Foi por volta dos quatro anos que Felipe Veras, 15, participou pela primeira vez de um trabalho voluntário, na ONG Terra Livre, que desenvolve programas socioeducacionais, em Goiás. Junto com a mãe, a educadora parental Lela Santos, e o irmão mais velho, Gabriel, de 17 anos, ele aprendeu a doar um pouco de seu tempo para ajudar comunidades locais em situação de vulnerabilidade social. “O trabalho voluntário é muito importante porque tem uma troca de sentimentos e de energias positivas”, diz Felipe.
Lela, que há quase 20 anos é voluntária, recorda de quando levou os filhos à ONG. “Eles deviam ter entre quatro a cinco anos. Entregamos doações e, enquanto eu resolvia questões práticas com a equipe, eles ficaram brincando com as crianças que tinham a mesma idade. Depois, almoçaram todos juntos e já estavam totalmente enturmados. Foi uma cena linda de se ver”, lembra.
Desde então, o trabalho voluntário faz parte da rotina de Felipe. Segundo ele, uma das ações mais marcantes foi durante a Semana da Solidariedade, que acontece anualmente na ONG. A programação traz adolescentes voluntários de outros países para conhecerem, por meio de palestras e vivências, a realidade brasileira. “Outra ação que me marcou foi na minha escola, quando ajudamos a construir a casa de uma senhora. Colocamos tijolo e tudo. Foi bem valioso porque foi uma experiência social”, conta.
Voluntariado desperta mais empatia e vínculos familiares
Lela Santos diz que as atividades de voluntariado podem ajudar crianças e adolescentes a criar ou aprimorar qualidades socioemocionais. Do mesmo modo, confirma a característica do voluntariado em reforçar o vínculo familiar.
“Acredito totalmente no voluntariado como ferramenta de vínculo parental. A gente vai achando que vai doar, e, claro, doa. Mas recebemos muito mais!”, ressalta a educadora, que também criou a ONG Gema Transforma e toca o projeto “Ser Voluntário”, que incentiva pais e filhos a voluntariar juntos.
“As mães, que geralmente vão com as crianças e adolescentes, relatam que na volta para casa sempre surgem boas conversas. Tem adolescentes que choram, por exemplo, e muitos pedem pra voltar outra vez”, conta.
Parte desse sentimento Felipe já conhece muito bem, pois entende que a participação em atividades voluntárias proporciona ensinamentos que vão além de uma doação. “Quando estou lá, fazendo a alegria das crianças, eu também recebo alegria. Então, fico feliz por deixar felicidade no coração delas”, afirma. Junto a outros adolescentes, ele ajuda na recreação com as crianças, na organização das doações e no bazar de roupas.
Felipe já começou o trabalho de formiguinha entre os conhecidos. Foi assim que levou mais uma amiga para participar do voluntariado na Terra Livre. “Ela adorou e quis voltar. Pretendo levar mais amigos”, relata. “O importante de fazer voluntariado é que, além de trazer alegria para o coração das crianças, elas trazem para o seu e também fortalece o seu currículo”, diz.
“Você muda a forma que vê a realidade e desenvolve mais solidariedade, que é uma virtude muito importante.”
‘Solidariedade’ é a palavra que inspira
Qualquer atividade em que o tempo é usado livremente para beneficiar outra pessoa, grupo ou causa é considerado trabalho voluntário. Nesse sentido, para crianças e adolescentes, é uma boa maneira de ajudar a desenvolver valores como compaixão, solidariedade e compromisso com a mudança social.
Conforme a Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, realizada pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS) em parceria com o DataFolha, existem 57 milhões de voluntários ativos no Brasil. Além disso, a pesquisa aponta que “solidariedade” foi a palavra que descrevia a motivação dos voluntários.
Essa motivação também inspirou o estudante Igor Talaska, 16 anos. Assim, incentivado pela mãe, a bióloga e educadora Paulin Talaska, ele participa junto com o irmão gêmeo de trabalhos voluntários desde a infância. Paulin conta que as primeiras ações envolviam participar de atividades nas creches próximas de onde moram, em São Paulo, e também de doações de brinquedos e dias de visita.
“Desde muito cedo, eu e os meninos tivemos o privilégio de conhecer muitas comunidades pelo Brasil devido à natureza do meu trabalho, que é produzir viagens educativas e experienciais para escolas de São Paulo e de outros estados”, explica Paulin.
