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‘ABPcD’: livro conta histórias de infâncias e sonhos

Imagem de capa para matéria sobre o livro ABPcD mostra uma ilustração d euma menina negra de cabelos cacheados sentada em uma cadeira de rodas.

Um dia, enquanto assistia TV com os pais, Ana Clara Moniz viu a jornalista Flávia Cintra conduzindo uma reportagem em rede nacional. Identificou-se na hora: assim como ela, a jornalista estava em uma cadeira de rodas.

“Eu me senti representada! Foi aí que soube que eu também queria contar histórias para as pessoas, inclusive a minha e a de tudo que aprendi”, conta. Moniz relembra, em entrevista, a falta de representatividade na infância como um fardo. “Fui a primeira pessoa com deficiência em tudo que fazia parte”.

Sua resposta para esta lacuna na infância veio em forma de livro, como jornalista profissional aos 24 anos. “ABPcD: Letras, infâncias e vidas de pessoas com deficiência”, em parceria com a jornalista Ligia Azevedo e a ilustradora Bruna Assis Brasil, traz fatos biográficos da infância de 26 pessoas com deficiência em imagens ficcionalizadas a partir de uma rica pesquisa.

Pessoas que fazem e fizeram a diferença

Na obra, cada letra do alfabeto corresponde a uma pessoa: artistas, professores, cientistas, esportistas e estudantes. Pessoas que contribuíram e contribuem para a nossa sociedade de diferentes formas. Em comum, todas tiveram uma infância intensa e é disso que as autoras falam.

Nomes conhecidos como Frida Kahlo, Greta Thunberg e outros que nem todos conhecem, mas que, sem dúvida, precisam saber quem são. Benedita Casé, Helen Keller, Quentin Kenihan, Nujeen Mustafa, Ursula Eggli, Vusi Mahlasela e Sol Terena.

“ABPcD: Letras, infâncias e vidas de pessoas com deficiência”, de Ana Clara Moniz, Lígia Azevedo e Bruna Assis Brasil

O sonho, a curiosidade, a imaginação e a descoberta são reveladas em cada uma das narrativas literárias partindo de um momento comum a todos os biografados e leitores: a infância. Acompanham cada um dos perfis uma breve biografia e uma ilustração leve, colorida e poética, de Bruna Assis Brasil.

Por que falar de deficiência com crianças?

Em seus perfis nas redes sociais, Ana Clara Moniz aborda assuntos relacionados ao seu dia a dia, ajuda a desconstruir o capacitismo e tabus sobre a vida de pessoas com deficiência. A jornalista conta que aos três anos, em uma escola nova, a professora convidou os alunos para ir à biblioteca pegar um livro e esqueceu dela, que estava sentada e não andava.

“Os alunos voltaram da biblioteca com dois livros, o segundo era para mim. Eu pude escolher o livro que queria e ter a mesma experiência que todos alunos. Ninguém falou para eles fazerem isso. Enquanto a professora não lembrou de mim, eles lembraram. Queriam que eu pudesse escolher o livro também”, explica Moniz.

Para ela, as crianças são naturalmente inclusivas. Então, apresentar a elas diversas formas de ser e estar no mundo contribuem para que a empatia e a curiosidade comuns à infância sigam ao longo da vida. “São elas que vão ensinar os adultos”, defende.

Infância de A a Z

Um abecedário de episódios da infância de pessoas que têm alguma deficiência. O leitor pode escolher uma letra para começar ou seguir a ordem alfabética. Nas páginas, vai encontrar uma pequena biografia e um texto literário. Não são histórias de superação, mas sobre formas diversas de ser criança e de encarar situações. Confira alguns trechos:

“Uma criança internada em um hospital, mas que era muito mais do que aquele lugar. Era assim que Aaron se sentia, e como continuaria se sentindo ao longo da vida. Quando recebeu seu primeiro convite para dar uma palestra. Quando seus pais conseguiram comprar um apartamento só deles. Quando se formou na escola. E, principalmente, quando se viu como modelo em uma capa de revista.”

Frida assopra o vidro da janela até que fique embaçado. Desenha com o dedo uma porta e entra por ela. Do lado de lá, vê um campo grande e bem verde, por onde ela corre super-rápido, até chegar à leiteria Pinzón, um lugar que vende manteiga e queijos caseiros. Frida escorrega pela letra “O” do letreiro e assim viaja ao centro da Terra.”

Greta talvez tivesse medo, tanto daquela viagem quanto da perspectiva de falar diante de líderes do mundo todo, não fosse por outra emoção que a dominava: a indignação. Ela não conseguia acreditar que os adultos simplesmente não se importavam com o fato de que estavam destruindo o planeta.”

“Não muito tempo antes, mal havia escolas para pessoas com deficiência. A própria Judy estudara em casa, com uma professora particular. Ela se lembrava de passar em frente ao colégio de seus amigos do bairro e ficar indignada com a quantidade de degraus do prédio.”

“Sol se sentiu imediatamente aceita. Ali, ela era vista como uma criança como as outras, uma guerreira que fortalecia a comunidade. Ali, o coletivo predominava e não excluía. Na cidade, porém, ninguém tinha vergonha de fazer as perguntas mais absurdas a Sol: “Se você é indígena, por que usa roupa?” ou “Por que estuda na escola?”. A vontade dela era responder: “Se você é branco, cadê a sua caravela?”. Parecia que viam os indígenas como parados no tempo. Ou como se alguém pudesse deixar de ser indígena, dependendo do que fizesse.”

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