Pouco mais de um mês das primeiras enchentes, 119 mil estudantes das redes municipais e estadual de ensino do Rio Grande do Sul seguem sem aulas. Segundo o último boletim divulgado pela Secretaria da Educação do Estado (Seduc), mais de 37 mil não têm previsão de retorno, o que pode comprometer o ano letivo.
Os impactos que a catástrofe climática causou em 475 cidades afetaram mais de 2 milhões de pessoas. Nos dias mais críticos, quase 64 mil pessoas ficaram desabrigadas, inclusive professores, alunos e funcionários da educação. Além disso, mais de mil escolas foram danificadas ou estão servindo de abrigo. São 55% do total de 2.340 escolas no estado.
“Não há previsão para voltar às aulas. Agora é esperar baixar as chuvas para depois pensar nessa retomada. Houve a tentativa em Porto Alegre na última semana de maio. Mas a enchente voltou e impediu novamente a normalidade”, conta Helenir Schürer, presidente do Sindicato dos Professores e Funcionários de Escola do Rio Grande do Sul.
Na madrugada de segunda-feira, 3 de junho, o nível do Guaíba voltou a subir. O índice atingiu 3,8 metros, ultrapassando a cota de inundação no centro de Porto Alegre. Com as incertezas, muitas escolas não conseguiram retomar as atividades. Segundo a Seduc, 2.028 escolas já retornaram, no entanto, Schürer diz que ainda é baixo o número de funcionários e professores. “Temos muitos professores que perderam tudo e também estão abrigados, assim como muitos alunos. Eles estão em diferentes abrigos, longe um dos outros, longe do local onde tinham as escolas”.
Qual é a perspectiva para as novas escolas?
Embora o sindicato ainda não tenha se reunido com a Seduc para definir os próximos passos, a secretária de educação, Raquel Teixeira, disse em entrevista à Folha de S.Paulo que o Governo está discutindo a instalação de escolas de campanha nas cidades mais afetadas. Segundo ela, essas unidades podem ser construídas “de lona ou de outro material”.
Para Schürer, essa não parece ser a melhor solução. “Está chegando o inverno no sul, com temperaturas abaixo de zero. Então, quais as condições de trabalhar nessas escolas de campanha? Só podemos voltar às atividades quando tivermos certeza de que professores, funcionários e alunos poderão chegar na escola”, diz.
Por isso, o pedagogo de emergência e terapeuta social, Reinaldo Nascimento, alerta para a importância de repensar as estruturas de acordo com a emergência climática. “A escola deve ser o local onde as crianças se sentem seguras e confortáveis”. Então, ele sugere “equipar as novas escolas com materiais que acolham as pessoas em casos extremos. Isso requer ter espaços para colchonetes, estoques de alimentos não perecíveis e outras estratégias para que possam servir de abrigos”.
Nesse sentido, Guilherme Lobo, advogado do Instituto Alana, reforça a necessidade de adaptar escolas e cidades. Em audiência pública na Corte Interamericana de Direitos Humanos, em Brasília, com foco em emergência climática, ele falou sobre como planos de adaptação e outras políticas ambientais precisam, com urgência, priorizar a segurança e vida de crianças e adolescentes. Elas devem garantir: “protocolos de resposta a eventos climáticos, ambientes escolares adequados, soluções baseadas na natureza e, principalmente, a escuta e participação qualificada de crianças nos processos de decisão”.
“Não é só arrumar o prédio”, reforça a representante dos educadores, Helenir Schürer, mas “considerar como a comunidade escolar será acolhida depois de passar por situação de traumas e perdas. Para a professora Carolina Santos, fundadora do Vozes da Educação, uma vez que “se as pessoas estão vivendo um momento difícil, a aprendizagem não acontece“, disse em live. Por isso, é preciso cuidar de quem cuida, inclusive ofertando apoio psicológico para esse retorno.
O que doar?
O que fazer enquanto isso?
A ação de voluntários nos abrigos também está centralizada em acolher crianças e adolescentes. Em alguns locais, são promovidas brincadeiras livres, rodas de leitura e contação de histórias, por exemplo. No entanto, enquanto o planejamento de retorno às aulas não é uma garantia, a Seduc ressalta a importância de não parar as atividades. “Estamos trabalhando com psicólogos, equipes da Associação da Pedagogia de Emergência e Núcleo de Cuidado e Bem-Estar. Temos mais de 600 pessoas formadas para criar um ambiente seguro e acolhedor nas escolas”, declarou a secretária Raquel Teixeira, em live feita na semana passada.
À princípio, a Seduc debate junto da comunidade escolar como será o retorno das aulas e o acolhimento às vítimas. Além disso, disponibilizou um canal no WhatsApp para professores receberem materiais didáticos e orientações para esse momento emergencial. Outra ação foi a abertura de escolas para a entrega de merenda escolar mesmo com aulas paralisadas.
Para o órgão, uma preocupação geral é a evasão escolar, principalmente no ensino médio. Por isso, a recomendação da secretaria e das universidades é que haja “aulas comunitárias fora dos espaços tradicionais. Também a atuação dos alunos de licenciaturas junto aos professores da rede estadual”.
Como cuidar das crianças após eventos climáticos extremos?
Considerando a prioridade absoluta para a proteção de crianças e adolescentes em casos de desastres climáticos, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) elaborou uma lista de recomendações que seguem os protocolos de emergência climática e de proteção dos direitos humanos.
As ações envolvem o poder público estadual, municipal e federal, e também sugestões para a sociedade civil (conselheiros tutelares, voluntários da área da saúde e assistência social, por exemplo).
Dentre os principais pontos focados no acolhimento de crianças e adolescentes desabrigados, identificação, proteção à saúde física e psicológica, estão:
- Garantir a participação e a escuta das crianças e adolescentes em todos os processos em que elas estejam envolvidas, considerando as suas opiniões, sugestões e sentimentos.
- Evitar demissões e manter os salários dos trabalhadores do cuidado de crianças e adolescentes.
- Contratação emergencial de pessoas qualificadas para realizar atividades educacionais, culturais, lúdicas voltadas às crianças e aos adolescentes e seus responsáveis, para atuação em alojamentos provisórios.
- Os órgãos de referência em educação, saúde, segurança pública, assistência social, serviços jurídicos gratuitos, bem como os Conselhos Tutelares deverão funcionar, em regime de plantão ou sobreaviso, em caráter permanente.
- Comunicar imediatamente à autoridade policial e ao Conselho Tutelar os casos de suspeita ou confirmação de violência contra crianças e adolescentes ocorridos no interior de alojamentos provisórios.
Um mês após as primeiras campanhas de doações para as vítimas das enchentes do Rio Grande do Sul, a ONG Ação da Cidadania, uma das principais intermediárias das doações, relata que houve uma queda de 90% na arrecadação de quantias em dinheiro, por exemplo, em relação aos primeiros dias de campanha.
De acordo com a Defesa Civil do Estado, ainda há mais de 37 mil pessoas vivendo em abrigos e mais de 500 mil desalojados. Nesse cenário, governo e equipes de voluntários explicam que as doações não podem parar, sobretudo alimentos, kit de higiene, água potável, roupas e material escolar.
O Movimento Global de Apoio à Adaptação Climática do Rio Grande do Sul, Beyond, lançou o projeto a campanha “Livros para o Rio Grande do Sul”. O objetivo é arrecadar livros de literatura infantil, livros didáticos, HQs e gibis para bibliotecas escolares e comunitárias. As doações podem ser feitas em São Paulo e no Rio Grande do Sul. Mais informações estão disponíveis nas redes sociais da Beyond.