Virgínia Chagas / Arquivo Pessoal

Alunos da professora Virgínia Chagas venceram prêmio de educação por trabalho com uso de inteligência artificial em campanhas com representatividade racial.

Virgínia Chagas / Arquivo Pessoal

Alunos usam celulares para produzir informações e realizar cobertura jornalística de eventos.

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Como será o primeiro ano letivo sem celular nas escolas

Imagem de capa para matéria sobre lei que proíbe celulares nas escolas mostra uma sala de aula e estudantes sentados em carteiras enquanto um aluno adolescente está com a mão levantada.

Sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta segunda-feira (13), a nova lei nacional proíbe o uso de celulares em sala de aula nas redes pública e privada de todo o país. O Governo terá 30 dias para definir as regras para a aplicação, mas o ministro da Educação, Camilo Santana, afirmou que as escolas já poderão implementar as regras a partir de fevereiro.

O texto do Projeto de Lei permite o uso dos aparelhos “desde que inseridos no desenvolvimento de atividades didático pedagógicas e devidamente autorizados pelos docentes ou corpo gestor”. Em cerimônia, o presidente ressaltou que a lei é um “ato de coragem”. 

“Vários países já aprovaram e outros estão discutindo isso. Porque, no fundo, no fundo, o ser humano nasceu para viver em comunidade” – Lula

Escolas já estão se adaptando 

Desde o ano passado, as escolas do país inteiro se mobilizaram para reduzir drasticamente a presença de smartphones e outros eletrônicos dentro de sala de aula. No tradicional Colégio Sion, em São Paulo, por exemplo, serão instaladas placas informativas sobre a proibição dos celulares.

De acordo com o diretor Max Franco, a nova lei vai “respaldar” o que já estava previsto no regimento interno da escola há pelo menos dois anos. Ele descreve que, atualmente, os pátios cheios de áreas verdes e frequentados no passado pela artista brasileira Tarsila do Amaral quando era aluna, passaram a ter crianças mais isoladas.

Segundo o diretor, os estudantes ficavam em cantos com seus celulares, fato que abafava o tradicional barulho animado do recreio. “Era como se eles estivessem em uma concha”, relata. Para contornar essa situação, a escola vetou o celular e o aprendizado de tecnologia mudou para o laboratório, onde os alunos utilizam computadores da escola.

Antes da lei federal, pelo menos 12 estados já tinham legislações ou orientações para proibir o uso dos celulares em ambientes escolares: Ceará, Rio de Janeiro, São Paulo, Piauí, Rio Grande do Sul, Amazonas, Distrito Federal, Maranhão, Rio Grande do Norte, Santa Catarina, Paraná e Tocantins.

Estudantes podem descobrir que têm mais tempo para aproveitar

Apesar de adorar usar o celular para jogar e falar com os amigos, Beatriz, de 12 anos, reconhece que melhorou a concentração depois que teve o celular confiscado pela mãe. Isso aconteceu porque a menina ficou de recuperação.

“Tem uma diferença bem grande. Às vezes, eu usava o celular durante a aula para ver as horas ou responder alguém. Agora, sinto que o tempo passa mais devagar”, conta.

O termo “brain rot”, que na tradução livre significa algo como “cérebro apodrecido” ou “atrofia cerebral”, foi escolhido pelo dicionário Oxford como a palavra do ano de 2024. Ele retrata essa sensação após passar um tempo rolando a tela em alguma rede social.

Na escola particular da zona sul de São Paulo, onde a menina estuda, é permitido usar o smartphone somente no intervalo e na hora da saída. Segundo Beatriz, os professores também solicitam o celulares pessoais dos alunos quando não há tablets da escola suficientes para todas as turmas. “Nesse caso, a gente joga um jogo de perguntas e tem que clicar o mais rápido possível na resposta certa para ganhar pontos.”

Para ela, que vai cursar o 6º ano, o uso de celulares não deveria ser completamente proibido, pois é útil para garantir mais autonomia. “Dá para enviar uma mensagem aos pais e avisar que vai sair mais tarde ou que está doente, sem depender da coordenação toda hora”, explica. No entanto, durante as aulas, Beatriz concorda em deixar o celular desligado ou no modo avião dentro da mochila, conforme a regra de sua escola.

“Eu fiquei chocada quando percebi que dá tempo de fazer um monte de coisas no intervalo, que eu nem sabia que era possível. Antes, muitas vezes eu nem comia para ficar no celular”

Famílias também podem dividir a responsabilidade com as escolas

Nesse cenário de mudanças e adaptações, Max Franco explica que, muitas vezes, precisa convencer os pais dos alunos sobre a restrição dos celulares na escola. “Não houve consenso na reunião de pais quando proibimos o celular. O principal argumento deles é a insegurança de não poder falar ou monitorar o filho o tempo todo”, menciona o diretor do Colégio Sion. Ao mesmo tempo, ele já espera novas reclamações com o acirramento das regras em 2025.

