Olá, boa noite! A mãe não está, ela saiu com algumas amigas para se divertir e deve demorar. Se o assunto for sobre minha filha, pode falar comigo. Como pai, tenho total conhecimento sobre tudo que a envolve e saberei resolver.
Apesar de haver uma consciência maior para uma nova ideia de paternidade em que os pais devem compartilhar integralmente com as mães responsabilidades relacionadas aos seus filhos, e não se limitarem aos papéis de provedor financeiro ou “ajudante” do lar e da maternidade, isso ainda está longe de se tornar realidade.
Para escrever este artigo, fiz um breve levantamento informal de opinião com aproximadamente 100 pessoas (pais e mães casados, pais e mães separados, mães solo, homens e mulheres sem filhos e especialistas, com diferentes perfis sociais e econômicos). Não houve ninguém que discordasse da necessidade de aumentar a responsabilidade dos homens sobre os filhos, ou pelo menos, que tivesse coragem de externalizar opinião oposta.
No entanto, quando buscamos entender o que representa, no dia a dia, essa participação mais ativa dos pais nas atividades diárias, verificamos que o discurso é divergente da prática.
Como chegamos até aqui
Desde a origem dos primeiros modelos de organização social, a família segue uma estrutura patriarcal, em que os homens, por causa de sua capacidade física, cumpriam a função de proteção e caça; enquanto as mulheres, pelas limitações provocadas pelo período gestacional e de amamentação, se dedicavam aos cuidados das crianças e do espaço de convivência.
Tiago Koch, idealizador do Homem Paterno, uma das principais redes de paternidade do país, comenta:
“Trazer para as paternidades o carinho, a expressão dos sentimentos e emoções era visto como uma fraqueza, como algo que poderia deixar os filhos mimados, principalmente os filhos meninos”
Com o avanço da história e do desenvolvimento das capacidades humanas, o homem acabou sendo favorecido na seleção das funções e a mulher ficou abaixo da hierarquia social, ampliando as desigualdades entre os gêneros.
Como driblar as barreiras para se fazer presente
Lembro que quando a bolsa da minha esposa estourou, ao tentar chegar na maternidade, fui surpreendido por um trânsito incomum. Um grupo de manifestantes havia bloqueado a via. A líder do protesto, ao me ver tentando furar o bloqueio e saber o motivo da minha pressa, perguntou se a mãe estava no hospital; quando confirmei, ela disse que eu não tinha nada para fazer lá e que eu poderia ver a criança depois, o que foi corroborado por dois policiais que estavam por ali.
Em um outro episódio, na tentativa de organizar o chá de bebê, resolvi criar uma lista de presentes em uma loja especializada em artigos infantis, mas a vendedora me informou que as listas eram destinadas apenas às mães. Ao explicar que a mãe não teria condições de ir até lá, ela me sugeriu que eu voltasse outro dia com uma mulher (poderia ser minha irmã ou até uma amiga), mas tinha de ser mulher!
Tais situações respondem apenas a estímulos de um problema estrutural que, de tão sedimentado, se camufla, mas está lá, fortalecendo essa desigualdade.
No Brasil, a licença-paternidade, no melhor cenário, equivale a 10% do tempo disponível à mãe para cuidar do bebê. Dependendo do empregador, esse percentual pode ser ainda menor. Esse grande símbolo social aponta na direção clara de que a mulher teria responsabilidade maior no cuidado da criança, sobretudo por conta do período de amamentação. Também é comum encontrar estabelecimentos onde fraldários estão disponíveis apenas no banheiro feminino; ou professores direcionarem recados nas agendas das crianças iniciando a conversa com o carinhoso título “Mamãe”.
Ampliar a lente e observar a influência e os impactos dessa distorção nos ajuda a entender que todo o sistema ao qual estamos inseridos é contaminado.
Agir para uma reconstrução dos papéis de pais e mães na sociedade deve ser uma missão compartilhada.
