Filha de bailarina, a mineira Giovanna Nader, 36, começou a vida no palco ainda criança. Primeiro na dança, depois no teatro. Formada em Administração de Empresas e Marketing, trabalhou por muitos anos no mundo da moda. Em 2013, lançou o Projeto Gaveta, em parceria com a estilista Raquel Vitti Lino, que estimula a troca de roupas. Hoje, Giovanna é consultora de moda sustentável, comunicadora e apresentadora dos podcasts “O Tempo Virou” e o “Veneno Mora ao Lado”. Também fez TV e comandou o programa “Se Essa Roupa Fosse Minha”, no canal GNT. Escreveu o livro “Com Que Roupa” e apresenta um curso de moda sustentável e consumo consciente.
Em entrevista ao Lunetas, revela que só despertou para o ativismo ambiental com o nascimento da primeira filha, Marieta, hoje com quatro anos. Imaginar um mundo com mais plásticos do que peixes nos oceanos fez Nader gritar ao mundo os riscos que a humanidade corre ao ignorar a emergência climática. Junto com a maternidade, nasceu também o ativismo socioambiental. Casada com o comediante Gregório Duvivier, com quem tem também Celeste, de 4 meses, ela fala sobre como é girar mil pratinhos na vida da mulher contemporânea.
“Nós estamos dentro da natureza e ela está dentro de nós. A natureza é um outro nome da vida”
Confira o bate-papo com Giovanna Nader
Lunetas – Como foi sua relação com o meio ambiente na infância e na adolescência?
Giovanna Nader – Sou do interior de Minas Gerais, de Araguari, no Triângulo Mineiro, uma região no coração do Cerrado. Tenho várias fotos de criança ao lado daquelas árvores retorcidas, aquela estética bem do bioma. A minha cidade é pequena, com menos de 200 mil habitantes, mas mais de 150 cachoeiras. Fui vendo ao longo da minha vida essa paisagem desaparecer. O agronegócio tomou conta daquela região, mas não era algo que eu tinha senso crítico para perceber. Eu sei que essa relação com a natureza estava dentro de mim em algum lugar, mas aí passou. Veio a fase adulta, mudei pra São Paulo para fazer faculdade e só depois de muito tempo vivendo na selva de pedra e na correria do relógio, que eu percebi que Minas era um lugar de fuga, de reconexão, de calmaria. Aí comecei a entender o bioma do Cerrado, a devastação, o agronegócio. As vivências da infância estão em prol do meu ativismo hoje.
Quando você despertou para o ativismo ambiental? Quando você pensou “eu preciso fazer alguma coisa”?
GN – O ativismo ambiental começou pela moda e pela questão do consumo. Eu não me identificava com aquela moda “fast fashion”, coleções lançadas a cada semana, padrão de corpo. Aí veio a ideia de criar um projeto de troca de roupas, o Projeto Gaveta, com minha sócia Raquel Vitti Lino. A gente estava muito angustiada com a maneira como o mercado da moda acontecia, com as peças de roupa paradas no armário. Criamos o Gaveta com o objetivo de fazer a roupa circular. No mesmo ano da criação do Gaveta, em 2013, aconteceu aquele grande acidente da moda em Bangladesh, no Rana Plaza, em que o prédio desmoronou e matou diversas pessoas que estavam em péssimas condições de trabalho. Ali começou um grande questionamento em torno da indústria da moda e o seu impacto ambiental.
Mas minha consciência ainda se resumia ao meu guarda-roupa. Com o nascimento da minha filha, Marieta, comecei a ouvir as pessoas falando: “quando a sua filha estiver com 30 anos, terá mais plástico do que peixe nos oceanos”. A maternidade me fez despertar para a crise climática ao perceber que a geração mais impactada por seus efeitos estava ali, nos meus braços. Como eu poderia proteger aquele bebezinho? Comecei a mudança em minha casa, com composteira e reciclagem, até entender que o buraco é bem mais embaixo.
Você acredita que vamos conseguir reverter esse cenário de um planeta que, por volta de 2050, quando Marieta estiver aos 30 anos, terá mais plástico que peixe nos oceanos ou que a Terra estará pelo menos 2ºC mais quente?
GN – Já me assustou mais, mas entendi que a paralisação não vai me levar a nada, só vai me causar ansiedade. Não quero passar os anos mais preciosos das minhas filhas com medo. Busco viver o presente, olhando para as mudanças que precisamos fazer hoje e também para nossos pequenos avanços.
Como você acredita que podemos preparar as crianças para este mundo que está passando por eventos climáticos cada vez mais extremos e formar cidadãos com consciência ambiental?
GN – Com muita informação, a todo momento que a gente puder compartilhar com eles. Dia desses, por exemplo, nós estávamos montando um quebra-cabeça sobre o Pantanal. Isso entrou na cabeça da Marieta e até hoje ela fala que no Pantanal tem toupeira, tem isso, tem aquilo – e pede para conhecer lá. Assim que pudermos vamos fazer esta viagem com ela. As crianças de hoje já têm consciência ambiental, mais do que nós, na nossa infância. Marieta já chega em um restaurante e, se tem canudo de papel em vez do de plástico, fala: “mamãe, esse restaurante é amigo da natureza”. Ela já sabe sobre queimadas e desmatamento, porque conversamos sobre isso. Eu acredito que é muito importante não camuflar a realidade e trazer a eles momentos históricos.
