‘Posso sentar também?’: empatia é chave da inclusão para crianças

Juntas, as crianças reconhecem e festejam suas características, dispostas aos detalhes e às sutilezas que as distinguem

Mariana Rosa Publicado em 27.05.2019
Inclusão das crianças: Foto de um menino na cadeira de rodas sorrindo e sendo empurrado por outra criança.
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Resumo

"Como a cadeira cabe no carro?", "É confortável?". Essas são as perguntas que as crianças costumam fazer para Alice em sua cadeira de rodas. "As crianças festejam as sutilezas que as distinguem", diz a mãe, Mariana Rosa. Confira o texto novo de nossa colunista.

“Eu fui a primeira a reparar que a Alice está na nova cadeira de rodas, sabia?”.  Ao ouvir a simpática afirmativa, abaixei-me a meio metro do chão, à altura de um par de olhos vibrantes que me encaravam e piscavam seguidamente, feito passarinho na espreita. Ali, à porta da sala de aula, estacionei a cadeira que levava minha filha Alice, e nós três, eu, ela e a menina curiosa, conversamos sobre a novidade.

A colega nos contou suas impressões: conforto, beleza e imponência foram as características que ela listou, à sua maneira, a respeito da nova cadeira de rodas. Disse, ainda, que tinha se sentado na cadeira, com Alice em seu colo, porque achou justo que, na posição de amiga, também manifestasse (ou não) sua aprovação. Toda essa compreensão emoldurada por uma fala aguda, entusiasmada e risonha de criança, que minha pequena acompanhou com inequívoco semblante de alegria, o melhor de seu repertório de comunicação.

Faz alguns meses que as duas meninas se juntam na escola. O suficiente para a colega compreender a importância que a cadeira de rodas tem para Alice e sua família, sem que nenhuma palavra sobre isso tenha sido dita.

Ela ainda não sabe ler as palavras, mas lê o mundo a partir de genuíno sentimento.

A cadeira de rodas, por si só, compõe esse contexto rotineiro, assim como os brinquedos, o quintal, o balanço, a casinha na árvore, as galochas, e tantos outros elementos que formam a rica mobília da convivência. Cada coisa com seu valor afetivo, com seu vínculo e importância. A cadeira de rodas, não há dúvida, é o lugar da Alice.

É o que a traz para a escola, para o tanque de areia, para o galinheiro, para a cozinha, para a mesa do lanche, para a casa dos colegas. É onde ela tira cochilo, espera por sua família, brinca de pega-pega, faz massinha e pintura. Uma companheira para Alice, uma companhia para seus colegas da escola que não passa sem ser notada.

Lá vem Alice em sua carruagem, anunciam as crianças quando ela chega. ‘Vou abrir o portão para a Alice. Deixa que eu empurro.

Posso me sentar também? Como cabe essa cadeira no carro? Nossa, como é confortável! Esse pneu resiste a um buraco? Hoje a roupa da Alice está combinando com a cadeira”. Elas reparam, comentam, perguntam, acolhem com espontaneidade, assim como fazem com tudo o mais que os interessa. É claro que a troca da cadeira não passaria despercebida! A cadeira de rodas, a pequena menina sabe, é muito importante para a Alice. Por isso, fez-se também importante para ela.

Como amiga, ela ressalta as qualidades da cadeira porque sabe que esse simples gesto será capaz de elevar os sentimentos da Alice. É o seu jeito de abraçá-la, de dizer que se importa com ela e que ela é bem-vinda em sua vida. Guiadas pela amizade, as duas singulares meninas tomam o mundo pelas mãos, abrem os olhos e o peito para as descobertas que podem fazer. Calibram o olhar com a curiosidade e a ação com o afeto. Verdadeiramente se encontram, todos os dias, como se fosse a primeira vez.

Juntas, reconhecem e festejam suas características, dispostas aos detalhes e às sutilezas que as distinguem.

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