Livro apresenta ’50 brasileiras para conhecer antes de crescer’

50 heroínas da vida real - das letras, das artes, da política, da ciência, das quadras, do povo, das ruas

Renata Penzani Publicado em 05.10.2017
Ilustração interna do livro 50 brasileiras incríveis para conhecer antes de crescer mostra Carolina Maria de Jesus

Resumo

De Chica da Silva a Cora Coralina, 50 mulheres que mudaram a História. "Podem ser famosas, ou alguém que você conheça de perto, como sua mãe ou sua avó".

“Carolina era uma menina muito sabida. Dedicada também. No dia em que ela se deu conta de que sabia ler, juntando as letras diante de um cartaz de cinema, chegou em casa correndo: “Mamãe, eu já sei ler”. A mãe não acreditava: “Está ficando louca?”. Ela buscou o primeiro pedaço recortado de jornal numa gaveta e provou. As letras das placas na rua, agora juntas, faziam tudo ter sentido em sua vida. (…) Escrevendo em cantos de caderno que encontrava no lixo, compôs poemas, músicas e um diário contando seu dia a dia na favela. A vida não era justa com as pessoas pobres, e ela bem sabia disso”.

A história acima conta a trajetória de vida da escritora Carolina Maria de Jesus (1914-1977) até conquistar o espaço que hoje ocupa na literatura brasileira, e está no recém-lançado livro infantil “50 brasileiras incríveis para conhecer antes de crescer” (Galera Record), organizado pela jornalista Débora Thomé.

Ao seu lado, estão outras 49 heroínas da vida real – das letras, das artes, da política, da ciência, das quadras, do povo, das ruas. Do século XVI até os dias de hoje, heroínas sem capa nem poderes mágicos que atendem pelo nome de Cora Coralina, Clarice Lispector, Cecília Meireles, Chica da Silva, Princesa Isabel, Clementina de Jesus, Nise da Silveira, Pagu, Lygia Clark, Maria da Penha.

Não por acaso, o livro todo foi criado por mulheres. Além da organizadora das biografias, foi também uma mulher quem diagramou, revisou e editou. Todos os perfis são ilustrados por mulheres, cada um por uma artista diferente. Até mesmo as tipologias do livro são criações femininas, e as últimas páginas do livro se dedicam também a apresentá-las uma a uma.

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Com a proposta de mostrar a meninos e meninas desta geração que nem só de heróis masculinos são feitas as histórias e a História com letra maiúscula, o livro já diz a que veio no texto de abertura. “Este livro é dedicado às 104.772.000 mulheres que habitam este país. Um livro só não daria conta de todas elas, mas sabemos que cada uma a seu modo está construindo uma história cheia de aventuras e desafios. Que, antes de crescer, você possa ainda conhecer muitas dessas brasileiras incríveis”.

Ampliando o repertório

Quantas das histórias que conhecemos quando crianças nos lembramos quando ficamos adultos? Dentre elas, quantas são protagonizadas por mulheres? A literatura infantil nem sempre foi esse terreno da diversidade e múltiplas formas de ser e estar no mundo como conhecemos hoje. Seu início no Ocidente foi marcadamente moralizante e didatizante, e surgiu em um contexto escolarizado em que a prioridade era formar indivíduos obedientes e capacitados a continuar as coisas como são.

Porém, ainda que em menor número se comparados aos heróis masculinos da literatura infantil, as protagonistas infantis estão ali e merecem ser revisitadas, como Pippi Meialonga, Matilda, Alice, e, claro, a boneca falante e curiosa Emília, de Monteiro Lobato.

“A literatura exerce um papel fundamental na construção da identidade das crianças; por meio dos personagens, elas reforçam suas qualidades, diferenças, particularidades, e assumem seu lugar no mundo”

Mas também é possível fazer isso com exemplos reais, palpáveis e ainda mais potentes no sentido de estabelecer conexões com a criança. É justamente esta a intenção deste livro.

Como quem narra uma história despretensiosa antes de dormir, ele dá voz a jornadas impressionantes, e conta para o leitor que a primeira mulher a tirar licença para saltar de paraquedas no Brasil foi uma mulher, ou que existiu uma mulher com a coragem necessária para se disfarçar de menino e lutar pela independência do país. Com a leveza de uma narração que mais parece ficção, a criança fica sabendo que já existiu um tempo em que era tão difícil ser mulher que era preciso tentar não sê-lo, afinal.

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Reprodução/Fanpage do livro

A autora do livro, Débora Thomé.

“Todas são mulheres que mudaram seu tempo e seu lugar. Que recusaram modelos impostos, seguiram criando e trabalhando e pagaram o preço dessa ousadia quando necessário”

“É preciso uma coragem gigantesca para sair do papel designado para você. A maioria tenta encontrar brechas para cumprir com o destino que sente ser o seu. O papel das mulheres, ao longo da história, sempre foi o doméstico, de ficar dentro de casa. É muito difícil romper com isso e ir para o mundo”, observa a autora, Débora Thomé.

Confiando no potencial da literatura infantil para começar diálogos importantes para o desenvolvimento emocional da criança, o livro não poupa os pequenos de temas considerados tabus, como a morte, a sexualidade, a violência – assuntos com os quais a criança irá inevitavelmente irá se deparar ao longo da vida.

“Era uma vez uma heroína triste, que passou pelas maiores dores do mundo na sua vida, mas que soube, com o que lhe sobrou de energia, ajudar outras mulheres também. Esta é da mais duras histórias, mas esperem até o final, pois as coisas às vezes demoram, mas melhoram”, diz a abertura da história sobre Maria da Penha. Nela, as crianças ficam sabendo que foi uma história real de dor e agressão que motivou a criação da Lei Maria da Penha, em 2006.

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Divulgação/Record

Personalidades históricas e contemporâneas são retratadas lado a lado.

“Longe de viverem felizes para sempre, o marido era um sujeito violento, como tristemente acontece em muitas casas no Brasil e no mundo. Existem homens que acham que, por serem mais fortes, podem bater em suas esposas”, diz a história.

“Pensei muito no que a Débora criança gostaria de ler e tenho clareza de que a vida não é feita só de belezas. A gente conta a história de mulheres que foram escravizadas. Ao mesmo tempo, uso muitas referências do universo infantil em detalhes e imagens. Por exemplo: a Aracy de Carvalho, que ajudou um número enorme de judeus a fugir da Alemanha nazista, é tratada como uma espécie de fada madrinha. A Carlota, primeira deputada federal mulher do Brasil, usava um chapeuzinho branco no mar de chapéus negros dos colegas homens”.

Perfil de Aracy de Carvalho, companheira de Guimarães Rosa

“Quem tem a cabeça no lugar pode desconfiar de muita coisa, mas todo mundo sabe que fada madrinha é algo que existe desde que o mundo é mundo. Nem sempre elas têm varinha de condão ou sabem voar, mas são boas em resolver os problemas que todo mundo diz que são insolúveis.”

Ao apresentar a trajetória dessas poetas, artistas, atrizes, ativistas, professoras, bailarinas, arquitetas, atletas, o livro mostra que é possível revolucionar o mundo de muitas maneiras diferentes. “Podem ser do tipo famosas, ou mesmo alguém que você conheça de perto, como sua mãe ou sua avó, uma tia, uma professora. Elas certamente terão muita coisa para contar”. Assim, este é um livro que não acaba: as últimas páginas, em branco, são reservadas às narrativas que ainda virão, e convidam a criança a preencher com suas próprias heroínas.

Saiba mais sobre o livro “50 brasileiras incríveis para conhecer antes de crescer”.

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