Longe de ser uma vítima do sistema, o homem é o principal responsável pela manutenção desse ambiente desigual, no qual ele pode se sentir até beneficiado por não ter as mesmas demandas da mãe. Uma sociedade que empurra para a mulher a incumbência dos principais cuidados, isenta o homem de assumir determinados papéis e o afasta de uma mudança que traga mais compromissos.
Quando mencionamos os avanços históricos liderados pelas mulheres, em relação aos seus interesses sociais, observamos que todas essas iniciativas se deram de forma intencional por espaços aos quais elas queriam ocupar. Havia elementos motivacionais e sociais que as encorajaram para cada movimento.
Ao observar esse aspecto, refletimos se existe interesse, conhecimento e recursos suficientes para que o homem, não mais como indivíduo, mas sim coletivamente, seja sensibilizado a assumir o protagonismo das responsabilidades da paternidade.
Agir para se tornar o pai que você quer ser
Para alcançar uma mudança significativa e corrigir falhas estruturais, listo um conjunto de medidas de possíveis políticas públicas e engajamento social, ao meu ver capazes de desenvolver um novo alicerce para a urgência de ser pai:
- Licença-parental
A licença-paternidade e a licença-maternidade poderiam ser substituídas por um único mecanismo que envolve, simultaneamente, as duas figuras no processo de cuidados da primeira infância, num período de pelo menos seis meses. - Programas de educação sexual
Entre 11 milhões de mães solo, segundo dados do IBGE, a idade dessas mulheres é menor nas classes sociais mais vulneráveis, reflexo da falta de suporte educacional, orientação e carência cultural, que poderia ser minimizado com um programa de educação sexual obrigatório nas escolas, evidenciando não apenas os aspectos de proteção e violência contra mulheres e meninas, mas também os impactos e as consequências de uma gravidez não planejada. - Impulso da comunicação em massa
De acordo com o IBGE, mais de 96% dos lares brasileiros têm acesso à televisão, e os principais meios e canais de comunicação têm buscado diversificar suas programações e o perfil dos conteúdos, para atender demandas de urgências sociais, reforçando a luta contra o racismo, machismo, sexismo, entre outras violências. - Educação para um futuro com mais equidade de gênero
É fundamental que os pais estejam preparados e sejam orientados a transmitirem valores e princípios para os seus filhos, sem repetir os mesmos estímulos de educação do passado. Que garotas e garotos tenham clara convicção de que eles podem e devem ocupar os mesmos lugares, respeitando sempre as escolhas de cada indivíduo e sendo responsáveis pelas próprias decisões. - Representatividade importa!
Uma sociedade mais consciente requer esse discurso reverberado por embaixadores sociais, influenciadores, representantes de instituições públicas ou privadas. - Redes de apoio
Apesar de existirem diversos canais de amparo, o desconhecimento e o despreparo do homem para esses momentos ainda é causa latente, e pode ser minimizado com a segurança de redes de apoio, unindo pais, trocas de conhecimento e a natural normalização desse processo. - Diálogo
A manutenção do espaço para o diálogo, suporte na orientação e a capacidade de troca de experiências entre o casal deve sempre estar pautada pelo respeito mútuo.
* Marcio Mariano é mais um preto da periferia assombrado pelo racismo. Por isso, nunca quis ser pai. Até descobrir que absolutamente nada pode ser tão puro e inspirador. Hoje, além de pai em tempo integral, usa sua voz de publicitário para estimular um mundo mais diverso e menos cruel.
** Este texto é de exclusiva responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Lunetas.
Leia mais
“Buscamos o dia que a gente não precise mais usar um rótulo ou um adjetivo para a palavra pai, não é pai presente, pai ativo. Que a gente simplesmente possa falar pai e assim como a palavra mãe, ela contemple presença, disponibilidade afetiva, vínculo, segurança emocional e segurança financeira.” – Tiago Koch, idealizador do Homem Paterno