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Como a endometriose pode afetar o sonho da maternidade

Uma mulher está deitada no sofá com as mãos na barriga sentindo cólica menstrual muito forte, um dos sintomas a endometriose. Ela usa blusa preta e tem tatuagens nos braços

A transição da infância para a adolescência e a chegada da primeira menstruação são marcos da vida de meninas que estão aprendendo a lidar com o corpo. Para Tatiana Zylberberg, educadora física e professora da Universidade Federal do Ceará, completar 13 anos foi o início de um caminho complicado. A cada ciclo menstrual, sua rotina mudava. “Sentia cólicas incapacitantes, fluxo sanguíneo intenso, enxaquecas, vômitos. Várias reações que desestabilizaram minha saúde”, conta. Foi só aos 35 anos que chegou ao diagnóstico de endometriose. Naquela época, poucos médicos sabiam identificar a doença e conduzir os pacientes para o melhor tratamento – embora não haja cura, é possível garantir mais qualidade de vida às pacientes.

A doença acomete 1 a cada 10 brasileiras

A endometriose é uma doença inflamatória crônica que se manifesta em mulheres durante a idade reprodutiva. Ela ocorre quando células do endométrio (tecido que reveste o interior do útero) são liberadas durante a menstruação e, ao invés de seguir pelo canal vaginal, chegam a outros órgãos, como trompas, ovários, intestinos e bexiga. Quase 180 milhões de mulheres enfrentam a endometriose no mundo.

Apesar de não ser assintomática, a endometriose passa despercebida quando as mulheres julgam normais as fortes cólicas ou não estão em dia com os exames ginecológicos. “As mulheres levam de 8 a 10 anos para saber que têm a doença. Isso significa idas frequentes a médicos, exames, gastos, e sofrimento físico e psicológico para conseguir entender o que acontece e iniciar o tratamento”, explica Anna Luiza Lobão, ginecologista e diretora de comunicação da Sociedade Brasileira de Endometriose e Cirurgia Minimamente Invasiva (SBE).

Os sintomas mais comuns da endometriose

  • Cólicas menstruais intensas
  • Dor pélvica ou abdominal durante a relação sexual
  • Dor difusa ou crônica na região da pelve
  • Alterações intestinais cíclicas ou urinárias durante a menstruação

No Brasil, 7 milhões de mulheres têm endometriose, segundo a Organização Mundial da Saúde. A ginecologista explica que a genética não é a principal responsável, mas é comum mulheres da mesma família desenvolverem a doença. “Filhas e irmãs de pacientes com endometriose têm maior risco de desenvolver o problema. É difícil saber o quanto os genes realmente são relevantes em relação a outros fatores, como etnia e fatores ambientais”, pontua.

Gravidez e infertilidade

“Saí de uma cirurgia e o médico disse que eu sentiria dor o resto da vida e que as chances de engravidar eram de 1%“, recorda Zylberberg. “Tive a sensação de abandono e solidão. Nesse momento, comecei a escrever um diário que, mais tarde, se tornaria o livro ‘Mulheres e novelos’”, publicado em agosto de 2013, data que marcaria o nascimento de seu primeiro bebê.

“Celebrei uma gravidez, ganhei sapatinho e tudo. Mas, no ultrassom, passei de novo por uma violência quando outro médico disse que não tinha mais nada no útero”, conta ao recordar a perda gestacional.
A Associação Brasileira de Endometriose estima que 30 a 50% das pacientes desenvolvem infertilidade. O avanço da doença pode dificultar a chegada dos espermatozoides ao óvulo ou impedir a implantação do embrião no útero. Por isso, são recomendadas técnicas de reprodução assistida, como a relação sexual programada (RSP), inseminação intrauterina (IIU) ou a fertilização in vitro.

“A dificuldade para engravidar, geralmente, decorre de alterações nos órgãos reprodutivos. Embora a doença não impeça a gravidez, ela reduz as chances de a concepção acontecer naturalmente”, explica Lobão.

Apesar dos dados, o avanço do conhecimento sobre a doença traz otimismo às pacientes. “Nunca foi um sonho ser mãe, mas, quando eu quis engravidar, passei por duas cirurgias curativas para retirar todas as lesões mais profundas da endometriose, que já estava no estágio máximo”, conta a jornalista Caroline Salazar após 18 anos sem diagnóstico. “Em 2015, consegui engravidar e não tive problema na gestação. Depois disso, não tive mais sintomas e menstruo normalmente”.
Após pesquisar muito sobre o assunto para buscar o tratamento mais adequado para sua situação, Salazar hoje trabalha pela causa levando informação para as mulheres que têm endometriose, como autora do blog “A endometriose e eu” e pela plataforma on-line Clube EndoConectadas. “O recado que deixo para as mulheres que querem engravidar e precisam de cirurgia é que conheçam as possibilidades de tratamento e possam optar pelo procedimento certo com a ajuda de especialistas”, conclui.

À frente do projeto “Mulheres e novelos”, Zylberberg acolhe as alunas da Universidade Federal do Ceará, ajudando-as com o diagnóstico precoce, e também compartilha em seu canal do YouTube informações sobre a doença, conteúdos educativos, depoimentos e aulas de consciência corporal.

Com o avanço nas formas de tratamento e as campanhas de informação, mulheres com endometriose podem cada vez mais se reconhecer e se apoiar em suas dores. No emaranhado das questões físicas, sociais e emocionais que o diagnóstico desencadeia, o acolhimento é fundamental para, como propõe o projeto de Zylberberg, desentrelaçar “um fio por vez”.

Março amarelo

O mês de março é dedicado à conscientização sobre a endometriose, com orientações sobre sintomas, diagnóstico correto e tratamentos. Ano passado, a Lei 14.324/2022 declarou o dia 13 de março como o Dia Nacional de Luta contra a Endometriose.

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