“Mas, mãe, por que estão fazendo isso? Olha essa imagem das pessoas sendo presas com a camiseta do Brasil, vão achar que todos os brasileiros são vândalos”, questionou Joaquim, 9, para a mãe Mayara Penina, especialista em educação infantil e jornalista, enquanto assistiam a cobertura dos atos golpistas na TV neste domingo (8), quando um grupo invadiu o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Palácio do Planalto, em Brasília, cometendo crimes como associação criminosa, tentativa de golpe de estado e danos ao patrimônio público da União.
Como Mayara e Joaquim, muitos adultos e crianças se espantarem juntos acompanhando os registros das manifestações antidemocráticas e perceberam o desafio que é defender a democracia desde muito cedo, esclarecendo termos como “terrorismo”, “vandalismo” e “fascismo”.
“Como pais, mães e educadores, enfim, como pessoas que convivem com crianças, temos essa responsabilidade de explicar o que está acontecendo”, acredita Penina, que costuma abordar em casa questionamentos sobre o cenário político que Joaquim traz da escola. “Quando a gente combate o obscurantismo, a gente também defende os direitos das crianças, porque queremos que elas cresçam em um Brasil saudável, e que respeitem a Constituição e a democracia”, conta.
“Todo mundo tá falando sobre isso, ele também quer debater e entender o que está acontecendo”
As crianças não estão imunes aos acontecimentos políticos do país e muitas vezes são protagonistas dos episódios. Em diversos momentos, o ex-presidente Jair Bolsonaro fez apologia à violência com crianças ao segurar fuzis de brinquedo ou estimular que fizessem “arminha com a mão”. Depois de não aceitarem o resultado das eleições, em novembro de 2022, bolsonaristas levaram crianças como escudos humanos para os bloqueios golpistas, colocando a vida delas em risco, além de terem ocupado quartéis e se organizado via aplicativos de mensagem para os atos antidemocráticos em Brasília neste domingo.
Para o Instituto Alana, “é com indignação que vemos crianças e adolescentes sendo expostas a atos violentos, na verdadeira praça de guerra que se tornou Brasília, ferindo o direito de proteção contra toda e qualquer forma de violência”. Pedro Hartung, diretor de Políticas e Direitos no Instituto Alana, reforça que “cabe a nós garantirmos que essas mesmas crianças possam testemunhar a responsabilização efetiva dos culpados, para deixar claro que a violência não é uma opção e que o respeito à democracia e às instituições é o único caminho da vida em sociedade”.
AS CRIANÇAS ESTÃO VENDO! Hoje as crianças de todas as famílias brasileiras tiveram O PIOR EXEMPLO civil da nossa história recente de país! Viram adultos (pais, mães, avôs etc.), tomados de ódio, vandalizarem o patrimônio público e tentarem um golpe nas instituições brasileiras.
— Pedro Hartung (@HartungPedro) January 8, 2023
Como falar sobre os atos golpistas com as crianças?
Sobre o exemplo dado às crianças, Ana Claudia Cifali, advogada e coordenadora jurídica do Instituto Alana, comenta que as ações do último domingo refletem uma face perversa da cultura brasileira, historicamente pautada na violência como forma de resolução de conflitos. “A violência praticada ontem não é apenas material, mas cultural e simbólica também, na medida em que seus apoiadores buscam legitimar e justificar esse tipo de reação como se fosse aceitável”, diz. Para a especialista, o que deve ficar evidente na conversa com as crianças é que a Constituição Federal não permite esse tipo de manifestação política: “na democracia, temos tanto direitos como deveres, e há limites para as manifestações de discordância”.
“O diálogo, a tolerância e o respeito aos demais são elementos-chave da democracia e podem ser ensinados a partir de exemplos no cotidiano, inclusive porque essas práticas democráticas começam dentro de casa”
“Para começar, é importante apresentar às crianças e aos adolescentes as instituições do Estado Democrático de Direito, como o sistema de justiça, o legislativo e o executivo. Isso pode ser feito de formas muito simples, e adequadas à idade e etapa do desenvolvimento da criança, mas sem nunca subestimar o seu potencial”, ressalta a coordenadora.
“Também vale destacar o papel das mídias digitais na difusão de valores e narrativas que estimulam a convivência entre grupos diferentes, a resolução de conflitos pela via da negociação, do diálogo e da convivência pacífica, criativa e democrática”, continua Cifali. Em contrapartida, João Francisco Coelho, advogado do programa Criança e Consumo, comenta que é responsabilidade de todos combater a desinformação e os discursos de ódio propagados na internet, aos quais crianças e adolescentes ficam expostos, o que pode inclusive colocar em risco as próprias democracias pelo mundo.
Para Cifali, falar sobre democracia também é falar sobre cultura de paz, indispensável para “a formação de uma sociedade democrática, inclusiva e sustentável”, afirma.
“Educar a partir desses pressupostos é um antídoto contra as crescentes manifestações de ódio, guerras, racismo, xenofobia, crimes ambientais, etnocentrismo, intolerância religiosa, terrorismo e outras variadas formas de violações aos direitos humanos”
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