Aproximadamente um terço dos desaparecidos no Brasil são adolescentes de 12 a 17 anos. Ou seja, entre os casos compilados pela Polícia Civil entre 2019 e 2021, representam 29,3% do total. Mas eles também são frequentemente encontrados, com um índice de 30,1% de localização, apesar da investigação desses casos não ser prioridade para as polícias, por muitas vezes considerarem “problema de família”. Além disso, as próprias famílias costumam ser vistas como “instâncias produtoras de desaparecimentos”, devido à violência doméstica ou por causa da “rebeldia” adolescente.
Contudo, “quaisquer ponderações em termos gerais, que digam respeito ao desaparecimento de pessoa segmentado a grupos específicos, são aproximações, e não respostas absolutas aplicáveis a todos os casos”, ressalta Lucas Guimarães, investigador da Polícia Civil de Minas Gerais e doutorando em psicologia social pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Desaparecimentos são eventos multifatoriais, movidos por diversas causas e motivações.”
Por que adolescentes são os que mais desaparecem no país?
Apesar de serem menos vulneráveis, adolescentes somem mais do que crianças de zero a 11 anos, que representam apenas 3,1% dos desaparecimentos registrados pelo Fórum de Segurança Pública. Por quê? Guimarães explica que a autonomia adolescente é um fator-chave para os desaparecimentos nessa faixa etária, colocando os adolescentes em um lugar mais próximo dos adultos do que dos menores de 12 anos.
“Adolescentes têm mais condições de desaparecerem por vontade própria – e permanecerem ‘desaparecidos’. Já os desaparecimentos de crianças dificilmente são por vontade própria; em geral, há a ação de alguém causando a ausência”, compara. “Embora mais autônomos, adolescentes ainda são cidadãos relativamente incapazes, que contam com adultos legalmente responsáveis por qualquer mal que lhes ocorra por descuido ou negligência”.
Isso porque o adolescente costuma ganhar mais liberdade para se movimentar sem estar necessariamente acompanhado de adultos e tem mais espaço para ser ouvido e considerado à medida que envelhece”, diz Guimarães, além de poder contar com a ajuda de redes de apoio que vão além da família, como amigos e colegas de escola, para se e manter fora de casa.
“Uma criança tem poucas condições de ‘se virar’ sem o suporte dos pais ou de um adulto. Elas são facilmente notadas quando desacompanhadas e, quem a encontra, se tiver boa fé, vai querer saber de seus responsáveis.”
Por mais que um adolescente possa desaparecer por vontade própria, você sabia que o evento não pode ser considerado voluntário? Segundo o Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos do Ministério Público de São Paulo, desaparecimentos voluntários só podem ocorrer por pessoas maiores de idade e capazes, que se afastam por vontade própria e sem avisar, por motivos diversos. Todo desaparecimento de criança, adolescente ou indivíduo com doença mental é considerado involuntário, porque são pessoas consideradas incapazes perante a Lei.
“Quando falamos em desaparecimento por vontade própria, outro elemento precisa ser considerado: o desejo do adolescente. Ainda que crianças possam querer desaparecer, para fugir de maus-tratos ou simplesmente porque foram contrariadas, por exemplo, sua autonomia limitada dificulta a ação”, continua Guimarães. “Na adolescência, relações afetivas, desavenças e desacordos familiares, quando alinhados à ingenuidade e imaturidade da idade, viabilizam o desaparecimento como uma solução possível para problemas cotidianos, como um namoro não autorizado pelos pais ou a proibição de ir a uma festa.”
E mais, a evasão escolar pode ter uma forte correlação com o desaparecimento adolescente. “Antes de desaparecerem efetivamente, adolescentes costumam praticar ‘pequenos desaparecimentos’, como faltar às aulas constantemente, abandonar a escola, não voltar para casa na hora e experimentar rotinas mais erráticas.”
É possível prevenir desaparecimentos?
“Os adolescentes querem namorar, beijar na boca, descobrir o mundo – independente se nós, adultos, queremos ou não, autorizamos ou não”, comenta Guimarães. Além de atenção a mudanças de comportamento, o especialista orienta pais e responsáveis a apoiarem adolescentes nessa fase, garantindo-lhes viver as experiências típicas da idade em segurança. Incentivar que namorados sejam apresentados à família, que frequentem a casa, conhecer os amigos mais próximos e acompanhar os problemas mais aflitivos pelos quais os jovens estão passando são algumas das sugestões do pesquisador.
“É preciso destacar a importância do diálogo franco e aberto com os adolescentes para evitar novos casos”
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Segundo o Ministério Público do Estado de São Paulo, uma pessoa é considerada desaparecida quando some repentinamente, sem avisar amigos ou familiares, não pode ser localizada nos lugares que costumava frequentar e nem em qualquer outro lugar. A taxa de adolescentes desaparecidos é 2,8 vezes superior à média nacional: enquanto a taxa média no país é de 29,5 a cada 100 mil habitantes, a de adolescentes chega a 84,4 por 100 mil. De maneira geral, somem mais pessoas do sexo masculino (62,8%) e pessoas negras (54,3%). Os dados são do relatório “Mapa dos Desaparecidos no Brasil”, realizado pelo Fórum de Segurança Pública.