Cerca de 86% do total de crianças e adolescentes, entre 9 e 17 anos, são usuários de internet no Brasil, apontou a pesquisa Tic Kids Online 2018. Inseridos nesse mundo conectado, uma das violações a que esses 24,3 milhões de brasileiros estão sujeitos é a exploração comercial, tema do episódio que encerrou, na última sexta-feira (14/8), a série de conversas “Ser criança no mundo digital“. Ao longo de seis encontros virtuais, foram expostos e debatidos múltiplos olhares sobre a responsabilidade compartilhada de famílias, escolas, empresas, plataformas digitais e poder público na garantia de uma experiência positiva da infância nesse ambiente, de forma segura.
Com mediação de Isabella Henriques, advogada e diretora executiva do Instituto Alana, esse bate-papo buscou destacar os impactos na saúde, no bem-estar e no desenvolvimento das crianças relacionados à publicidade infantil no universo on-line que, além de persuadir as crianças para o consumo, pode estimular hábitos e valores consumistas.
Assim, para destacar a importância de incorporar os direitos das crianças ao processo de desenvolvimento de produtos e plataformas pelas empresas de tecnologia e garantir a proteção frente a violências e a exploração de todo tipo, inclusive comercial, o episódio final reuniu Kelli Angelini, gerente da Assessoria Jurídica do NIC.br, e Danilo Doneda, advogado, professor com PhD em Direito Civil.
Necessidade de limites e de proteção de dados
Ao considerar eventuais prejuízos para a infância, Kelli Angelini comenta que a ação irregular nesse ambiente não demanda proibição de uso, mas recomenda “a capacitação e a instrução de crianças e adolescentes para que tenham pensamento crítico e para que façam boas escolhas on-line de modo consciente, explorando o ambiente digital como uma ferramenta para exercer cidadania digital.”
Para Danilo Doneda, o fato de a infância ser explorada nessa engrenagem chama a atenção e precisa de cuidado. “Ao utilizar o meio informativo, a criança deixa muito mais informação do que recebe. A obtenção e utilização de dados pessoais são objeto de preocupação porque são a forma pela qual nós nos identificamos perante a sociedade e essa informação fica na mão de terceiros, como rastros ou pegadas digitais”. Portanto, ele defende a regulação que ponha limites e proteja dados, ao mesmo tempo que mantenha o acesso amplo e salutar da infância aos meios informatizados. Kelli reforça que a proteção e a privacidade a dados pessoais é um direito, e deve receber tratamento segundo o melhor interesse da criança, ou seja, “não basta não causar riscos e prejuízos, tem que ser feito em benefício da infância”.
A infância demanda um cuidado ainda mais presente porque crianças, como seres em desenvolvimento, são mais suscetíveis e vulneráveis a um mau uso e à exploração comercial. Kelli lembra que propagandas abusivas e inadequadas para a faixa etária podem causar prejuízos como hiperestímulo de consumo e dependência psíquica, por exemplo.
“Muitas vezes, esses anúncios estão camuflados e a criança não consegue identificar que se trata de uma propaganda”
Para Danilo, “a publicidade na internet tem destinatário e está cada vez mais dirigida. Ela pode ser diferente para cada criança, de acordo com seu perfil, e é muito difícil identificá-la: está no meio de jogos, vídeos, em brinquedos conectados e outros meios que falam diretamente com elas”.
Em pesquisa realizada pela Cetic, 68% das crianças e adolescentes, entre 11 e 17 anos, responderam que ficam irritadas porque na internet existe propaganda demais. Apesar disso, 80% daqueles que são expostos a propagandas têm vontade de comprar algum produto.
O que as crianças têm a dizer sobre tudo isso?
Entre as crianças com as quais o Lunetas conversou para o especial Um olhar sobre as infâncias conectadas, muitas confessaram já terem tido vontade de comprar algum produto, embora tenham também demonstrado um senso crítico para avaliar a real necessidade desse consumo, como mostra o vídeo a seguir:
Como proteger as crianças da exploração comercial?
Ao refletir sobre as estruturas de opressão e consolidação de desigualdades e as assimetrias de informações, o advogado Danilo propõe recorrer a instrumentos legais. “Contra as tentativas do mercado ou de entidades com finalidades econômicas e comerciais em obter o melhor proveito das crianças, cabe a nós determinar o espaço que não pode ser adentrado”.
Para Kelli, ainda falta conhecimento sobre o direito à privacidade de dados, e que devemos defender uma coleta daquilo que for estritamente necessário e saber o que efetivamente está sendo usado. Assim, segundo ela, poderíamos construir uma cultura das boas práticas, em que prevaleça esse direito e formar seres com pensamento crítico. “As pessoas têm poder de ditar regras, escolher empresas éticas e transparentes, que cumpram a lei e não explorem as crianças comercialmente”, reforça.
A série de conversas promovida pelo Instituto Alana, com o apoio do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), da SaferNet e do portal Lunetas, reuniu especialistas das áreas de educação, psicologia, tecnologia e direito para ajudar a entender a relação da criança com o ambiente digital. Para saber o que rolou, acesse a cobertura completa do evento pelo Lunetas: