Dizem que, se conselho fosse bom, a gente vendia, e não dava. Mesmo sabendo disso, vou dar um conselho a todos os pais, mães e responsáveis pelo cuidado de crianças: permitam-se acompanhar seus filhos! Pode até ser um conselho meio sem valor, mas como aprendi que coisa boa se partilha, resolvi escrever para vocês.
Em geral, as pessoas entendem que o seu papel como pai/mãe/adulto responsável é guiar as crianças, orientá-las sobre “bons” e “maus” caminhos. A gente consome grande parte da nossa energia tentando ser um modelo de bom comportamento e valores morais ou, pelo menos, não ser uma péssima influência para os pequenos seres que se espelham em nós. De certa forma, isso é verdade. As crianças aprendem mesmo com os nossos exemplos (os bons e os não tão bons assim, principalmente esses últimos!) e nos primeiros momentos se valem dos nossos gostos para construírem os seus próprios.
Nos primeiros anos, escolhemos as roupas que usarão, os lugares que irão frequentar, os filmes que irão assistir, as músicas que irão escutar e até os livros que irão conhecer! Mas, com o passar do tempo, elas começam a descobrir coisas novas, aprendidas na escola, na pracinha, com os amigos, na mídia, nas redes sociais… Enfim, começam a ter uma linguagem mais própria que as caracteriza, inclusive, como uma geração distinta da nossa. A gente passa a assistir cada vez mais desenhos animados, a ouvir suas músicas infantis preferidas e conhecer todos os personagens que compõem o seu universo. Muitas são as vezes que escutamos: “de novo!”.
Podemos até nos cansar e reclamar que não aguentamos mais essa trilha sonora, esse programa ou jogo. Como sujeitos de uma certa geração, passamos a desmerecer tudo aquilo que nossos filhos consomem como produtos culturais, afinal “a minha infância é a que foi boa!” ou “essa nova geração está perdida!”.
É justamente aqui que entra meu conselho: permita-se aproveitar cada uma dessas fases, elas passam tão rápido! As crianças são fantásticas em nos guiar em descobertas interessantes. São capazes de descobrir algo novo a cada vez que pedem uma repetição.
Permita-se olhar o mundo com os olhos das crianças ao seu redor.
Uma praia jamais será a mesma se você a explorar com os olhos curiosos de uma criança: ela pode se transformar em um grande parque de diversão e descobertas. Qualquer pequena duna é um convite para rolar sem parar. Toda areia é matéria-prima para a construção de castelos, piscinas, comidas diversas.
O mar é um infinito de possibilidades e cada onda um convite para a diversão.
À medida que elas vão crescendo, podemos aprender novas coisas ou relembrar velhas, como a delícia que é uma festa do pijama, quando os adultos mandam dormir e as crianças simplesmente não conseguem segurar o riso. Ou as festas de aniversário em que elas brincam tanto que se esquecem de comer – e só se lembram no caminho de volta para casa, gritando “estou com fome!”. Aproveite até quando você tem que fazer coisas que parecem inimagináveis, como pegar longas filas para ver um youtuber famoso, assistir à pré-estreia de um filme da Marvel à meia-noite, levar ao primeiro show de um artista que você nem faz ideia de quem seja ou mesmo gravar uma dancinha que está na moda.
Se você realmente se permitir acompanhar as crianças, tenho certeza de que fará descobertas incríveis.
Mas é necessário se abrir ao novo, possibilitar o encontro e, consequentemente, estar disponível ao encantamento. Às vezes, o cansaço do cotidiano e a sobrecarga dos cuidados nos impedem de aproveitar as possibilidades colocadas pelas crianças. Reclamamos da bagunça da casa e perdemos o som das gargalhadas. Sofremos com as roupas novas que se acabam num único uso, pois foram rasgadas de tanto escorregar no muro, e não vemos as conquistas envolvidas na brincadeira.
Não é fácil enxergar tudo isso quando as incertezas são grandes, com tantos problemas graves que nos rodeiam. No entanto, é justamente por isso que devemos aproveitar esses pequenos momentos de escape. Como uma boa infancialista que sou, garanto que nada é mais bonito do que os olhos de uma criança. Como diria Manoel de Barros:
Assim como Manoel de Barros diz que o nome empobreceu a imagem, acredito que a adultez empobrece a vida.
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O rio que fazia uma volta
atrás da nossa casa
era a imagem de um vidro mole…
Passou um homem e disse:
Essa volta que o rio faz…
se chama enseada…
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro
que fazia uma volta atrás da casa.
Era uma enseada. O rio que fazia uma volta
atrás da nossa casa
era a imagem de um vidro mole…
Passou um homem e disse:
Essa volta que o rio faz…
se chama enseada…
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro
que fazia uma volta atrás da casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem.