‘A mãe que pariu o mundo’, um livro de cordel sobre parto normal

"A mãe que pariu o mundo", da cordelista Mariane Bigio, traz uma versão mitológica da criação do mundo, que é gestado por uma estrela-mulher

Da redação Publicado em 18.10.2018
A poeta Mariane Bigio grávida segurando o cordel A mãe que pariu o mundo com uma das mãos, e com a outra alisando a barriga.

Resumo

"A mãe que pariu o mundo", da cordelista Mariane Bigio, traz uma versão mitológica da criação do mundo, que é gestado por uma estrela-mulher. A história foi criada em homenagem à sua mãe e a todas as mulheres para celebrar a maternidade real.

Falar sobre parto natural em uma roda de amigos, colegas de trabalho ou familiares nem sempre resulta em acolhimento. Ao contrário, o assunto ainda gera preconceito, quase sempre por conta da desinformação e da imagem que a mídia e a publicidade transmitem sobre o tema. Frases como “Mas pra que passar por essa dor se a Medicina evoluiu tanto?” costumam ser frequentes.

Por isso, é motivo de comemoração quando vemos o parto normal virando assunto de obras culturais, que exercem uma função fundamental na construção de referências positivas na sociedade.

A artista Mariane Bigio, autora do canal “Cordel Animado“, criou um cordel especificamente sobre parto, chamado “A mãe que pariu o mundo”. Foi o primeiro cordel dela, que hoje é reconhecida nacionalmente pelo trabalho que exerce no canal, apresentando histórias da literatura infantil para as crianças a partir do cordel.

“O parto normal é a forma mais ancestral de parir. Dialoga diretamente com o ato de contar historias, que através da tradição oral ultrapassa gerações”

Mariane também é mãe, poeta e cantora, e tem um trabalho musical todo dedicado ao tema da maternidade, o EP “Nosso bebê”, com composições que falam sobre gestação, parto e encontro entre mãe, pai e bebê.

 

“Sou senhor do infinito/ quero muito colorir/ o universo é a tela, e de ti irá surgir a prima obra-prima o mundo irás parir”, diz o texto.

Premiado em um concurso da prefeitura de Recife (PE), a proposta do livro nasceu como uma ideia de prestar uma homenagem à sua mãe, e como possibilidade de pintar um retrato da maternidade mais fiel à realidade da centenas e milhares de mães pelo Brasil afora, que não são perfeitas e têm sim direito ao medo e à angústia.

Conversamos com a artista para saber mais sobre a iniciativa, e contribuir para difundir a ideia de que a mulher é capaz, sim, de resgatar em si mesma o empoderamento necessário para parir uma vida com ajuda da natureza, se assim ela desejar.

Confira a entrevista com Mariane Bigio

  • Lunetas – Como surgiu a ideia de fazer um cordel sobre parto?

Mariane Bigio – A ideia foi fazer uma versão feminina da criação do mundo. O parto é para mim o momento mais sublime, em que nós conhecemos o mundo, e então ele passa a existir pra quem acabou de nascer. Nós nascemos, e o nosso mundo também começa ali. Foi o meu primeiro cordel, eu estava nascendo ali para a minha trajetória poética.

“Escrevi esse cordel em homenagem à minha mãe, pois ele retrata um bocado das dores, medos e angústias que toda mãe sente ao gestar, parir e educar um filho”

  • Lunetas – Por que falar sobre o assunto parto com as crianças?

Mariane Bigio – Concepção, gestação e parto são sempre assuntos de difícil abordagem com as crianças, mas é preciso conversar com mais naturalidade, pois é algo que faz arte do dia a dia delas. Acredito que é possível enfrentar esse tabu com leveza e ludicidade, sem subestimar a compreensão dos pequenos, e de acordo com cada faixa etária.

Esse cordel que escrevi não tem classificação indicativa, é para todos os públicos, e pode ser um pontapé para conversar sobre o assunto que permeia a curiosidade dos pequenos.

“Acho que todo pai e mãe já se deparou ou irá se deparar com a pergunta ‘de onde vem os bebês?'”

  • Lunetas – Como você enxerga o imaginário popular sobre o assunto parto natural, em relação ao preconceito e a desinformação?

Mariane Bigio – Acho que a desinformação é o problema mais grave. Ela se transforma em medo, e nos deixa vulneráveis diante de quem detém o conhecimento, e assim, somos dominadas. Mas precisamos nos informar, todos nós – pais, mães, avós, avôs, e mesmo as crianças, para que esse momento, seja o mais especial possível, de acordo com as particularidades de cada caso, e de acordo com as vontades e possibilidades de cada família.

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Divulgação/Cordel Animado

Mariane Bigio é escritora, contadora de histórias, cantora e Rrdialista. Ministra oficinas de literatura para crianças, jovens e educadores.

  • Lunetas – Ao seu ver, de que forma falar abertamente sobre o assunto enquanto sociedade contribui para o empoderamento da mulher em suas escolhas de parto?

Mariane Bigio – Acho que esse é único caminho, tornar natural o que já é natural. O parto normal é a forma mais ancestral de parir. Dialoga diretamente com o ato de contar histórias, que através da tradição oral ultrapassa gerações até hoje.

Ao mesmo tempo, os avanços da medicina nos permitem escolhas que em outros tempos não teríamos acesso. Mas é um desafio seguir acreditando no parto normal, com tantas informações a favor da via de parto cirúrgica. Assim como é um desafio contar histórias e trabalhar com a oralidade, em tempos de tantos apelos tecnológicos.

A cesariana é muito bem-vinda quando necessária. Eu mesma precisei de uma para trazer meu bebê ao mundo, depois de ter tentado a forma natural. Percebo que as doulas estão sendo cada vez mais procuradas, e as rodas de parto são cada vez mais frequentes, para compartilhar informações e viabilizar esse empoderamento. Em paralelo, as rodas de histórias e os contadores de histórias estão ganhando cada vez mais espaço na contemporaneidade.

“Acredito que tudo isso faça parte de um movimento de busca pelas origens, pelo que há de mais intuitivo e instintivo dentro de nós”

Por fim, como autora do romance de cordel “A Mãe Que Pariu o Mundo” afirmo que me tornar mãe ressignificou minha relação com o mundo, e com o próprio texto que eu escrevi, há onze anos atras. Vivi na pele o enredo dessa histária, ao dar a luz ao meu pequeno Jorge.

Em setembro deste ano, a literatura de cordel se tornou Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro, pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). No Lunetas, comemoramos a notícia conversando sobre o assunto com duas mulheres cordelistas, Jarid Arraes e Mariane Bigio leia aqui.

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