Como as questões do bullying e do cyberbullying são complexas e multifacetadas, a solução segue a mesma linha. Mas, mais do que vítimas – uma em cada seis crianças e adolescentes de 11 a 15 anos sofreu intimidação no ambiente virtual, segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) – eles são parte importante da resposta.
Então, é preciso ter disponibilidade para deixá-los falar, e não falar por eles, como afirma a psicanalista Helena Maffei Cruz, do Instituto Noos, voltado para a promoção da saúde dos relacionamentos familiares e comunitários.
Nesse sentido, a proposta das “Equipes de ajuda entre iguais” é colocar os jovens à frente da resolução de casos de violência nas escolas. E, por isso mesmo, tem apresentado resultados positivos. Assim, os próprios estudantes atuam na acolhida aos que passam por problemas e no enfrentamento de situações de exclusão, bullying e intimidação nas escolas e em ambientes virtuais. Com eles e por meio deles é possível acessar os iguais e fomentar a empatia e a compaixão.
O reconhecimento do outro como semelhante e o protagonismo que esse tipo de ação inspira são forças que não se pode desprezar
Idealizado pelo professor José María Avilés Martínez, da Universidade de Valladolid, na Espanha, o modelo das equipes de ajuda vem sendo aplicado no Brasil desde 2015 pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem), coordenado pelas professoras Telma Vinha, da Faculdade de Educação da Unicamp, e Luciene Regina Paulino Tognetta, da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara. No prefácio do livro “Passo a passo: a implementação de um sistema de apoio entre iguais: as equipes de ajuda” (Editora Adonis), Martínez afirma:
“Formas de discriminação ou sofrimento podem ser acompanhadas com muito mais eficiência pela proximidade de um colega do que pela atuação dos adultos que convivem com eles”
Somos todos responsáveis
É comum constatar o quanto os jovens se sentem desvalorizados quando os adultos chegam com receitas prontas sobre problemas que lhes dizem respeito. “Temos uma forte tendência a suprir muito oralmente os nossos filhos. Isso não significa só dar objetos de consumo, mas significa FALAR POR eles. O direito das crianças à PALAVRA é o mais difícil”, diz Maffei Cruz.
Portanto, a responsabilização dos pais pode ser uma estratégia eficaz para envolvê-los mais atentamente na educação dos filhos. Mas, segundo a Lei 13.277/2016, o combate ao bullying e as complexas causas sistêmicas da violência requerem o envolvimento de todos. Por isso, cada um tem um papel a desempenhar: governo, escolas, educadores, pais, sociedade civil, polícia… e também os alunos.
A desembargadora Claudia Maria Hardt mencionou que “é dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente”, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ao julgar um caso de cyberbullying. A mãe foi condenada a pagar R$ 13 mil pelo crime praticado pela filha de 10 anos em um grupo de WhatsApp. O caso aconteceu na cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, em fevereiro deste ano.
A decisão seguiu o enquadramento na então recém-sancionada lei, que inseriu os crimes de bullying e cyberbullying no Código Penal, com penas que vão de multa a quatro anos de prisão. Isso provocou uma onda de questionamentos. Por exemplo: Criminalizar essa prática é a solução? Qual é a função da lei em uma sociedade que está naturalizando as agressões e as “brincadeiras” e “trollagens” como práticas comuns em ambientes sociais? Os pais devem responder pelos crimes de bullying e de cyberbullying de seus filhos?
Porém, não será na força da lei que daremos conta desse imenso desafio. Atualmente, grande parte das iniciativas peca ao não dar voz aos próprios jovens e envolvê-los na solução do problema. Ações que não contemplem o protagonismo de crianças e adolescentes estão fadadas ao fracasso.
A voz dos jovens
As falas a seguir, extraídas do videocast “Curti, e daí”, do Instituto Vero, que promove a transformação social por meio do uso crítico das tecnologias digitais, mostram as angústias, o poder de reflexão e as ideias de dois adolescentes sobre os caminhos para lidar com a violência virtual ou não. Vamos ouvi-los?
O que os olhos não veem, o coração não sente
“É muito doido a gente pensar por que e quando (isso) começou… as redes sociais fazerem esse ambiente confortável pra gente insultar o outro, né? Foi a gente que simplesmente decidiu isso, ou eles que impuseram e a gente aceitou? É algo que precisa refletir mesmo, né? Tipo, será que é por causa da distância? Ah, é porque eu tô comentando aqui, eu não vou ver a reação da pessoa que vai receber isso, o impacto dela, não tô olhando ela no olho pra ver se ela realmente… Então, por que que eu vou falar isso on-line? Por que que eu vou fazer esse comentário? É realmente necessário?” – Adolescente 1
Não dar palanque para discursos de ódio
“Acho que o papel da plateia é muito importante, em qualquer caso, de bullying, cyberbullying, algo que a gente discute muito aqui também (na escola), nas equipes de ajuda de aluno para aluno. Questão da plateia. Então, você ter esse letramento é importante justamente para não dar visibilidade para esses discursos de ódio, porque com curtidas, com essa questão do anonimato, você curte um comentário que apresenta esse discurso de ódio, ele vai ganhando visibilidade. Se a plateia não desse essa visibilidade, se tivesse esse letramento, esse conhecimento… o que combate o discurso de ódio é conhecimento, afinal. Isso não aconteceria. Então acho que o papel da plateia é imprescindível também.” – Adolescente 2
* Clara Becker é jornalista especializada em combate à desinformação e cofundadora do Redes Cordiais. É também formada em Letras pela UFRJ e coautora dos livros “The Football Crónicas” e “Los Malos”. Januária Cristina Alves é mestre em Comunicação Social pela ECA/USP, educomunicadora, autora de mais de 50 livros infantojuvenis e duas vezes vencedora do Prêmio Jabuti de Literatura Brasileira. É colunista do Nexo Jornal e membro da Mil Alliance, a Aliança Global para Parcerias em Alfabetização Midiática e Informacional da Unesco.
** Este texto é de exclusiva responsabilidade dos autores e não reflete, necessariamente, a opinião do Lunetas.
7 de abril foi escolhido o Dia Nacional de Combate ao Bullying e à Violência na Escola por causa do massacre de Realengo, ocorrido no Rio de Janeiro, em 2011. Na ocasião, cinco crianças foram assassinadas a tiros. Embora a disseminação de uma cultura de violência e de ideologias extremistas estejam em jogo, o bullying e conflitos pontuais dentro das instituições de ensino têm nos ataques a escolas a sua consequência mais funesta.