Uma aventura tragicômica pelo mundo da maternidade e a batalha de viver um dia de cada vez com um novo ser que vem ao mundo sem manual de instruções. Este é o enredo da série australiana “Turma do Peito” (The Letdown), estreada pela Netflix no mês de abril e que tem despertado sentimentos antagônicos nos espectadores, principalmente nas mães: “Quando eu assisti, não sabia se chorava com as personagens ou se ria de nervoso”, comenta Luciana Bento, autora do blog a A mãe Preta.
E o choro, junto com o leite derramado, confrontam mesmo a romantização da maternidade, apagando o ideal da gratidão permanente por parte de pais e mães. São sete episódios com aproximadamente 30 minutos de puerpério, rede de apoio, dificuldades na amamentação, noites em claro e do impacto profundo que o bebê causa nas relações familiares, amorosas e na roda de amigos.
Quem sou eu?
Afinal, como é se sentir você e ao mesmo tempo se sentir uma nova pessoa, com novas responsabilidades? Como é lidar com os desafios reais de ser mãe, de ser pai, e com a pressão dos julgamentos disfarçados de conselhos? Onde é que foi parar aquela autoestima? Todos esses temas e dilemas são apresentados ao longo da primeira temporada de “Turma do Peito”, despertando boas risadas para quem se identificou e não saiu ilesa, mas fortalecida dessa jornada.
Para Luciana Bento, mãe da Aísha e da Naíma, a série já lança seu tom devastador no primeiro episódio: mulheres reunidas em uma roda de mães, contando suas experiências em relação ao nascimento dos filhos, os tipos de parto, razões das cesáreas ou dos partos humanizados, intercorrências e sentimentos ambíguos. “É aí que você percebe que fazer graça de situações tão delicadas pode não ser uma boa ideia.”
“Calma! Isso acontece com todo mundo”
Mas assim como a própria maternidade, a série vai encontrando leveza e confiança a cada capítulo, e cada personagem suas próprias respostas para dilemas e dores pessoais. Nesse sentido, “Turma do Peito” traz uma variedade de personalidades, uma aventura de homens e mulheres que fazem escolhas, aprendem, desaprendem e vão se costurando uns aos outros em uma rede de apoio. Tudo é uma grande superação. “No final, o sentimento é de que não estou só nessa jornada”, diz a blogueira Luíza Diener, que, em uma rotina como mãe de três filhos, ainda não conseguiu encerrar a primeira temporada.
Dilemas e superações
A protagonista Audrey (Alison Bell) é ela mesma um resumão dos dilemas da mãe moderna. É uma personagem que cresceu sob as bases de uma educação vanguardista e não autoritária, bastante focada na realização pessoal e no incentivo às próprias ideais e escolha. Por isso sua dificuldade em assumir e ser reconhecida pela nova identidade atribuída de “mãe”. Tudo muito novo e um pouco assustador para ela ter que lidar com a vontade de retomar a vida profissional, a interferência de valores da família do marido na criação da filha e com as mudanças neurológicas no puerpério.
Apesar disso, desromantizar a maternidade não significa necessariamente dizer que tudo é sofrido e pesado. “O puerpério foi um dos momentos mais lindos que já passei”, recorda a empreendedora e terapeuta Amanda Sérvulo ao assistir “Turma do Peito”. Ela reflete sobre a construção social daquilo que se espera da mulher. “Às vezes colocam na nossa cabeça que temos que ser iguais aos homens, trabalhar, sermos produtivas e fazer render. Aí chega a maternidade e então é lançada a grande crise, pois já não podemos ser exatamente a mesma mulher de antes.”
No fim das contas, a identificação aparece no todo, mas especialmente nos pequenos detalhes: a toalhinha no vidro do carro para barrar o sol, a tentativa do sexo interrompida pelo choro do bebê, aquele convite que os antigos amigos deixam de fazer quando um bebê já não cabe na programação da turma, a calça do pijama que, num descuido apressado, teve que ornar com a camisa social. Entre risos e choros, a escritora e blogueira Fernanda Belém resume a novela tão real: “é como se cada episódio fosse um abraço na gente, dizendo: “Calma! Isso acontece com todo mundo.”
Convidamos cinco mães que assistiram a série para compartilhar o que acharam da trama.
Confira os pontos de vista
“Tem uma pitada de exagero, que nos 60 primeiros dias de vida do bebê são praticamente reais. É como se cada episódio fosse um abraço na gente, dizendo: ‘Calma! Isso acontece com todo mundo.’ Com humor, retrata as noites sem dormir, a amamentação, os julgamentos disfarçados de conselhos e ajuda, as culpas, as saudades. Ótima pedida para quem teve neném nos últimos 12 meses.”
“Por um lado quero assistir ao próximo episódio devido às sacadas geniais e identificação que me causa. Por outro, dá vontade de ver algo sobre realismo fantástico ou ficção, que fuja dessa realidade crua de ser mãe e traga um alívio momentâneo. Fico feliz por ter um programa que retrate a maternidade e paternidade sem floreios ou filtros. No final o sentimento é: eu não estou só nessa jornada.”
“Você percebe que fazer graça de situações tão delicadas pode não ser uma boa ideia. Mas gostei muito de assistir a série principalmente por dar mais visibilidade ao tema e humanizar a maternidade. Acho que vale muito a pena para pais e mães, mas recomendo cautela para quem tem bebê pequeno principalmente por que a identificação é tanta que pode ativar gatilhos e gerar angústia ao invés de diversão.”
“Acho que a série pesa a mão dizendo como a realidade é difícil. Aborda as pautas atuais: a dureza do puerpério, grupos de apoio de mulheres, mamaços. Não atinge uma profundidade, mas é nos pequenos detalhes que a gente se identifica. Cada bebê, mãe ou família é única. Não é um conto de princesas, nem de horrores. Sempre há duas dimensões, pois algo maravilhoso sempre vem com algo dolorido.”
Ajuda a discutir novas possibilidades e redes de apoio
“A nova rotina, a nova configuração entre os casais, os conselhos de todos os lados, a pressão sobre as mães, a comparação entre os bebês. Acho o seriado fundamental, pois coloca em discussão muitas neuras que as famílias passam e acham que só acontece com elas. Como babá sei que a pressão sobre as mães é muito forte e acho necessário discutirmos novas possibilidades e redes de apoio.”
A série foi exibida originalmente no canal australiano ABC. É uma criação de Sarah Scheller e Alison Bell, que protagoniza a série. O elenco é formado por Alison Bell, Duncan Fellows, Noni Hazlehurst, Sacha Horler, Leon Ford, Lucy Durack, Leah Vandenberg, Celeste Barber, Xana Tang, Patrick Brammall.