Nas matas, rios, mares e cidades habitam muitos outros personagens incríveis, para alegria dos amantes de boas histórias e da sabedoria da cultura popular
A jornalista e pesquisadora Januária Cristina Alves reúne no livro “Abecedário de personagens do folclore brasileiro” dois anos de intensa coleta de dados acerca dos mais relevantes personagens do folclore nacional.
Saci-Pererê tem sempre uma perna só? Você conhece a selvagem Onça da Mão Torta? Já ouviu falar do cangaceiro Lucas da Feira? Ele realmente existiu! Seres como estes que você conhece e outros de que nunca ouviu falar estão reunidos no livro “Abecedário de Personagens do Folclore Brasileiro”, organizado por Januária Cristina Alves e ilustrado por Cezar Berje, e coeditado pelas Edições Sesc e FTD Educação. Finalista do 60º Prêmio Jabuti, a obra apresenta um dos nossos mais importantes patrimônios imateriais do país.
Lobisomem, Mula sem Cabeça, Boto, Bumba meu Boi, figuras como o auspicioso Hipocampo, a selvagem Onça da Mão Torta, o monstruoso Arranca-Língua, a desafiadora Teiniaguá, o vingativo Poronominare, o perturbador Tutu, o feroz Anhangá e a horrível Pisadeira fazem parte desta investigação bibliográfica.
“Os personagens do folclore brasileiro sempre foram uma das minhas grandes paixões como leitora. Ao longo da minha vida não só ouvi e li muitas histórias do nosso folclore, mas também fui montando uma biblioteca particular com muitos livros a respeito”, contou Januária Cristina Alves, jornalista, escritora e pesquisadora da cultura popular brasileira ao Lunetas.
“Quando fui convidada a elaborar o livro, sistematizei essa pesquisa, ampliando as fontes, especialmente com a ajuda da internet. Durante três anos coletei informações, chequei os dados e cotejei com as fontes mais conhecidas, como Câmara Cascudo, que é o nosso pesquisador de cultura popular mais conhecido”, completa a pesquisadora.
O resultado de todo este trabalho é a apresentação de mais de 140 personagens da cultura popular catalogados, suas características físicas e psicológicas, origens e o enredo do qual fazem parte, além das obras de autores ou pesquisadores em que foram citadas.
“Ao meu ver, o ponto alto da pesquisa é a variedade de fontes e a diversidade de olhares sobre os mesmos personagens. Creio que consegui traçar um panorama muito rico e diversificado dos personagens mais significativos do nosso folclore”, pontua. Há personagens de diversas origens – indígena, africana, europeia e oriental – como elemento constituinte da cultura brasileira. São humanos, bichos e seres fantásticos, que convivem e se misturam nas histórias populares.
No mergulho que resultou no Abecedário, a autora contou com a arte de Cezar Berger, o Berje, responsável pelo desafio de dar rosto a seres que, em vários casos, nunca tinham recebido representação visual. Suas ilustrações ressaltam as características físicas dos seres, mas também seus traços de caráter ou os enredos dos quais fazem parte.
O folclore é o nosso maior patrimônio imaterial. Seus personagens, suas histórias, suas músicas, danças, manifestações artísticas, nos contam sobre quem somos, quais as influências recebemos, o que constitui o nosso imaginário.
Para Januária Alves, uma criança que conhece bem tradições aprende desde cedo a compreender a sociedade em que vive, quais costumes herdou, começa a entender os comportamentos que vê na escola, na rua, entre seus familiares.
“Conhecer a cultura fará dessa criança um ser humano mais empático, compassivo, capaz de compreender o que nos iguala e nos diferencia dos outros seres humanos. Em tempos de intolerância tais características são imprescindíveis para se formar cidadãos capazes de produzir transformações importantes na nossa sociedade”, defende.
As histórias de tradição oral contêm não apenas elementos mágicos que nos ajudam a elaborar questões eternas da humanidade como quem somos e para onde vamos, mas especialmente, elas nos ajudam a encontrar razões para sermos quem somos e outras tantas, para transformar o que precisa ser melhorado.
Segundo a autora, os personagens do folclore brasileiro nos mostram diversas soluções para problemas antigos, saídas para questões que consideramos complexas ou insolúveis, são um exemplo de superação. “Elas não são bulas ou manuais de instrução, mas possibilidades de acesso a um mundo que, de tão desconectados de nós mesmos que andamos, já esquecemos que existe e que está aí, disponível para quem quiser ler, ver, ouvir e repassar”, finaliza.
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Há uma diversidade de definições do conceito de “folclore” e de “fato folclórico”. Em geral elas reconhecem uma origem principalmente popular, mas influenciada em vários níveis pelas tradições cultas; um caráter espontâneo, de criação não programada; a tradicionalidade, ou seja, uma transmissão regular através das gerações; a funcionalidade, atendendo a uma necessidade objetiva de uma coletividade; e a aceitação coletiva, devendo constituir prática autêntica. A Unesco definiu folclore como “sinônimo de cultura popular”, “representa a identidade social de uma comunidade através de suas criações culturais, coletivas ou individuais, e é também uma parte essencial da cultura de cada nação.”