Frequentemente retratado de forma distorcida como um momento trágico de dor e sofrimento para a mãe, o trabalho de parto é muito mais do que isso: é o ponto da gestação em que o desenvolvimento do feto dentro da barriga chega ao final e que ele comunica ao corpo da mãe que está pronto para nascer.
O trabalho de parto é, também, o momento em que o bebê recebe o hormônio corticoide – que o ajuda a amadurecer seu pulmão, para que ele possa dar sua primeira inspiração – e o corpo da mãe produz outros hormônios que vão prepará-la para a amamentação.
Embora nascimentos entre a 37ª e a 38ª semana de gestação não sejam considerados prematuros, o fato do nascimento acontecer antes da mulher entrar em trabalho de parto espontâneo significa, sim, que o bebê, ainda não estava pronto para nascer.
Alguns mitos sobre a gestação e parto
“Completei 40 semanas. Não dá mais para esperar”: muitas vezes a barriga também se torna um incômodo – não há posição para dormir, e as costas doem. Ainda assim, completar 40 semanas não é um indicativo da necessidade de realizar uma cesárea antes do trabalho de parto espontâneo. Se o bebê estiver bem, a gestação pode durar até 41 semanas e 6 dias. Após esse período, se considera uma gestação pós-termo e geralmente é necessário algum tipo de intervenção para que o bebê nasça.
“Não há passagem para um bebê tão grande. Ou ‘eu sou tão magra e pequena'”: o corpo da mulher e o do bebê têm o perfeito “design” para parir. Durante toda a gestação, o corpo vai se preparando para o grande dia. Durante o trabalho de parto, os ossos da bacia, que têm uma certa flexibilidade, vão se moldando para dar passagem ao bebê, se ajustando à sua cabeça. A cabeça do bebê também reduz seu tamanho porque os ossos do crânio, que ainda não estão soldados (moleira), se sobrepõem. A desproporção entre a cabeça do bebê e a pélvis da mãe é muito rara. O fato de uma mulher ser pequena não significa que tenha uma bacia pequena. A única forma de saber se existe uma desproporção é testando durante o trabalho de parto. Se o bebê estiver bem, por que não esperar? Se for para ser cesárea porque o parto não progrediu, que seja. Mas, mesmo assim, valeu para ambos passar pelo trabalho de parto.
“Fiz cesárea uma vez. Agora não posso mais ter um parto normal”: o parto normal pode ocorrer mesmo depois de uma cesárea anterior. A cicatriz não vai se romper durante o trabalho de parto. A ruptura uterina, nesse caso, é rara. Se a mulher estiver bem assistida pela equipe de saúde e tudo estiver evoluindo bem durante o trabalho de parto, não há por que o bebê não nascer de parto normal.
A ciência aponta nessa direção: estudos demonstram que as crianças, aparentemente saudáveis, nascidas entre a 37ª e a 38ª semana de gestação, são mais frequentemente internadas em UTI neonatal, apresentam problemas respiratórios, maior risco de mortalidade e déficit de crescimento.
No Brasil, o grande número de nascimentos entre a 37ª e a 38ª semana de gestação está associado ao elevado número de cesarianas, que frequentemente são agendadas previamente e acabam sendo realizadas antes que o trabalho de parto espontâneo comece.
“Esse é um problema sério que o Brasil precisa encarar”, avaliou Cristiane Albuquerque, responsável pela área de infância e criança do Unicef no Brasil.
“No começo da gestação, as mulheres pretendem o parto normal, mas acabam mudando de ideia. Elas precisam acreditar que são capazes de parir”, disse a especialista em coletiva de imprensa, por ocasião do lançamento da campanha da organização “Quem espera, espera“, que busca conscientizar e sensibilizar sobre a importância para o bebê do nascimento acontecer após o trabalho de parto começar.
Esperar pelo trabalho de parto espontâneo não significa ter que fazer um parto normal. Quando o bebê está pronto, o trabalho de parto se inicia o bebê pode nascer por meio do parto normal, ou por uma cesárea, se necessário.
Por que esses números são tão altos no Brasil? Em vídeo sobre parto normal e cesárea gravado para o canal Criar e Crescer, o pediatra Daniel Becker aborda o assunto. “A maioria dos obstetras hoje não faz mais parto normal. Até pode acreditar que faz, mas no momento do parto, por qualquer motivo, a cesárea vai acabar sendo indicada, na maioria das vezes de forma desnecessária”, disse.
Cristiane, do Unicef, também falou sobre o papel da classe médica diante da cultura da cesárea: “As práticas médicas precisam mudar, e isso tem que ser trabalhado na formação dos médicos”.
Quando a cesárea é recomendada?
A cesariana só deve ser realizada quando há risco de morte para a mãe, para o bebê ou para ambos, como nos seguintes casos:
- A mãe tem uma forma de hipertensão grave
- O cordão umbilical sai antes do bebê
- A placenta descola antes do nascimento do bebê
- O bebê está atravessado ou sentado
- A localização da placenta impede a saída do bebê
No site Segredos do sonho, o Unicef disponibiliza uma série de materiais e vídeos com informações sobre a importância do trabalho de parto espontâneo e do parto normal. Entre eles, há um formulário de Plano Pessoal de Parto, um documento no qual a gestante registrará seus desejos e o modo como decide ter o seu bebê.
O documento, que pode ser uma carta para o profissional de saúde responsável pelo pré-natal, também pode adquirir um caráter mais formal e ser protocolado no local onde o bebê vai nascer, antes mesmo do início do trabalho de parto.
* Este conteúdo foi publicado pelo Catraquinha em abril de 2017, em parceria com o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância).
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O Brasil está em segundo lugar no ranking de realização de cesáreas do mundo. Enquanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece em até 15% a proporção de partos por cesariana, no Brasil, esse percentual é de 57%7. Eles representam 40% dos partos realizados na rede pública de saúde. Já na rede particular, chegam a 84% dos partos.