Separação, morte, violência, solidão. Como falar sobre esses assuntos, tão difíceis também para gente grande, com os pequenos?
Como as histórias pensadas para o público infantil podem ajudar a iniciar conversas sobre assuntos difíceis de abordar, como luto e solidão? Conheça essas dicas de livros que tratam estes e outros assuntos com sutileza e naturalidade.
Separação, morte, violência, solidão. Aí estão alguns temas considerados “tabus” para crianças. No entanto, conversar com os pequenos sobre eles é fundamental para estabelecer vínculos emocionais e afetivos, e proporcionar um ambiente de segurança, não só no ambiente escolar, mas também em casa, com a família e os amigos. A literatura infantil pode ajudar – e muito – nessa tarefa.
Para Odilon Moraes, um dos principais escritores, ilustradores e pesquisadores do livro para a infância no Brasil, as histórias possibilitam um exercício de empatia maior do que a própria experiência da realidade. “A arte inventa uma vida para que a gente se veja nela. A literatura é uma entrega à alteridade, é o que nos permite ser outros. Nesse sentido, ela propicia uma oportunidade maior de empatia do que a própria vida. É só pensar em quantas vezes, na vida, olhamos para alguém em situação ruim e pensamos ‘ainda bem que é ele e não eu’. Na literatura, se pensarmos isso, não estamos sendo leitores de verdade; quando lemos, o personagem somos nós”, explica o autor.
O trato delicado aos temas difíceis é uma forte característica da obra de Odilon. Seu próximo título, “Olavo”, que está previsto para o início de 2017 pela editora Jujuba, desconstrói estereótipos infantis e contará a história de uma criança melancólica. Para o autor, quanto menos estereotiparmos a criança, mais aproximação conseguimos com seus conflitos, que são intrínsecos ao a qualquer ser humano. O mais importante, nesse sentido, é considerar a criança como um ser íntegro e, portanto, com suas próprias questões existenciais. “Criança também sente tristeza”, ressalta.
Para ajudar na conversa com os pequenos, preparamos uma seleção de alguns títulos que trabalham temas como abandono, melancolia, morte e solidão de forma delicada e natural:
1. “Íris: uma despedida”, de Gudrun Mebs (Pulo do Gato)
A personagem central deste livro, ao contrário do que pode parecer à primeira vista, não é Íris, e sim a sua irmã. Quando a menina do título é hospitalizada em função de uma grave doença, a história focaliza a experiência de sua irmã no processo de entendimento e aceitação do que acontece em seguida. Com linguagem precisa e delicada, o livro acompanha a trajetória do luto da criança, que passa pelas imagens simbólicas da cama vazia e do silêncio que recai sobre a casa e a família. A doença da personagem é metaforizada por flores azuis que aos poucos vão tomando conta do corpo da menina, em um mecanismo simbólico de aproximar o desconhecido do universo palpável infantil. Uma história que mostra como, às vezes, a criança encara a dor da perda com mais facilidade do que os próprios adultos.
“Pedro e Lua” foi considerado o Melhor Livro do Ano para Crianças de 2004 pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). O livro de Odilon Moraes fala sobre uma improvável amizade entre um menino e uma tartaruga. Repleto de metáforas e simbologias com a etimologia do nome de “Pedro” e o substantivo “pedra”, o livro apresenta um personagem extremamente sensível e motivado pelas emoções humanas. A história tem como assunto central a saudade e a solidão, e como lidamos com o que está fadado a viver longe de nós. Em 2018, o livro , originalmente publicado pela Cosac Naify, ganhou uma nova edição pela editora Jujuba.
“Amarrotado” é um adjetivo inusitado para definir como uma pessoa se sente, não é mesmo? Neste livro, a ilustradora e escritora Aline Abreu nomeia poeticamente um sentimento difícil de decifrar, porém, fácil de identificar em todo ser humano. Depois de passar por uma grande perda em sua vida, a personagem deste livro se confronta com o que até então nem tinha nome. O desconhecido da perda e a sensação de abandono a fazem se sentir cada vez mais “amarrotada”. Uma narrativa tocante, que aborda a relação entre pai e filha, e os sentimentos de afeto e saudade.
A história do escritor e ilustrador franco-brasileiro nos apresenta Nicolai, um menino calado e introspectivo que expressa suas emoções por meio dos desenhos que faz. No papel rabiscado com canetinha, surgem sentimentos tão opostos quanto alegria e desilusão, tristeza e euforia, representados por bichos, plantas e paisagens. Um livro para lembrar da importância de deixar as crianças livres para expressar sentimentos da forma que se sentirem mais confortáveis e, mais do que isso, que faz um alerta para que pais, professores e cuidadores propiciem um ambiente de conforto para que as crianças manifestem como estão se sentindo.
Em uma cidadezinha em que a principal diversão das crianças é matar passarinhos com tiros de bodoque, um menino se deixa levar pela necessidade de aceitação. Em uma aventura rica em detalhes em que texto e imagem se unem para contar a história, o protagonista é confrontado com o bullying e o assédio psicológico dos colegas, o que culmina numa atitude que faz o menino se arrepender de agir conforme aquilo que esperam dele. Um livro que abre espaço para conversar com os pequenos sobre individualidade, aceitação social, violência e integridade emocional. “O Matador” recebeu o prêmio Jabuti em 2009.