Você sabia que as crianças são expostas à publicidade infantil a cada três minutos? Apesar de ser uma prática ilegal e abusiva, a velocidade que as informações se espalham no ambiente digital dificulta o controle da recepção infantil a anúncios, fomentando práticas consumistas já na primeira infância.
Além do estímulo ao consumo tradicional, muitas crianças atuam como youtubers e/ou influencers mirins: atividades que são consideradas trabalho quando realizadas por adultos, ainda são relativizadas quando feitas por crianças.
No primeiro dia do evento “As infâncias na era de convergência digital – 4º Fórum Internacional Criança e Consumo”, Deh Bastos (iniciativa Criando Crianças Pretas), Humberto Baltar (coletivo Pais pretos presentes) e Inês Vitorino (LabGrim – UFC) conversam sobre a exploração comercial infantil ontem e hoje. Também participam Maria Mello, coordenadora do programa Criança e Consumo, Ana Lúcia Vilela, presidente do Instituto Alana, e Pedro Hartung, mediador do painel.
“Criança precisa ser livre para ser criança”
E isso só é possível em um mundo onde a publicidade não seja predatória desde a primeira infância. Além de massivo, o consumo sempre foi direcionado a e pensado por pessoas brancas, sendo comum que muitas crianças negras não tivessem referências para se enxergar com amor. “A mídia, a própria formatação do comercial na televisão, que era o que me atingia quando eu era criança, fez parte desse imaginário permeado pelo racismo. Era um lugar onde eu não me via. Isso é muito cruel e perverso para a infância”, conta Deh Bastos. Muitos pais ignoram que o consumo na infância molda personas de consumo, afetando a percepção que os pequenos têm desde cedo sobre si e o mundo. A publicitária também reflete sobre o espaço do ócio na rotina das crianças:
“Eu sou contra o hiperestímulo, criança precisa de tédio. Criança precisa dar mais trabalho do que deixar o filho apenas na internet”
Para Inês Vitorino, a convergência digital reflete no significado de “publicidade 360º”: “ela não só está em todo lugar, como está concebida para estar em todo lugar”, conta. Os produtos já nascem transmídia e o estímulo ao consumo vêm de diferentes formatos, sendo mais difícil preservar a criança nesse novo ecossistema. Inês ressalta que essa é uma missão não apenas das famílias, mas também de escolas: “se essa cultura invade a vida da criança, a escola tem que tratar, discutir, e não ser espaço de marketing”. Diversas ferramentas educacionais inclusive trazem hiperestímulo a curtidas e outros comportamentos que alimentarão bancos de dados para publicidade infantil posterior, aponta.
Para Humberto Baltar, o consumo também direciona impressões sobre o lugar social em que as crianças pretas ocupam. Como muitas vezes o consumo está atrelado diretamente à leitura social recebida pela pessoa, múltiplos desdobramentos surgem a partir das relações interpessoais atravessadas pelo consumo. “A gente entende que se não tiver determinados símbolos de poder, status, de um lugar social, a gente não vai ser reconhecido”, conta. “Se eu saio com determinado relógio, a forma de me tratarem é uma. Com outro relógio, a forma já muda. Isso faz com que a gente pense em tudo isso na criação do nosso filho”, diz.
Após o painel, foi lançada a publicação “O futuro da infância no mundo digital – ensaios sobre liberdade, segurança e privacidade”; a palestra internacional “Infâncias, consumo e big data”, com Jeff Chester (Center of Digital Democracy, EUA); e o encerramento ficou por conta da cantora Luedji Luna, com as canções “Banho de folhas” e “Ameixa”, feita para o filho Dayó, de 1 ano, em parceria com o marido Zudizilla.
O primeiro dia de evento está disponível na íntegra no canal do YouTube do programa Criança e Consumo e você pode acompanhá-lo aqui:
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* O painel “Exploração comercial infantil: consumismo ontem e hoje” faz parte da programação do evento “As infâncias na era de convergência digital – 4º Fórum Internacional Criança e Consumo”. A programação completa pode ser conferida mediante cadastro gratuito no site do Criança e Consumo.