“A culpa pelo que estamos passando não é das crianças, mas elas precisam ter consciência da realidade em que vivemos”
Muitas pessoas têm revisto a ideia de ter filhos por causa da crise climática e dos impactos que as crianças podem sofrer. Você chegou a pensar sobre isso?
GN – Nunca consegui pensar sobre isso, porque a Marieta veio sem ser planejada, e foi a melhor coisa que nos aconteceu. Mas entendo quem não quer ter filhos por causa disso, que não quer colocar mais um ser neste mundo com 8 bilhões de pessoas. E está tudo bem não ter filhos!
“Mas a maternidade pode fazer a gente perceber que precisamos lutar por um futuro, em vez de nutrir o sentimento de que as coisas não vão mudar”
No podcast “O Veneno Mora ao Lado” você fala sobre agrotóxicos. Na sua opinião como garantir alimentação de qualidade, a baixo custo para todas as pessoas no planeta, especialmente as crianças, sem veneno?
GN – Tem gente que fala: “Ah, mas o orgânico é mais caro que o convencional!” Não, talvez seja mais caro porque você está comprando no supermercado e dando parte do dinheiro para um atravessador, em vez de comprar direto do produtor. Claro, estou falando isso para quem tem privilégio de escolha! Mas precisamos lutar justamente para fortalecer essa cadeia da agroecologia e do alimento orgânico para que consigam ao menos competir de igual para igual com o alimento convencional, que está cheio de agrotóxicos. O dinheiro está ainda na mão do agro e a destruição também. Mas temos de pressionar pela mudança e construir o Brasil que queremos.
Sustentabilidade tem a ver com dinheiro? É preciso ter mais dinheiro para ser sustentável?
GN – A sustentabilidade é justamente para libertar, para ser mais barato. Cozinhar sua própria comida ou fazer seu próprio produto de limpeza é muito mais barato do que comprar, por exemplo. Sustentabilidade tem a ver com tempo para se dedicar a isso, que está cada vez mais escasso. Muitas pessoas só vão conseguir ter tempo para pegar um salgado perto da estação de metrô. Mas existem projetos, como o da Regina Tchelly, da Favela Orgânica, no Morro da Babilônia, no Rio de Janeiro, em que ela aproveita o alimento inteiro, desde cascas, folhas, talos. Ela está em escolas, periferias, trazendo alimento de qualidade para todo mundo. Existem alternativas, mas precisamos fortalecê-las e dar espaço para que cada vez mais essas narrativas tomem conta do país.
No seu casamento você usou um vestido comprado em brechó. Como você tenta desconstruir no seu cotidiano o estereótipo da moda
GN – Fico muito feliz que outros tempos estão vindo. Hoje, vemos muitas marcas com crochê, levando os trabalhos manuais e artísticos a um outro patamar. Não é mais tão comum a discussão de qual vai ser a moda da estação. O que vejo é que as pessoas têm uma necessidade de estilo. A roupa é muito empoderadora – eu mudo minha personalidade se estou me sentindo bem com o que estou vestindo. Minha sugestão é encontrar o seu estilo e olhar o seu guarda-roupa com carinho. Descubra o que combina com o que, pesquise e tente achar aquela referência que você gostou na revista ou na internet dentro do seu guarda-roupa. Acredito que o guarda-roupa tem que evoluir para esse lugar criativo e autêntico, tornando-se uma expressão da nossa personalidade. Muito mais do que ter ou não que ter; ser um lugar de leveza e conexão, que se traduz em autoconhecimento. Mas acho válido comprar algumas coisas para se adaptar a esse novo estilo. A sustentabilidade traz muito “não”: não pode comprar roupa, não pode comer carne, não pode fazer isso, não pode aquilo e isso não leva a lugar algum.
É possível ser mãe, mulher, profissional, ativista, tentar ter uma vida sustentável, com diversos pratinhos girando, sem sentir culpa?
GN – Olha, estou sempre com os meus pratinhos girando: eles não acabam nunca, se cai um, levanto outro. Aprendi que vou ser mãe para uma vida inteira. Por exemplo, o podcast “O Tempo Virou” precisava voltar e talvez este mês eu fique mais ausente como mãe. Mas, tudo bem, vai ser um mês. Às vezes, a gente acha que não pode perder esse momento do filho. Já notei que sou uma mãe muito melhor se eu fizer o que tenho que fazer profissionalmente. Eu tenho minha vida, consigo sair do universo da mãe e volto com mais presença, sabe? Mas os finais de semana são totalmente dedicados à minha família. Sei dividir bem e compreendi quem é Giovanna mãe, a Giovanna profissional, a Giovanna pessoa. Claro que tenho dias de crise também, quando me sinto uma péssima mãe. Mas entendi que não dou conta de tudo e preciso de uma rede de apoio. A Marieta foi para a creche muito pequenininha e talvez a Celeste precisará ir também para eu conseguir ter a minha vida, para eu conseguir ter o meu respiro. E nem por isso eu vou ser uma péssima mãe. Então você vai conhecendo os seus limites e lidando com menos culpa.
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Em 24 de abril de 2013, o Edifício Rana Plaza, situado em Daca, capital de Bangladesh, desabou e causou a morte de 1135 trabalhadores da indústria têxtil e deixou mais de 2500 feridos. O prédio não cumpria as normas básicas de segurança.