O uso do celular de 5 a 7 horas por dia em casa também tem consequências para o aprendizado, como mostrou o Pisa de 2023. A pontuação dos estudantes que usam o celular nessa média de tempo foi menor nos testes.

Diante dessa dificuldade, um grupo de mães criou o Movimento Desconecta. A proposta é manter um pacto entre as famílias para não dar celular antes dos 13 anos e adiar a entrada nas redes sociais para os 16 anos.

“É sobre começarmos a dialogar e buscar soluções que façam sentido para a proteção das nossas crianças”, conta Camila Bruzzi, uma das idealizadoras do movimento. O projeto também reforça a importância da família se envolver no debate e no apoio à escola.

No último ano, o tema ganhou mais destaque no debate público. As justificativas estavam em torno da proteção da saúde física e emocional dos jovens. Nesse sentido, pesquisas como a do Datafolha mostraram que o uso excessivo da tecnologia foi o principal motivo para que 8 em cada 10 jovens de 15 a 29 anos apresentassem algum problema de saúde mental.

Por isso, a equipe do Movimento Desconecta oferece informações para as famílias. Além de palestras, há a proposta de um acordo coletivo, onde os pais e a escola se comprometam em não permitir o uso de celulares. Além disso, mantém um site com informações que podem ajudar as famílias a tomarem decisões e a controlarem o uso do celular em casa.

O outro lado de usar celular na escola

Na sala de aula da rede municipal de ensino do Rio de Janeiro, a professora Virgínia Chagas explica que o celular é bem-vindo. Isso porque os estudantes usam o aparelho em boa parte do ensino de tecnologia, inteligência artificial e educação midiática.

“Na minha prática pedagógica, a relação é sempre mediada por regras e pela intencionalidade. Por isso, usamos os celulares para produção de conteúdo criativo, pesquisas orientadas, projetos de mídia e atividades que envolvessem inteligência artificial”, explica.

“A ideia é mostrar às crianças que o celular pode ser uma ferramenta poderosa de aprendizado, e não apenas de entretenimento.”

Mesmo com a proibição, o Ginásio Educacional Tecnológico Tobias Barreto, onde Virginia leciona, pretende continuar a usar os celulares nas aulas. Além disso, no planejamento para 2025, está previsto a expansão de projetos que integrem educação midiática, inteligência artificial e práticas maker ou “faça você mesmo”.

De acordo  com o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) 2024, o uso moderado da tecnologia contribui para melhor desempenho dos alunos em comparação com aqueles que não tiveram nenhum contato com dispositivos tecnológicos.

“Acredito que o problema não está no celular em si, mas na forma desse uso. Portanto, proibir é fechar uma porta para o desenvolvimento de habilidades digitais essenciais”, defende a professora. Ela acrescenta que “é possível ensinar os alunos a usar o celular de forma consciente e educativa. Transformando-o em um recurso de aprendizagem e não em um obstáculo. A chave é a mediação pedagógica e o uso com propósito.”

Educadores e alunos também querem se sentir seguros na internet

Para Max Franco, não é o aparelho em si o problema. Mas o que ele chama de “lobby das grandes plataformas” que incentivam a dispersão e a distração para manter usuários conectados. O diretor da escola de São Paulo conta que não se sente apto a medir forças “contra instituições muito poderosas e que estão dentro do cotidiano das crianças e adolescentes.”

“Mais do que remédio, como a lei, a gente precisa de vacinas, que antecipem os problemas. Não é uma atitude contra os eletrônicos, mas um ‘sim’ a todo o resto que a infância pode e deve explorar”

Por outro lado, a professora Virgínia Chagas acredita que proibir não deveria ser o ponto final da discussão. A partir da experiência na escola do Rio de Janeiro, ela ressalta a importância de preparar os professores para lidar com o uso da tecnologia em sala de aula, algo essencial para o futuro do ensino.

“Os professores devem receber formação, recursos e suporte adequados para implementar projetos tecnológicos de forma eficaz”, defende. “A colaboração entre todos os atores envolvidos na educação é essencial para preparar os alunos para um mundo cada vez mais digital e conectado.”

Já Beatriz precisou estudar um pouco mais para sair da recuperação e reaver o seu celular. Para ela a opinião vai além da visão do sim e não dos adultos. “A escola deveria ensinar até mais” sobre tecnologia, e, assim, ajudar os jovens a se protegerem dos riscos da internet.

O que diz a lei?

  • Fica vetado o uso de celulares e outros aparelhos eletrônicos portáteis durante a aula, recreio, no intervalo entre as aulas para todas as etapas de ensino;
  • Em sala de aula o aparelho só poderá ser usado para fins pedagógicos ou didáticos, com orientação de profissionais da educação;
  • O aparelho poderá ser utilizado sem restrições para garantir acessibilidade, inclusão, atender a condições de saúde dos estudantes ou garantir direitos fundamentais.

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