Durante a pandemia, a família criou a campanha “CorAção”. Mãe e filhos se mobilizaram para arrecadar fundos e distribuir cestas básicas, máscaras, kits escolares e livros para instituições beneficentes de educação infanto-juvenil em regiões vulneráveis. “O Igor acompanhou as ações de compra e separação de insumos para as doações que fizemos. Foi um projeto longo e que envolveu toda a família”, lembra a mãe.
Atualmente, Igor é voluntário na cozinha Pão do Povo da Rua, projeto social que produz e distribui pães e bolos para as pessoas em situação de rua, que vivem no Centro de São Paulo. Apaixonado por gastronomia, ele quer se tornar chef, por isso, uniu a paixão pela cozinha com a do voluntariado.
“O que me motiva a participar de trabalhos voluntários é o sentimento de poder ajudar”, explica Igor. “É um sentimento muito forte e benéfico, pois há várias situações em que esse trabalho é uma das únicas esperanças e oportunidades que as pessoas têm de receber alguma ajuda.”
“Você sempre pode ajudar alguém e trazer algum tipo de conforto com esse trabalho.”
Doar o que temos e o que sabemos fazer de melhor
Joana, 8 anos, não conseguiu ficar parada após ver a tragédia no Rio Grande do Sul com as enchentes deste ano. Foi então que ela e a mãe, a biomédica Fernanda Vidarte, decidiram ajudar. A família se reuniu no restaurante do tio de Joana, em Porto Alegre, para organizar as doações de roupas e o preparo de refeições para as pessoas desabrigadas.
Na época, a menina ajudou a separar e a preparar os kits de higiene, organizar o tamanho das roupinhas dos bebês e os kits de lanches. “Ela já acordava perguntando que horas iríamos para o local. Entramos no restaurante no final da manhã e saímos só a noite”, lembra a mãe.
Acostumadas a realizar pequenos atos voluntários, como doar brinquedos e roupas, a ação durante a tragédia climática foi uma experiência marcante para as duas. “A Joana já era uma criança que tinha essa característica, mas me surpreendeu o querer dela porque demonstrou vontade de ajudar e entendia o que acontecia ao nosso redor de forma muito madura, sem se assustar”, lembra Fernanda.
Do mesmo modo que Joana sentiu a necessidade de ajudar as pessoas, a estudante, atriz e bailarina Pérola Magalhães, 17 anos, decidiu ajudar com seu conhecimento e representatividade. Em Itaboraí (RJ), ela ministrou aulas de dança afro-brasileira para crianças e adolescentes de seu bairro e de terreiros de axé, durante as comemorações do Dia da Consciência Negra, em novembro.
Foi então que Pérola percebeu que as oficinas influenciaram positivamente muitas coisas nas crianças. “Ajudou na confiança e autoestima, no orgulho da pele, do cabelo, da cultura e de quem são. Tudo isso é razão somente para orgulho, mas para algumas dessas crianças e adolescentes antes era tabu”, explica.
“Essas oficinas me fizeram feliz porque pude influenciar positivamente a vida de uma criança”
Quais os benefícios do voluntariado para as crianças?
Com a ajuda de Lela Santos, educadora parental e idealizadora do projeto Gema Transforma, o Lunetas listou os principais pontos positivos de engajar as crianças e os adolescentes em atividades voluntárias. Confira:
- Inspira doações e cria empatia: o ato de voluntariado oferece a chance de todos se colocarem no lugar dos outros. Além disso, as histórias de pessoas com diferentes origens podem contribuir para a formação de um senso mais profundo de empatia.
- Responsabilidade social: desenvolve o senso de responsabilidade social nas crianças e adolescentes, pois oferece uma experiência de aprendizado única, fora do ambiente tradicional da sala de aula.
- Desenvolve habilidades sociais: do trabalho em equipe à resolução de problemas, o voluntariado oferece oportunidades para descobrirem seus talentos e desenvolverem novas habilidades sociais.
- Aumenta a autoeficácia e a autoestima: as crianças podem compreender a diferença que conseguem fazer na vida de outras pessoas. Por isso, notam que o impacto das ações positivas pode aumentar a confiança nas próprias capacidades.
- Maior conexão familiar: promove a comunicação entre toda a família, cria memórias preciosas e reforça os vínculos.
- Aperfeiçoa o currículo: enriquece o futuro currículo profissional, pois o voluntariado trabalha a flexibilidade e a ampliação de visão nas crianças e adolescentes.