“Bom dia professor Paulo, nós estamos discutindo no nosso município a BNCC e a Secretaria de Educação nos disse que precisamos distribuir os objetivos ao longo do ano. Me ajuda, que horror!”
“Professor Paulo, lá na minha cidade, nós recebemos um documento explicando a que cada dia da semana deve ser trabalhado um campo de experiência. É assim que é pra fazer?”
“Professor Paulo, campos de experiência é como se fossem disciplinas (português, matemática, ciências…)? E, podemos trabalhar cada um deles em um bimestre?”
Diariamente, através de redes sociais, celular e e-mail, recebo mensagens como essas. São professores e coordenadores pedagógicos bastante aflitos e confusos em relação à implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) em seus municípios. Mais atrapalhadas ainda parecem estar as Secretarias Municipais de Educação, que estão encaminhando orientações enviesadas.
Uma coisa é certa: compreender o arranjo curricular por Campos de Experiência é uma novidade que nós desconhecemos precedentes no Brasil. Os campos não são um novo nome para a velha forma de organizar o trabalho pedagógico por áreas de conhecimento, ou, disciplinas (mesmo quando elas estão disfarçadas com o nome de linguagem).
O que são os Campos de Experiência?
Os Campos de Experiência mudam a lógica de um currículo que se estrutura em conteúdos prévios para um currículo que se centra na experiência da criança. Ou seja, no modo como ela constrói sentido sobre si, sobre o outro e sobre o mundo.
A ideia dos Campos de Experiência surge na Itália, em 1991, revisada em 2012, em um documento chamado “Indicação Nacional Italiana”. No Brasil, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) já indicavam a organização do currículo através desse arranjo curricular.
Quando fomos convidados a elaborar o documento da BNCC, precisávamos oferecer uma possibilidade diferente em relação a organização por quatro áreas do conhecimento. Assim, retomando a indicação da DCNEI e apostando no valor indutivo que a BNCC poderia ter na estruturação e organização do trabalho pedagógico, decidimos pelos Campos de Experiência.
Uma pista importante para começar a construir um conhecimento situado sobre os Campos de Experiência é partir da premissa de que esse é um arranjo curricular que consiste em colocar, no centro do projeto educativo, o fazer e o agir das crianças. Por isso, os campos não devem ser distribuídos previamente na semana, dia ou ano. Eles são um campo semântico para o professor e as crianças se movimentarem em suas jornadas de aprendizagem.
Portanto, serve para o professor identificar quais os campos (sempre no plural) se inter-relacionam nas investigações e diferentes situações da vida cotidiana. É importante lembrar que também em situações como almoço, higiene, deslocamentos pela escola, ou outras tantas, podemos articular e relacionar com os sentidos presentes nos diferentes Campos de Experiência.
Os campos enquanto janelas
No site do ministério da Educação, infelizmente, quando se faz uma consulta por Campos de Experiência ele oferece como resposta um conjunto de objetivos. Esse equívoco em nada tem ajudado na construção da compreensão do que realmente significa organizar um currículo por Campos de Experiência.
Por isso, a sugestão é acessar este arquivo e prestar atenção entre as páginas 38 e 41 nos textos que seguem cada título do Campo de Experiência. Esses textos, que são na verdade uma espécie de ementa, é que precisam ser compreendidos. Para que o professor possa identificar quais as zonas conceituais que estão implicadas em suas investigações ou situações do cotidiano.
“Os campos precisam ser encarados como janelas e não como muros”
Eles são horizontes para o professor se movimentar, tomar decisões, articular os saberes e as experiências das crianças com o patrimônio científico, cultural, ambiental e tecnológico. Por isso, sua atenção está no sentido dos campos e não no conjunto de objetivos que segue.
Como funcionam os Direitos de Aprendizagem?
Além dos Campos de Experiência, é preciso estar atento aos Direitos de Aprendizagem. Esses seis direitos – Conviver, Brincar, Explorar, Participar, Expressar e Conhecer-se. E devem ser encarados como motor propulsor do trabalho pedagógico. Ou seja, é com vista a eles que o professor deve organizar o contexto.
Assim, além desses verbos representarem os diferentes modos como as crianças aprendem – por isso, seus direitos –, são também um horizonte que orienta a organização do espaço. Como a seleção dos materiais, a gestão do tempo, a organização de situações em pequenos grupos, a relação adulto e criança, as microtransições cotidianas, as atividades de atenção pessoal (como os momentos da alimentação, do descanso e da higiene) e, também, as propostas e investigações que o professor planeja para serem desenvolvidas com as crianças.
Portanto, para começar a pensar a tradução da BNCC para a Educação Infantil, tomamos os Direitos de Aprendizagem como motor e horizonte do trabalho. E, os Campos de Experiência como possibilidade do professor e das crianças se movimentarem em suas jornadas de aprendizagem.
Entenda mais sobre a BNCC
Para saber mais, sugiro a leitura do livro “Campos de experiências na escola da infância: contribuições italianas para inventar um currículo de educação infantil brasileiro”, organizado pelas professoras Daniela Finco, Maria Carmen Barbosa e Ana Lúcia Goulart de Faria. Nele, além de constar a tradução do documento original italiano, tem um conjunto de quatro artigos discutindo o tema. O melhor é que ele está disponível inteirinho para download no site.
Também tem um vídeo meu respondendo algumas perguntas que a rede municipal de Novo Hamburgo fez sobre a BNCC. Espia só:
Algumas notas explicativas
No final de 2017, foi homologada pelo Conselho Nacional de Educação a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a Educação Infantil e Ensino Fundamental. Atualmente, tramita a homologação da base para o Ensino Médio e, ao longo deste ano de 2018, os estados e municípios estão trabalhando na elaboração de seus referenciais a partir da BNCC.
No caso da Educação Infantil, que é o que nos interessa aqui neste texto, foram quatro versões do documento até se chegar a versão homologada.
Durante a primeira e a segunda versão, eu, juntamente com as professoras Maria Carmen Silveira Barbosa, Zilma Ramos de Oliveira e Silvia Helena Cruz, trabalhamos na estruturação da proposta para a Educação Infantil organizada em Direitos de Aprendizagem e Campos de Experiência. A versão 3 e 4 foi finalizada por um grupo chamado “Movimento todos pela Base”.
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