma academia de Muay Thai e Jiu-Jitsu, junto ao marido, se consolidou profissionalmente. O esporte a fortaleceu para enfrentar desafios e bater de frente com o machismo.

O Muay Thai surgiu em sua vida aos 15 anos, quando se apaixonou pela modalidade. Já foi campeã brasileira por dois anos, e lutou no WGV – um dos maiores eventos do ramo das lutas, entre outros campeonatos importantes.

As artes marciais, desde muito cedo, a ajudaram a acreditar que não haviam limites pelo fato de ser mulher. Assim como a luta transformou a trajetória de Talita desde a infância, essa inspiração serviu de combustível para que ela impulsionasse outras crianças para o mesmo caminho.

A partir dessa vontade de ver outras crianças evoluindo através do esporte, Talita decidiu criar o projeto social de jiu-jitsu no bairro do Jaraguá e região, periferia da zona norte de São Paulo.

A turma é composta em sua grande maioria por meninas, que dividem com meninos os aprendizados que esse esporte possibilita.

A ação social existe desde quando começou profissionalmente a lutar. Em meados de 2005, criou um projeto de capoeira na garagem de sua casa. Desde então, muda-se a modalidade, mas o objetivo continua o mesmo, estimular as crianças por meio do esporte.

Talita sabe da responsabilidade que carrega, e que muitas crianças a veem como espelho, por isso, se dedica para que essa inspiração seja motivadora para acreditarem em seu potencial.

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Poesia nos pés: jovem de Parelheiros incentiva leitura e esporte

Por Lívia Lima, do Nós, mulheres da periferia

 

“Talentos diferenciado / Objetivos interligados
Acreditamos que a ocupação mental pode salvar vidas / Mas nos colocam de lado /
Estão tratando com descaso / A gente que vive e atua na periferia / Nóis é zica…Fica em choque, vai BABILON, fica! / Não somos tão frágeis / Também suamos a camisa”

Esses versos de Chaiane Ezequiel da Silva, a MC Chai, estão no livro “Perifeminas – Nossa história”, coletânea de textos de mulheres periféricas publicado em 2013, organizado pela Frente Nacional de Mulheres no Hip Hop. E o nome da obra foi a inspiração para Sidineia Chagas fundar junto com suas irmãs o time de futebol e projeto social “Perifeminas F.C” no extremo sul da cidade de São Paulo.

Moradoras do Barragem, bairro rural da região de Parelheiros, a cerca de 49 quilômetros do centro de São Paulo, as irmãs Sidineia, Sideilde, Silvia e Silvani, que já jogavam futebol desde a época de escola e também em times femininos na comunidade, organizaram a partir de 2014 partidas de futebol entre mulheres e homens nas quais a regra era usar roupas do sexo oposto.

Em 2016, as irmãs foram convidadas para mais um jogo com o desafio de formar um time para a disputa, e chegaram a reunir quase 30 jogadoras. “No dia do jogo o time adversário masculino não compareceu e desde então as mulheres passaram a se encontrar todas as tardes de domingo”, conta Sidineia.

Atualmente o projeto Perifeminas F.C é composto por 18 meninas e mulheres, entre nove a 39 anos, além de um time masculino infantil e juvenil – o Perifemanos – com 17 meninos, na faixa etária de nove a 14 anos.  Os dois times se reúnem aos sábados, na quadra da Escola Estadual Professor Joaquim Álvares Cruz, para treinar e participar de festivais e campeonatos.

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