Um catarro hoje, uma tosse amanhã e febre na sequência: em 2022, a única certeza que parece existir entre a maioria dos pais é a de que, em poucos dias, as crianças estarão gripadas novamente. O contexto de sucessivas infecções acaba se tornando preocupante para cuidadores, estressante para os pequenos e um alerta para os médicos. Por que será que as crianças estão ficando mais doentes em 2022?
“Estamos notando um aumento de infecções, algumas que demoram mais para passar, além de vírus que estão aparecendo em épocas fora do comum”, observa a pediatra e neonatologista Marcia Dias Zani. Ela relata que, quando submetidas ao exame de Painel de Vírus Respiratório, é comum que as crianças apresentem infecções paralelas, às vezes, de três a quatro ao mesmo tempo. A consequência disso é o desenvolvimento de quadros mais graves e a hospitalização, a partir de uma infecção que seria mais comum, como a causada pelo rinovírus.
Com a proliferação dos vírus e o aumento de muco nas vias aéreas, que passam a ficar inchadas e congestionadas, cria-se um ambiente propício para “quadros arrastados” e infecções secundárias por bactérias, como sinusites e até pneumonias. E para as infecções bacterianas, a saída são os antibióticos. “Eu evito usar antibióticos, mas este ano prescrevi muito mais do que o habitual”, relata a médica.
O problema, segundo ela, é que esses remédios não atingem apenas as bactérias que causam a infecção, mas também as do intestino, da pele e de toda a flora endógena, essenciais para o equilíbrio da imunidade da criança. “É o que chamamos de disbiose (desequilíbrio de bactérias), o que aumenta o risco de pegar novas infecções tanto virais como bacterianas, além dos efeitos colaterais do próprio antibiótico”, diz Marcia.
Exposição pós-pandemia
A retomada das atividades presenciais após períodos de isolamento total e parcial, em 2020 e 2021, também pode explicar a maior exposição das crianças a vírus e bactérias que já estavam em circulação. “Os dois anos de pandemia fizeram com que as crianças tivessem um ‘apagão imunológico’ frente aos vírus mais comuns”, afirma o infectologista pediátrico do Hospital Pequeno Príncipe, Victor Horácio de Souza Costa Júnior. Isso quer dizer que a falta de contato não permitiu que o sistema de defesa se preparasse para combater esses agentes infecciosos e, consequentemente, gerou um aumento na prescrição de antibióticos.
O infectologista aponta dois outros fatores que explicam o alto índice de doenças em bebês e crianças. A primeira é o abandono do calendário vacinal de rotina. Dados do Unicef, braço das Nações Unidas para a Infância, mostram que três em cada dez crianças não receberam vacinas capazes de salvar vidas. No Brasil, a cobertura de vacinação contra sarampo, caxumba e rubéola (Tríplice Viral D1) caiu de 93% em 2019 para 71,49%, em 2021. Já a cobertura vacinal contra a poliomielite caiu de 84,2% para 67,7% no mesmo intervalo de três anos.
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Além disso, segundo Victor Horácio, muitas famílias estão deixando de fazer o acompanhamento médico periódico dos filhos, o que expõe as crianças a doenças graves imunodeprimíveis. “Pacientes pediátricos também estão apresentando mudança de comportamento após a pandemia, com a saúde mental prejudicada. Isso reforça o fato de precisarem de pediatras para evitar distúrbios graves mais para frente”, diz.
O relaxamento nos protocolos de higiene, como a obrigatoriedade do uso de máscaras, também está ajudando as famílias a trazerem o coronavírus e suas variantes para dentro de casa, infectando crianças abaixo de cinco anos, que ainda não foram vacinadas contra a covid-19. Como atenta o infectologista pediátrico, crianças não vacinadas e adolescentes não vacinados ou apenas parcialmente vacinados são os grupos que mais estão sendo internados por covid-19.
Covid longa
Mesmo para quem recebeu a vacina, é possível se contaminar novamente pelo SARS CoV-2 e apresentar sintomas pós-covid. Um estudo desenvolvido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) acompanhou, por 14 meses, 646 pacientes que tiveram a infecção e verificou que, desse total, 324 (50,2%) tiveram sintomas após alguns meses. Os mais comuns foram fadiga, insônia, dor nas articulações, problemas respiratórios, erupções na pele e palpitações cardíacas.
A condição persistente é chamada de “covid longa” pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e atinge pacientes que apresentam sintomas leves ou mais graves durante a fase aguda, conforme explica Ana Karolina Barreto Marinho, membro do Departamento Científico de Imunização da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai). “Mesmo o vírus não estando mais ativo, ele pode ter afetado pequenos nervos e os tecidos durante a infecção, deixando sequelas”, diz.
Embora ainda não seja possível explicar por que a covid longa se manifesta apenas em algumas crianças, existem teorias que, segundo Ana Karolina, podem justificar as consequências, entre elas, lesões causadas pelo vírus em receptores neurológicos (gerando sintomas de perda de olfato e dor de cabeça) e ainda lesões permanentes no epitélio pulmonar (causando tosses e dificuldade de respiração). Por isso, as famílias devem estar atentas para sinais como dificuldade de concentração na escola, reclamações constantes de dor de cabeça, falta de apetite ou cansaço e apatia.
“Apesar da existência da covid longa, não é possível afirmar que a covid-19 aumenta as chances de contração de outras doenças, apenas que ela pode ter agravado doenças crônicas já existentes, como asma, problemas cardíacos e diabetes”, afirma Ana Karolina.
Precauções e cuidados
Diante do aumento dos casos de infecções, Márcia Zani alerta para o cuidado redobrado para preservar crianças e gestantes: evitar aglomerações e ambientes fechados, além de persistir com o uso de máscaras e com a higienização das mãos.
Algumas cuidados com a imunidade:
- Beber muita água
- Comer alimentos saudáveis e evitar ultraprocessados
- Hidratar vias aéreas com soro para impedir concentração de muco
- Realizar exames de rotina
- Tratar alergias e condições preexistentes
- Manter carteira de vacinação em dia
- Conviver com a natureza para diminuir o estresse
“As crianças muito pequenas são populações em risco para desenvolver quadros mais graves”, afirma. Ou seja, às vezes, um resfriado para um adulto pode significar uma bronquiolite para a criança. Ainda, uma contaminação por influenza durante a gravidez pode levar à necessidade de oxigênio, internação na UTI ou antecipação do parto.
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É importante lembrar que o distanciamento social e o uso de máscara são as principais formas de evitar a contaminação por covid-19 entre os pequenos, já que a vacina acabou de chegar para crianças entre 3 a 5 anos, mas ainda não atende bebês com até dois anos, justamente a faixa etária mais sensível a doenças respiratórias.