♬"Meu pé, meu querido pé" ♬Conversamos com Helio Ziskind sobre produção cultural para crianças, novas mídias, o YouTube e a infância contemporânea
Autor das músicas do Cocoricó e do Castelo Ra Tim Bum, Hélio Ziskind acredita que a cultura é o que solidifica o aprendizado das crianças. "Uma criança que cria vínculo com a cultura acessa uma parte invisível do mundo. E o traz para dentro de si", disse ao Lunetas.
Não é arriscado dizer que quase todo brasileiro, gente grande ou gente pequena, conhece pelo menos uma música do cantor e compositor Hélio Ziskind. Ele é o autor da música “Ratinho tomando banho”, “Ratinho escovando os dentes”, Abertura do Cocoricó, e outras tantas que fazem parte das muitas infâncias.
Ziskind fez parte do Grupo Rumo, banda que incluiu a chamada “Vanguarda Paulistana” nos anos 80. Ainda naquela década começou a fazer músicas para crianças e compôs as canções do Cocoricó, Castelo Ra Tim Bum, Glub-Glub, Rá-Tim-Bum e X-Tudo, todas produções da TV Cultura. Hoje tem um canal no Youtube, o Zis é o Canal, em que coloca suas composições em forma de animação.
No Lunetas, acreditamos que a música faz parte da construção do mundo interno e externo da criança, sendo muito importante para seu desenvolvimento. Nesta entrevista conversamos com Hélio Ziskind sobre produção cultural para crianças, novas mídias, o YouTube e a infância contemporânea.
Comprometido com uma produção que não passe uma visão estereotipada de criança e inspirado por artistas como Jorge Drexler, Philip Glass, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque, Emicida, Silva e Beatles ele segue produzindo coisas que se eternizam na vida das crianças. Hélio acredita que as obras criadas para crianças “são boas quando se tornam brinquedos”.
Hélio Ziskind: Minha infância foi boa. Nadava bastante. Brincava de pegador na piscina do [Clube] Hebraica usando o trampolim de cinco metros. Caçava objetos no ralo do fundo da piscina. Minha mãe tinha uma loja de joias, e no fundo da loja trabalhava um ourives que derretia ouro num cadinho usando maçarico a gás. Derretia ouro pra fazer anéis e alianças. Era muito encantador o brilho do ouro. Desde os seis anos estudei violão e cantava Roberto Carlos. Gostava de Elis Regina, Jair Rodrigues e Wilson Simonal. Sair de Pinheiros (eu morava na Teodoro Sampaio) até a USP (Universidade de São Paulo) de bicicleta, era uma aventura no meio do mato. O bonde parava embaixo da janela do meu quarto. Fazia um guincho agudo, mas eu só dormia depois de o bonde passar. Sou filho único, brincava muito sozinho.
“Acho que ficar no estúdio compondo e mexendo com timbres é um pouco como brincar sozinho”
É uma sensação muito boa. Não pelo “eternizaram”. Mas por ver as minhas ideias indo parar na boca e na cabeça de outras pessoas. A gente se sente pertencendo ao mundo. Um dia fui visitar a Casa do Zezinho, um lugar que eu admiro muito, e tinha lá a letra do “Ratinho Tomando Banho” (Banho é Bom) pintada na parede. Tenho letras em livros de escola, professores e músicos me escrevem, pais e crianças que sentem que as minhas canções os incentivaram a ser músicos. Pra mim, que sempre me senti um outsider, é uma alegria, uma honra que estufa o peito da gente.
Cada geração canta a vida com a sua voz. Quando eu era criança não havia internet. Havia menos informação e mais tempo pra “deglutição”. Era uma delícia ir a loja de discos com meu pai e comprar três discos de vinil. Chegar em casa e ouvir na Telefunken, um aparelho gigante cheio de luzes e com um som espetacular. Muito melhor do que esse sonzinho de quinta categoria que sai de um tablet. Quantas crianças já ouviram um som com fone de ouvido? Muita coisa mudou. Mas é difícil dizer se um é melhor que outro. E certamente algumas coisas não mudam: criança quer brincar e saber quem vai cuidar dela.
As coisas que uma criança aprende são como tijolos. A cultura é como o cimento: interliga, solidifica, constrói.
“Uma criança que cria vínculo com a cultura acessa uma parte invisível do mundo. E o traz para dentro de si”
Eu, quando era criança, não escutava música de criança. Escutava o Fino da Bossa, Jovem Guarda, Jorge Ben. Mas escutava também as histórias cantadas da coleção Disquinho. Criei pra mim um slogan: “música pra criança gostar de música”. Acho que as obras criadas para crianças são boas quando as crianças as tomam para si como brinquedos. E são importantes quando criam pontes que ligam a criança à cultura como um todo.
Novas mídias facilitaram o acesso. Mas tem uma quantidade gigante de porcaria. Experimentar é a vida das crianças. Filtrar é a vida dos pais e dos educadores.
Estou de fato vivendo uma aventura no Youtube. Consegui aprender a fazer vídeos (com meu parceiro e irmão musical Ivan Rocha), a lidar com animações e ilustrações para canções. Estamos há um ano trabalhando para esse canal chamado Zis, criando vídeos com canções. Está sendo bastante sofrida essa passagem para o mundo digital, porque a gente trabalha muito mas não sabe como vai ganhar para viver. O CD acabou, o DVD acabou, e tudo está na internet. Com o agravante que, na maioria das vezes, as pessoas escutam nosso som num autofalante de tablet. Não é fácil. Mas os vídeos estão ficando bacanas. Temos planos para fazer o Gigante da Floresta em vídeo e traduzir canções para inglês e espanhol. E quem sabe, um dia, tocar na China!
Conteúdo educativo é tudo que um professor ensina na escola. O conteúdo da música é outro. A música cria vínculos afetivos. Por exemplo, eu fiz uma canção chamada “Tu Tu Tu Tupi”, que fala das palavras que vieram do tupi guarani para o português. A canção nos faz decorar uma lista de palavras. Mas quando chega no estribilho, a “frieza da lista” se aquece: todo mundo tem um pouco de índio dentro de si; todo mundo fala língua de índio, tupi guarani. A canção alça voo quando cria um vínculo afetivo com o assunto.
“Acho que a mãe de todos os problemas é quando você imagina que a criança é um ser o tempo todo em festa”
Há uma ideia de que a música pra criança tem que ser animada, eufórica, com arranjos fortes sem muita variação de climas, andamentos ou intensidades. Minha vivência com crianças é outra. Elas gostam de explorar o mundo sonoro, gostam dos sons fortes e gostam muito dos fracos. No Castelo Ratimbum , no quadro do “Passarinho, que som é esse?”, recebi mensagens de mães de crianças de dois anos que se encantaram com harpa, trompa e cítara indiana. Se você considerar: a Coleção Disquinho, Arca de Noé, Saltimbancos, Partimpim, Música de Brinquedo (Pato Fu), Palavra Cantada, Pequeno Cidadão (e há muito mais!), a gente vê uma enorme quantidade de coisas ótimas. E são muito diferentes entre si. Ou seja, onde há vínculo com a música, onde há, de fato, músicos se expressando, a qualidade comparece.
“mundo da cultura, há gostos muito diferentes, é difícil dizer o que tem e o que não tem qualidade. Mas é fácil dizer se ali há um músico presente ou não”
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